13/08/2013

International Higher Education

Troca de cérebros ou drenagem de talentos: os ricos não se importam com os países em desenvolvimento

Emergentes estão subsidiando diretamente os sistemas acadêmicos dos países desenvolvidos

Philip G. Altbach
Professor da Cátedra Monan e diretor do Center for International Higher Education (CIHE) do Boston College. E-mail: Altbach@bc.edu
Os países ricos estão preocupados com a escassez de habilidades, especialmente nos níveis mais elevados de suas economias. As causas são muitas – como o "precipício demográfico" no Japão e em alguns países europeus, que reduz significativamente o número de jovens em idade de frequentar a universidade, especialmente nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (conhecidas pela sigla STEM), o nivelamento do acesso e a baixa taxa de conclusão dos cursos. Qual seria a solução para esses problemas? Cada vez mais, tem sido aumentar a "taxa de permanência" dos estudantes internacionais – em outras palavras, convencer os estudantes, principalmente aqueles oriundos de países em desenvolvimento e de renda mediana, a ficar no país depois de obter seus diplomas. Numa simplificação exagerada, os ricos estão roubando os cérebros dos países em desenvolvimento – e também quaisquer cérebros talentosos que possam ser atraídos. Embora a "drenagem"/fuga de cérebros faça parte do circuito acadêmico há pelo menos um século, a situação torna-se cada vez mais aguda para todos os lados. Para os países emergentes e em desenvolvimento, o risco é o de serem deixados para trás na economia global do conhecimento, prejudicando seu futuro permanentemente.
 
Dados de 2011 indicam que os 764 mil estudantes internacionais presentes nos EUA trazem mais de US$ 22 bilhões para a economia americana todos os anos. A Austrália recebe US$ 17 bilhões dos alunos estrangeiros; a Grã-Bretanha, US$ 21 bi Realidades atuais
Na era da globalização, talvez seja exagero chamar isso de política deliberada para incentivar a migração de cérebros, mas não seria algo distante da verdade. A taxa de permanência já é bastante alta. Por exemplo, 80% ou mais dos chineses e indianos que obtiveram diplomas avançados nos Estados Unidos no decorrer de quase meio século permaneceram no país. Não é exagero dizer que uma parte significativa do Vale do Silício foi erguida com a força dos cérebros indianos. Uma análise recente dos dados do levantamento de doutorados obtidos da Fundação Nacional da Ciência mostra que a grande maioria daqueles que vieram aos EUA para obter diplomas de doutorado planeja permanecer no país, contribuindo com a força de trabalho acadêmica, especialmente nas áreas STEM. Ainda que seja pequeno o volume de dados disponíveis, outros países europeus e a Austrália apresentam sem dúvida tendências semelhantes. Entretanto, a taxa de retorno está aumentando modestamente em todo o mundo, conforme as condições econômicas dos países em desenvolvimento apresentam melhoras, e alguns dos países ricos continuam mergulhados numa recessão.
 
Pode-se estimar que as famílias chinesas estavam investindo em 2012 cerca de US$ 7,6 bilhões em cérebros mandados para os EUA; as indianas, ao pagar pela formação de cem mil jovens até o nível do bacharelado, investiram nos EUA cerca de US$ 1,5 bi / ano Subsídios dos pobres para os ricos
Economias emergentes e em desenvolvimento estão na verdade contribuindo significativamente com os sistemas acadêmicos dos países mais ricos. Os estudantes internacionais trazem uma contribuição importante para as economias da Europa, América do Norte e Austrália enquanto estudam e também quando permanecem nesses países. Dados de 2011 indicam que os 764 mil estudantes internacionais presentes nos EUA trazem mais de US$ 22 bilhões para a economia americana todos os anos. Estatísticas semelhantes podem ser citadas para os demais países anfitriões principais. De fato, na Austrália, que recebe US$ 17 bilhões dos estudiosos internacionais, e na Grã-Bretanha, onde o ensino superior corresponde a uma renda de US$ 21 bilhões, há políticas nacionais que estimulam claramente o aumento da renda proveniente de estudantes estrangeiros.
 
Será que as potências acadêmicas são responsáveis pelo sistemas acadêmicos em desenvolvimento? A ideia de responsabilidade por incentivar doutorandos dos países em desenvolvimento a retornarem a seus países está totalmente ausente do debate atual Talvez sejam mais preocupantes os subsídios oferecidos pelas economias emergentes e em desenvolvimento – por meio de seus doutores – àqueles que permanecem nos países ricos e ingressam na profissão acadêmica. Seguem-se exemplos da Índia e da China – os dois maiores "exportadores de cérebros" do mundo. Deve-se notar que essas estatísticas são indicativas, já que não há detalhes disponíveis e os dados variam. Em 2012, havia cem mil estudantes indianos nos EUA, em sua maioria nos níveis de pós-bacharelado. A grande maioria desses estudantes permanece no país após a obtenção do diploma, e muitos entram para a classe local de professores. De acordo com estatísticas da Unesco, uma estimativa aproximada diz que o contribuinte indiano paga cerca de US$ 7.600 em paridade de poder de compra (PPP) para levar um estudante do nível primário até o diploma de bacharelado. Pode-se estimar que uma família indiana investe um valor semelhante no ensino de uma criança – especialmente levando-se em consideração o fato de muitos dos jovens que são aceitos em universidades estrangeiras terem sido educados em escolas inglesas do ensino médio na Índia – levando a uma estimativa total de US$ 15 mil. Assim, ao pagar pela formação de cem mil jovens até o nível do bacharelado, o investimento aproximado feito pela Índia nos EUA é de cerca de US$ 1,5 bilhão por ano. Para a China, os números são ainda maiores. Embora o gasto público com a educação não seja revelado, pesquisas mostram que a família chinesa média investe US$ 39 mil (PPP) para educar um estudante do nível primário até a obtenção do diploma de bacharelado. Havia 194 mil estudantes chineses nos EUA em 2012. Pode-se estimar que as famílias chinesas estavam investindo cerca de US$ 7,6 bilhões em cérebros mandados para os EUA. Há também um significativo financiamento proporcionado por fontes estatais chinesas, embora os números não estejam disponíveis.
 
Parece possível aproximar as contribuições educacionais dos vários países em desenvolvimento cujos jovens estão estudando no exterior à economia dos países anfitriões. Ainda que nem todos esses estudantes devam permanecer após a conclusão de seus estudos, as somas são significativas.
 
Além dos custos diretos, os países anfitriões são beneficiados com o imenso capital intelectual proporcionado por alguns dos jovens mais brilhantes dos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, as perdas para os países em desenvolvimento são imensas, principalmente para a academia, que perde talento na área de pesquisa e tecnologia, bem como ideias inovadoras que poderiam ser cultivadas com experiência no exterior, práticas de gestão universitária e muito mais.
 
Será que, no contexto das Metas de Desenvolvimento do Milênio, os países ricos deveriam remeter aos países em desenvolvimento o custo inicial do ensino dos jovens talentosos que não retornam a seus países de origem? Estratégias dos países ricos
Hans de Wit e Nannette Ripmeester apresentam um excelente resumo de algumas das políticas voltadas para a ampliação das "taxas de permanência" por meio de mudanças nas políticas de imigração, na oferta de bolsas, na proximidade dos elos entre universidades e empregadores, entre outras medidas (University World News, 17 de fevereiro de 2013). Muitos na Europa e na América do Norte concordam que novas iniciativas para convencer os "melhores e mais brilhantes" profissionais de outros países, a quem eles educam, a ficarem nos países ricos e ingressarem em sua força de trabalho são uma boa ideia. Tentativas de facilitar a concessão de vistos, abrir oportunidades de emprego, permitir o trabalho em nível de pós-graduação e facilitar o reconhecimento dos diplomas, melhorar a cooperação entre as universidades, governos e indústrias e muitas outras iniciativas vêm sendo implementadas.
 
Países que implementaram recentemente limites mais rigorosos para a imigração, como Grã-Bretanha e Austrália, estão revendo suas políticas. A Academia Nacional de Ciências dos EUA e as universidades do país defendem a flexibilização dos regimes de concessão de vistos, para tornar mais fácil que pós-graduandos estrangeiros fiquem nos EUA e trabalhem no país. Não é reconhecida nenhuma contradição entre as Metas de Desenvolvimento para o Milênio, por exemplo, que enfatizam a necessidade do desenvolvimento educacional nos países em desenvolvimento, e políticas voltadas para atrair os melhores cérebros provenientes desses mesmos países.
 
Países africanos como Botswana e África do Sul, que têm sistemas de ensino superior relativamente avançados e oferecem salários mais atraentes, também atraem talentos de outras partes da África. Além disso, a fuga de cérebros na academia também ocorre entre as principais "potências acadêmicas". A Alemanha se esforça para atrair de volta seus doutores e pós-doutores que trabalham nos EUA, mas seu sucesso é limitado. O atrativo de uma carreira acadêmica mais estruturada e estável, e os salários um pouco mais altos oferecidos nos EUA são convincentes – e as universidades americanas tentam manter seus formandos internacionais mais talentosos, independentemente de sua nacionalidade.
 
Complexidades de um mundo globalizado
Embora a localização ainda seja um fator importante e o mundo não seja nem um pouco plano em se tratando de excelência acadêmica e poder, a globalização sem dúvida teve impacto nas universidades e sistemas acadêmicos de todo o mundo. A internet tornou a comunicação e colaboração muito mais fáceis. A proporção de publicações e trabalhos de pesquisa realizados em conjunto por acadêmicos de diferentes países aumentou dramaticamente no nível mais alto do sistema. O ensino à distância, programas de diploma conjunto e franquias acadêmicas mostram outro aspecto de um mundo acadêmico globalizado. Mas nada disso compensa a perda de pessoal.
 
Sendo um país com grande número de acadêmicos trabalhando no exterior, a China instituiu uma série de programas para atrair os melhores pesquisadores chineses de volta ao país. Nomeações conjuntas também foram oferecidas para acadêmicos das principais áreas, de modo que as universidades chinesas possam beneficiar-se dos melhores estudiosos que prefiram permanecer no exterior. Outros países em desenvolvimento de renda mediana também buscam se valer da diáspora acadêmica por meio do incentivo a projetos de pesquisa conjuntos, atraindo investimento, patrocinando organizações acadêmicas e outras estratégias. Os programas bem-sucedidos garantiram que o melhor talento local possa beneficiar-se da experiência de compatriotas que vivem no exterior. Países como Coreia do Sul, Turquia, Escócia e outros implementaram programas desse tipo.
 
Mas, em todos esses casos, a vantagem continua com os principais centros acadêmicos, por motivos óbvios. Além disso, a localização é um fator importante: fazer parte de uma comunidade acadêmica é um atrativo muito mais poderoso do que a comunicação via internet, anos sabáticos e férias no exterior. Carreiras acadêmicas estáveis, salários atraentes, liberdade acadêmica, acesso irrestrito às mais novas ideias intelectuais e científicas, entre outros fatores, são muito atrativos. Poucos programas que visam o retorno de pesquisadores e acadêmicos ou iniciativas que limitem a mobilidade acadêmica alcançaram sucesso. O fato é que, enquanto as universidades dos países em desenvolvimento não forem capazes de oferecer as instalações e a cultura acadêmica esperada pelos melhores acadêmicos – incluindo a liberdade acadêmica, o acesso irrestrito à informação, e laboratórios –, elas não conseguirão atrair os mais talentosos acadêmicos, mas as políticas dos países ricos certamente prejudicam seus esforços.
 
Justiça acadêmica?
Será que as "potências acadêmicas" são responsáveis pelo sistemas acadêmicos em desenvolvimento? A ideia de responsabilidade por incentivar doutorandos dos países em desenvolvimento a retornarem a seus países e melhorar a qualidade dos sistemas acadêmicos emergentes está totalmente ausente do debate atual. A única preocupação é melhorar a "taxa de permanência" e flexibilizar as regras de permanência para garantir que o maior número dos melhores e mais brilhantes vindos dos países em desenvolvimento fique nos países ricos. Será que, no contexto das Metas de Desenvolvimento do Milênio, os países ricos deveriam remeter aos países em desenvolvimento o custo inicial do ensino dos jovens talentosos que não retornam a seus países de origem? Há muitas maneiras de melhorar a situação atual: por exemplo, diplomas conjuntos de doutorado que proporcionam aos jovens estudiosos dos países em desenvolvimento a oportunidade de estudarem no exterior como parte do seu doutorado, ao mesmo tempo mantendo seu elo com a universidade de origem e ampliando sua capacidade de pesquisa. Assim, os países em desenvolvimento deixariam de subsidiar diretamente os sistemas acadêmicos dos países ricos.