05/11/2013

International Higher Education

Concorrência para estudar no exterior multiplica fraudes acadêmicas na China

Pesquisa indica que 90% das cartas de recomendação dos candidatos chineses às universidades ocidentais são falsificadas; 70% das dissertações de admissão são escritas por outra pessoa em nome do candidato; e 50% dos históricos escolares do ensino médio são adulterados

John Marcus
Correspondente nos EUA da revista britânica Times Higher Education. E-mail: jmarcus@hechingerreport.org
Jiao Yizhou, de 17 anos, estudante da Universidade de Jiangsu para o Ensino Internacional, em Nanjing, China, espera frequentar o curso de engenharia ambiental no Georgia Institute of Technology, Estados Unidos.
 
Como muitos candidatos, entretanto, ele se mostra ansioso em relação aos exames de admissão e às dissertações exigidas. O rapaz sabe que outros estudantes chineses trapaceiam nos documentos de inscrição, convencendo professores a falsificar recomendações e notas obtidas no ensino secundário, e contratando agentes que muitas vezes escrevem os ensaios de admissão no lugar dos candidatos.
 
"Esse tipo de coisa não me incomoda, fiz tudo do jeito certo, e os funcionários acadêmicos não são burros", diz Yizhou. "Eles sabem distinguir entre autêntico e falso."
 
Mas a concorrência cada vez mais acirrada por vagas nas universidades ocidentais e o imenso aumento anual no número de candidatos chineses fazem com que os funcionários da seção de inscrições se mostrem cada vez mais preocupados com aquilo que os especialistas dizem ser a pratica crescente e cada vez mais generalizada de fraude.
 
 
"Não quero dar a entender que isso ocorre em todas as escolas", diz Linda McKinnish Bridges, reitora-assistente do setor de inscrições e diretora do programa de desenvolvimento da Universidade Wake Forest na China. "Mas representantes de algumas das escolas que visitei me disseram: ‘Faremos de tudo para levar esses estudantes aos Estados Unidos’."
 
Noventa por cento das cartas de recomendação dos candidatos chineses às universidades ocidentais são falsificadas, de acordo com pesquisa realizada pela NAFSA: Association of International Educators e pela empresa de consultoria educacional Zinch China, com sede nos EUA.
 
Fenômeno é impulsionado principalmente por pais chineses de classe média determinados a fazer com que seus filhos estudem no exterior, dos quais 80% pagam pelo auxílio de um agente As duas organizações, que realizaram entrevistas com 250 estudantes das escolas secundárias chinesas mais bem colocadas nas classificações, também concluíram que 70% dos ensaios de admissão são escritos por outra pessoa em nome do candidato; metade dos históricos escolares do ensino médio são adulterados, e muitos prêmios também seriam falsos.
 
"Os documentos de inscrição falsos são onipresentes na China, graças à competitividade exagerada dos pais e à agressividade dos agentes" que ganham bonificações financeiras por trazer estudantes às melhores universidades ocidentais, afirmam os pesquisadores, apontando que se trata de "uma tendência crescente".
 
Eles dizem também que o fenômeno é impulsionado principalmente por pais chineses de classe média determinados a fazer com que seus filhos estudem no exterior, dos quais 80% pagam pelo auxílio de um agente. O preço atual por estudante chega a US$ 10 mil – podendo dobrar se o agente conseguir para o estudante uma vaga nas universidades que estão no topo das influentes classificações U. S. News & World Report.
 
Honorários de um agente de colocação no exterior chegam a US$ 10 mil, podendo dobrar se ele conseguir para o estudante uma vaga nas universidades que estão no topo de rankings influentes "Culturalmente, na China não se considera que um jovem de 17 anos seja capaz de assumir a responsabilidade por uma decisão tão importante quanto a opção de ensino universitário", afirmam os relatórios da Zinch e da NAFSA. Ou, como explica Linda Bridges, os pais chineses "têm um único filho, e farão de tudo que estiver ao seu alcance para que este filho avance na vida".
 
Os pesquisadores disseram que os agentes escrevem ensaios de admissão em nome dos candidatos ou contratam aqueles que voltaram recentemente das universidades do Ocidente, ou mesmo professores anglófonos que moram na China. O serviço de redação de ensaios também é oferecido em separado.
 
Pesquisa que testou as habilidades linguísticas de 25 mil candidatos chineses descobriu que dois terços deles não falavam inglês bem o bastante para empregar o idioma num debate em sala de aula Representantes chineses admitem a existência do problema. Trata-se de uma "preocupação legítima", diz o australiano Rob Cochrane, gestor dos programas internacionais de ensino do Departamento Provincial de Ensino de Jiangsu. Mas ele afirma que a culpa jaz no processo de inscrição. "A própria natureza deste processo a distância oferece uma imensa oportunidade para que aqueles de inclinação menos ética adulterem as próprias credenciais", diz Cochrane. "A ideia de pedir a um solicitante uma carta de inscrição em inglês, seja o candidato da China ou de qualquer outra parte do mundo, é repleta de riscos."
 
E a China não é o único país onde os candidatos às universidades americanas supostamente trapaceiam. Em maio, o Serviço de Testes Educacionais dos EUA cancelou a realização do exame SAT na Coreia do Sul, onde os serviços de preparação para o exame teriam obtido antecipadamente uma cópia das questões da prova. "A questão está principalmente no processo, e não nos candidatos em si", diz Cochrane.
 
Independentemente de qual seja o motivo, todas essas fraudes complicam muito o trabalho dos funcionários do departamento de admissões cercados de matrículas vindas da China, conforme as universidades aceitam um número cada vez maior de estudantes estrangeiros para ampliar sua renda.
 
A Unesco estima que 440 mil chineses estudam no exterior, e Estados Unidos e Grã-Bretanha são os destinos mais procurados.
 
A China é de longe o país que mais manda estudantes para os EUA – quase 200 mil por ano, quatro vezes mais do que no início do milênio, representando um de cada quatro dos estudantes internacionais no país – e o número aumentou 20% ou mais em cada um dos últimos cinco anos. Apesar das mudanças na imigração, o número de estudantes chineses na Grã-Bretanha também segue aumentando. No ano passado, o acréscimo foi de 8%.
 
A proporção de estudantes chineses cujas habilidades linguísticas foram avaliadas como sólidas diminuiu de 18% para 4% Em Wake Forest, onde o número de solicitações anuais de matrícula vindas da China aumentou de 79 para mais de 600 nos últimos cinco anos, Bridges, que fala mandarim fluentemente, visita as escolas chinesas do ensino médio e entrevista candidatos em inglês via Skype, assim como fazem outros funcionários do departamento de admissões, ao mesmo tempo pedindo a eles que completem simultaneamente pequenas tarefas de escrita – tudo para detectar fraudes. "Se o estudante é muito talentoso, mas tenho reservas quanto à sua habilidade no inglês – se ele não compreende e preciso voltar ao mandarim – então o estudante não poderá frequentar Wake Forest", diz ela.
 
Outra pesquisa realizada pela Zinch China, que testou as habilidades linguísticas de 25 mil candidatos chineses, descobriu que dois terços deles não falavam inglês bem o bastante para empregar o idioma num debate em sala de aula. Trata-se de um aumento em relação ao ano anterior, quando observou-se que 38% deles apresentavam deficiências no inglês. A proporção de estudantes cujas habilidades linguísticas foram avaliadas como "sólidas" diminuiu de 18% para 4%.
 
Cochrane afirma que os estudantes chineses se tornam tão habilidosos com os testes padronizados, incluindo o teste de Inglês como Idioma Estrangeiro, que "não seria injusto dizer que, com preparo e treinamento suficientes, eles seriam capazes de obter notas melhores do que as correspondentes ao seu conhecimento real da língua".
 
Ele também especula que a crescente repercussão das fraudes pode resultar em mudanças na China. "No nosso meio fala-se muito nesse assunto. Ninguém aceita que a trapaça se torne normal, embora muitas pessoas me façam essa pergunta. Os chineses são um povo orgulhoso. Não querem ser tachados de párias no sistema educacional."
 
De acordo com ele, uma solução seria exigir o credenciamento de agentes – ou aceitar portfólios digitais do trabalho acadêmico dos estudantes chineses, formato difícil de falsificar.
 
No Ocidente, a questão deve receber uma resposta mais enérgica conforme os estudantes chineses continuarem a chegar despreparados para o ensino em inglês. Por mais valiosos que os estudantes chineses possam ser para as universidades que tanto necessitam das taxas consideráveis pagas por este público, o eventual lucro seria anulado se o estudante estrangeiro sem preparo for obrigado a abandonar o curso no ano seguinte. "O custo de não ser capaz de manter o estudante é imenso", explica Bridges. "Os incentivos, os fatores de motivação capazes de mudar isso são a retenção e o atrito."
 
Tal mancha na sua honra poderia alterar o comportamento das escolas secundárias chinesas, cujos estudantes partem para estudar no Ocidente mas voltam sem diplomas – ou são flagrados falsificando notas e documentos. Bridges diz não aceitar mais pedidos de inscrição vindos da escola cujo diretor disse a ela que faria qualquer coisa para levar seus estudantes às universidades ocidentais.
 
"Se o estudante é levado a estudar fora por causa da empolgação de algum diretor escolar, de um agente, dos pais, e acaba voltando para casa sem concluir o curso, isso fará [os chineses] enxergarem o problema como uma questão de longo prazo", diz ela.
 
Em Nanjing, Zhu Yi, um dos colegas de Yizhou, espera ir para a Universidade de Boston, nos EUA. Ele também diz saber que outros chineses trapaceiam. "É verdade que isso ocorre. Mas nem todos fazem isso", disse Yi. "A maioria tenta fazer as coisas do jeito certo."