02/12/2013

International Higher Education

A busca por estudantes internacionais em um contexto comercial

Agentes e recrutadores contratados com pagamento por comissão se tornaram profissão rentável na China e na Índia, mas eles existem em todos os países em desenvolvimento. Ninguém sabe ao certo quantos agentes estão em atividade no mundo – não há números – e não há autoridade reguladora

Philip G. Altbach e Liz Reisberg
Altbach é professor de pesquisa e diretor do Center for International Higher Education do Boston College. E-mail: altbach@bc.edu
Liz é presidente da Reisberg & Associates. E-mail: Reisberg@gmail.com
A mobilidade global dos estudantes gera muito dinheiro. Há aproximadamente 3 milhões de estudantes buscando o ensino no exterior, contribuindo com mais de US$ 75 bilhões para a economia global. São muitas as razões que os levam a buscar os estudos fora de seu país, entre elas o desejo de incrementar as próprias chances no mercado de trabalho do país de origem, a dificuldade em encontrar oportunidades de estudo relevantes no próprio país e o desejo de migração.
 
As motivações dos países e universidades que recrutam estudantes internacionais são igualmente complexas e cada vez mais comerciais. Muitos países e instituições dependem das matrículas de estudantes internacionais para equilibrar o orçamento. Em alguns casos (Austrália, por exemplo), as políticas do governo identificaram o ensino superior internacional – incluindo os estrangeiros que vêm ao país para estudar, as franquias universitárias e outras iniciativas – como uma importante fonte de renda para o ensino superior. De maneira semelhante, a Grã-Bretanha vê o ensino internacional como uma fonte de renda, cobrando taxas mais altas dos alunos estrangeiros que vêm de fora da União Europeia. Cada vez mais, as universidades americanas também enxergam o ensino internacional como fonte de renda. Ao menos dois estados, Washington e Nova York, estão pensando na possibilidade de cobrar dos estudantes internacionais taxas de ensino mais caras.
 
Pesquisas recentes mostram que os estudantes internacionais compõem a maior parte dos alunos em certas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática em alguns dos principais países desenvolvidos, entre eles os Estados Unidos. Assim, um estudo recente mostrou que mais de 95% dos estudantes de pós-graduação em engenharia elétrica e ciência da computação são alunos estrangeiros em algumas das mais importantes universidades americanas. Muitas universidades americanas se tornaram dependentes dos estudantes estrangeiros, que atuam como assistentes de ensino e pesquisa de pós-graduação.
 
Os agentes trabalham para um número limitado de universidades, ganhando uma comissão por cada estudante trazido. A comissão paga costuma variar, ficando na casa dos 15% a 20% das taxas de ensino do primeiro ano – o que pode chegar a US$ 4 mil, US$ 6 mil ou mais Obtendo informações e orientação
Tradicionalmente, quando um estudante desejava frequentar um curso no exterior, o candidato escolhia um país de destino, pesquisava suas instituições acadêmicas, locais, disponibilidade de diplomas e custos, e apresentava seu pedido de inscrição diretamente a uma instituição acadêmica. No passado, a maioria das pessoas que procuravam o estudo no exterior estava em busca de qualificações profissionais ou de pós-graduação, sendo tipicamente de famílias com alguma exposição aos contextos internacionais. Enquanto os números foram modestos, esse sistema informal de obtenção de informações por meio de redes pessoais funcionou bastante bem.
 
Além disso, os estudantes interessados podiam adquirir informações adicionais e apoio de uma série de agências patrocinadas pelo governo e pelas universidades – como EducationUSA, British Council, Campus France, e Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD), entre outras. Tais organizações mantêm centros nas grandes cidades ao redor do mundo e oferecem informações objetivas a respeito das oportunidades acadêmicas nos países que as patrocinam. Com a ascensão da internet e dos sites das universidades, tornou-se mais fácil pesquisar informações a respeito das universidades a partir das páginas eletrônicas mantidas diretamente por essas instituições de ensino.
 
Conforme o número de estudantes com mobilidade aumentou e se diversificou no decorrer dos últimos dez anos, essa abordagem independente deixou de atender às necessidades de estudantes e famílias menos cosmopolitas da classe média em crescimento, especialmente em países como China e Índia, que buscam oportunidades de estudos no exterior.
 
Há em muitas das grandes cidades consultores particulares de admissão que oferecem serviços de orientação para ajudar os estudantes interessados nas oportunidades no exterior. Tais consultores também podem guiar seus clientes através do terreno desconhecido do processo de admissão. Os consultores mais profissionais desenvolvem um amplo conhecimento das instituições estrangeiras e suas práticas de admissão, buscando encontrar alternativas adequadas para as necessidades, habilidades acadêmicas e objetivos do candidato entre os destinos estrangeiros mais apropriados. Em troca do serviço, recebem uma taxa paga pelo estudante. Embora possam desenvolver relacionamentos com os funcionários encarregados da admissão de alunos nas instituições de todo o mundo, para se manterem atualizados com as informações mais recentes, não há acordos contratuais com nenhuma universidade estrangeira. Muitos desses consultores fazem parte de organizações profissionais – como a Associação de Consultores de Admissão Internacional em Pós-Graduação – para reunir dados, partilhar experiências e definir critérios éticos dessa prática.
 
Algumas universidades americanas usam grande número de agentes. A Universidade de Cincinnati, por exemplo, tem no seu site uma lista de mais de 120 agentes, sendo 46 somente na Índia Agentes e atalhos no recrutamento
Talvez a maior novidade nesta área (sem dúvida a mais controvertida) seja o surgimento de agentes e recrutadores que trabalham para universidades específicas, encaminhando os estudantes para seus clientes institucionais. Agentes e recrutadores contratados com pagamento por comissão se tornaram uma profissão rentável na China e na Índia, mas eles existem em todos os países em desenvolvimento. Ninguém sabe ao certo quantos agentes estão em atividade no mundo – não há números – e não há autoridade reguladora do trabalho deles. A maioria das agências é criada por empreendedores que podem ou não conhecer o ensino superior nos países para os quais os estudantes são mandados, além do material fornecido pelas universidades clientes. Há poucas agências com escritórios no exterior, organizando eventos internacionais – como o Programa de Desenvolvimento Internacional, empresa com sede na Austrália que mantém atividades em todo o mundo –, e a maioria das agências é pequena, com um número limitado de funcionários.
 
Essencialmente, os agentes trabalham para um número limitado de universidades, ganhando uma comissão por cada estudante trazido. A comissão paga costuma variar, ficando na casa dos 15% a 20% das taxas de ensino do primeiro ano – o que pode chegar a US$ 4 mil, US$ 6 mil ou mais. Obviamente, trata-se de um incentivo atraente para que os agentes favoreçam instituições específicas. Algumas universidades americanas usam um grande número de agentes. A Universidade de Cincinnati, por exemplo, tem no seu site uma lista de mais de 120 agentes, sendo 46 somente na Índia.
 
Os agentes precisam revelar aos estudantes e suas famílias que são contratados pelas universidades, e que oferecem informações aos estudantes em nome apenas de universidades específicas, sem fingir que são consultores independentes de admissão Perguntas
Entretanto, ninguém duvida que a tarefa de pesquisar oportunidades de ensino no exterior seja desafiadora. A questão é como obter a informação e o apoio necessários e como identificar os riscos. Os agentes são atalhos sedutores para os estudantes e também para as universidades que desejam matricular estudantes internacionais, mas o uso dos agentes traz uma série de dilemas.
 
Primeiro, não há como saber com certeza se as instituições recomendadas pelos agentes são de fato as melhores opções para o cliente estudante. Francamente, é difícil imaginar que, se os agentes ganham a vida com as comissões pagas pelas instituições A, B e C, eles recomendem a instituição D quando só a D oferece um programa de ensino particularmente adequado para um estudante. Na verdade, é difícil imaginar que o agente conheça detalhes de programas oferecidos por instituições que não sejam A, B, e C...
 
Além disso, é difícil, se não impossível, saber exatamente o que ocorre entre o agente e o estudante, apesar das inspeções periódicas. Relatos ocasionais indicam que muitos agentes "ajudam" os clientes ao preparar históricos acadêmicos, redigir ensaios, apresentar cartas de recomendação e outros tipos de "assistência" duvidosa. Estima-se que 80% dos candidatos auxiliados por agentes incluíram credenciais falsas.
 
Em alguns casos, diz-se que o agente cobra do estudante e da universidade, prática de ética questionável.
 
Quem determina o que é conduta ética?
O Conselho Americano de Recrutamento Internacional (AIRC), uma organização sem fins lucrativos, foi lançado em 2008 para representar os interesses da comunidade dos agentes e das universidades que empregam seus serviços, começando posteriormente a conceder certificados aos agentes que atendiam aos critérios éticos desse conselho. O processo é caro, começando com uma taxa não-reembolsável de inscrição de US$ 2 mil, uma taxa de pré-certificação de US$ 5 mil, o custo de viagem da equipe de avaliação e uma taxa de US$ 3 mil pelo primeiro ano de participação. O título de membro deve ser renovado todos os anos ao custo adicional de US$ 2 mil a US$ 3 mil. Isso coloca o custo da certificação além do orçamento de muitas agências menores.
 
Uma das muitas preocupações envolvendo a AIRC está no fato de a organização ser inteiramente responsável pela própria validação; seus membros são universidades e agentes beneficiados pelo álibi ético proporcionado pela certificação. O AIRC foi criado para validar o trabalho de agentes com o pressuposto de que fosse possível garantir as práticas éticas. Não há corroboração independente da eficácia da metodologia nem de seus resultados.
 
Em junho de 2013, após dois anos de estudo, a Associação Nacional de Orientação para o Ingresso na Universidade (NACAC), organização americana de profissionais da área das admissões em faculdades e universidades, fundada em 1937, divulgou um relatório a respeito dos agentes e recrutadores. Depois de considerável pressão por parte dos membros do AIRC, o documento excluiu um afirmação anterior segundo a qual um membro da NACAC "não poderia" trabalhar com agentes, amenizando para "não deveria". A conferência nacional da NACAC deveria avaliar as recomendações do texto no outono de 2013.
 
A American Association of Collegiate Registrars and Admissions Officers também criou uma força-tarefa para avaliar critérios profissionais para o recrutamento e outras atividades ligadas à parte internacional.
 
Tem-se pedido às universidades que revelem se trabalham com agentes ou não, e quem são esses profissionais. Isso é uma obrigação ética mínima. Mas os agentes também precisam revelar aos estudantes e suas famílias que são contratados pelas universidades, e que oferecem informações aos estudantes em nome apenas de universidades específicas, sem fingir que são consultores profissionais de admissão, conforme o descrito acima.
 
O que pode ser feito?
A partir da nossa perspectiva, agentes e recrutadores não deveriam participar do processo de admissão para estudantes domésticos nem internacionais. Assim, os estudantes teriam diante de si um conjunto completo de informações a respeito das universidades às quais melhor se adequariam, sem a interferência dos interesses de agentes que ganham ao limitar as opções ao pequeno número de universidades que pagam comissão. Além disso, as possibilidades de corrupção no processo de admissão parecem numerosas – e evidentes.
 
A escolha de onde estudar ao procurar o ensino no exterior é um compromisso importante que envolve os recursos da família e o tempo do aluno. Os estudantes e suas famílias precisam adotar uma postura pró-ativa independentemente do quanto a tarefa possa parecer difícil, sem deixar o próprio destino nas mãos de agentes ou outros que talvez não tenham em mente o interesse dos candidatos.
 
A mobilidade estudantil internacional reflete um fenômeno de massas, sendo necessária uma abordagem multifacetada. Algumas dessas medidas já existem, mas precisam de reforço.
 
1. As universidades têm a responsabilidade de oferecer sites informativos, honestos e fáceis de acessar, com informações claras sobre os programas acadêmicos, os procedimentos de admissão, requisitos de graduação, custos e serviços ao estudante.
 
2. Durante o processo de admissão, as universidades precisam designar funcionários para responder individualmente aos candidatos a estudantes, com informações e assistência. O custo não será desprezível, mas, se parte dos recursos gastos atualmente com os agentes for redirecionada para tal atividade, o investimento valerá a pena.
 
3. As universidades e outras associações acadêmicas dos países e regiões que recebem estudantes estrangeiros devem oferecer sites claros e acessíveis com informações completas a respeito do sistema acadêmico e das oportunidades de estudos abertas aos candidatos internacionais.
 
4. Os governos devem aumentar o apoio aos centros de informação do ensino nos principais países que enviam estudantes ao exterior, oferecendo informações no local com profissionais bem treinados que possam fazer workshops e dar orientação aos estudantes interessados.
 
5. Os consultores de ensino profissionais, que oferecem informações objetivas a respeito das oportunidades de estudos e podem avaliar cuidadosamente as necessidades dos candidatos em potencial para encontrar os programas acadêmicos mais adequados a eles sem a influência da oferta de comissões, devem ser claramente identificados, diferenciando-se dos agentes.
 
6. As universidades não devem encorajar estudantes e suas famílias a deixarem que os agentes tomem as decisões importantes, como tem feito a Universidade Cornell.
 
Conclusão
Sem dúvida, a mobilidade estudantil global tem grande importância – para os países, instituições acadêmicas e, principalmente, para os estudantes individuais. Para tal empreendimento é fundamental que o estudante encontre a oportunidade de estudos mais adequada possível.
 
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