28/01/2014

Excellence in Higher Education | Fapesp

Especialistas defendem estímulo seletivo para criar universidades de classe mundial no Brasil

Ao mesmo tempo em que excelência de ensino deve ser meta de todas as universidades brasileiras, poucas teriam hoje condições de dar um salto de qualidade e tornarem-se de classe mundial em pesquisa científica. Para que isso ocorra, as vocacionadas precisam de investimento diferenciado.

Karina Toledo e Elton Alisson, da Agência Fapesp
Leia abaixo todas as reportagens produzidas por Karina Toledo e Elton Alisson, jornalistas da Agência Fapesp, na cobertura do simpósio Excellence in Higher Education, realizado nos dias 23 e 24 de janeiro. O evento foi uma iniciativa da Fapesp em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e teve como objetivo debater os determinantes da excelência no ensino superior no Brasil e formular recomendações que poderão embasar políticas públicas.
 
Ao mesmo tempo em que a excelência de ensino deve ser a meta de todas as universidades brasileiras, algumas poucas instituições do país teriam hoje condições de dar um salto de qualidade e tornarem-se de classe mundial em pesquisa científica. Para que isso ocorra, as universidades vocacionadas precisam receber investimentos diferenciados para desenvolver planos institucionais ousados, afirmaram especialistas no simpósio Excellence in Higher Education.
 
Clique nos nomes dos palestrantes para ler sua apresentação no simpósio:
 
A diferenciação no sistema de ensino, reconhecendo as instituições com vocação para desenvolver pesquisa de nível internacional, tem sido apontada pela ABC há pelo menos uma década, quando foi publicado o documento “Subsídios para a Reforma do Ensino Superior”, lembrou Hernan Chaimovich, vice-presidente da ABC e assessor especial da Diretoria Científica da Fapesp.
 
“Diferenciar não quer dizer que uma parte do sistema é melhor ou pior que outra. Mas um sistema em que todas as partes são iguais em geral não funciona. Um sistema se caracteriza pela excelência de todas as suas partes, embora cada uma tenha função distinta da outra”, avaliou Chaimovich.
 
Para a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, o peso da ciência que cada universidade produz é um fator relevante e, portanto, o investimento não pode ser o mesmo para todas as instituições. “A ciência, para ser de ponta, precisa de um investimento superior ao que está sendo feito no país. A sociedade precisa decidir em quais áreas devem ser feitos investimentos pesados e quais instituições têm perfil para trilhar esse caminho da internacionalização. Cada uma deve ter um perfil e uma área de excelência. Somente assim o Brasil vai se tornar capaz de pautar a ciência internacional e não apenas ser pautado”, opinou.
 
Na avaliação do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Guimarães, um dos possíveis critérios de seleção das instituições vocacionadas a atingir o status de classe mundial é o percentual de cursos de pós-graduação com conceitos 6 ou 7 – considerados de excelência em nível internacional – na Avaliação Trienal dos Programas de Pós-Graduação.
 
“Temos a USP [Universidade de São Paulo] na frente, com 89 cursos [com conceitos 6 e 7], seguida pelo grupo formado pela UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], Unicamp [Universidade Estadual de Campinas] e UFRGS [Universidade Federal do Rio Grande do Sul], que tem em torno de 30. Todas essas têm uma proporção de 40% dos cursos com conceito 6 e 7. Depois despenca. Se considerarmos apenas o conceito 7, a situação é ainda mais dramática”, afirmou.
 
Ao comentar os desafios que terão de ser enfrentados pelas instituições no caminho para desenvolver pesquisa de classe mundial, Guimarães destacou a necessidade de maior autonomia e sistemas eficientes de governança, internacionalização das operações de ensino e pesquisa (o que inclui aumentar o número de colaborações internacionais efetivas, maior mobilidade de alunos e pesquisadores, aumentar o número de cursos regulares oferecidos em outras línguas, atrair estudantes e pesquisadores estrangeiros e aumentar o número de publicações com parceiros internacionais), redução no número de horas que o estudante passa em sala de aula, investimentos em residências estudantis dentro do campus.
 
“Os alunos do Ciência Sem Fronteiras estão nos mostrando a necessidade de não passar mais do que 14 horas em sala de aula por semana, desenvolver muitos trabalhos experimentais, ter tempo para estudar sozinho e convivência com colegas do mundo inteiro nas moradias do campus”, afirmou o presidente da Capes.
 
Ao falar sobre os desafios para alcançar a excelência em pesquisa, o diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, comentou que, embora a produção científica brasileira tenha crescido significativamente nos últimos anos, o impacto dos artigos publicados continua abaixo da média mundial – atrás de países como Argentina, Espanha, China e Coreia do Sul. “O que estamos fazendo de errado? Em algum momento o sistema parece ter entrado em um desvio buscando multiplicar a quantidade e não a qualidade”, avaliou Brito Cruz.
 
Segundo Brito Cruz, a exceção é a área de Física, na qual os artigos com participação de autores brasileiros apresentam impacto cerca de 60% maior que a média mundial. “A área de Física se beneficiou de colaborações internacionais em tópicos de interesse mundial, como o projeto do Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), o Projeto Pierre Auger e outros da área de partículas elementares", avaliou.
 
Para mudar a tendência de queda observada nas curvas de impacto da ciência brasileira, Brito Cruz aponta quatro estratégias. A primeira é proteger o tempo do pesquisador contra atividades burocráticas, como gerência dos projetos de pesquisa, o que as universidades deveriam garantir oferecendo escritórios de apoio análogos aos Grants Management Offices de universidades estrangeiras.
 
Brito Cruz também ressalta a necessidade de desenvolver mais cooperações internacionais, aumentar a visibilidade e o impacto das revistas científicas brasileiras e estimular a qualidade e o mérito nos processos de seleção de financiamentos e de promoção de professores. “Isso significa, por exemplo, valorizar mais as citações que o artigo recebeu do que o fator de impacto da revista em que ele foi publicado na hora de analisar a produção científica de um pesquisador”, afirmou.
 
Renato Pedrosa, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), defendeu a necessidade de autonomia para que as instituições definam internamente a forma de contratação e promoção de docentes, bem como a estruturação da carreira acadêmica. Para Pedrosa, as instituições não devem ficar presas ao modelo de estatuto do funcionalismo público e deveriam poder desvencilhar, quando necessário, as atividades de ensino e de pesquisa, criando diferentes modelos de carreira acadêmica de acordo com a vocação de cada instituição.
 
“É possível ter um sistema grande no qual as universidades tenham missões diferentes e ainda continuem a ser universidades. Nós temos um modelo único e a avaliação do MEC [Ministério da Educação] é que todo mundo tem de virar algum dia a USP ou a UFMG ou a UFRJ. Mas não é possível fazer isso com todas as universidades brasileiras. Em nenhum lugar do mundo isso acontece”, afirmou Pedrosa. (Karina Toledo)
 
Colaboração internacional deve ir além da pesquisa
A colaboração internacional pode ser o melhor caminho para uma universidade atingir o status de “classe mundial” e conquistar benefícios como governança, recursos, projeção, mobilidade e sustentabilidade. A avaliação foi feita por Colin Grant, pró-reitor de Internacionalização da University of Bath, no Reino Unido, no segundo dia do simpósio Excellence in Higher Education.
 
Para Grant, a colaboração internacional vai além da simples parceria em pesquisa. Precisa abranger até mesmo o nível de governança institucional. Leia a seguir a entrevista concedida por Grant à Agência Fapesp:
 
Karina Toledo – O senhor afirmou, durante sua apresentação, que o conceito de “world class universities” é questionável. Poderia ser entendido como universidades de elite ou como universidades de pesquisa. Como o senhor definiria uma universidade de classe mundial? 
Colin Grant – Como qualquer conceito, no momento em que você nomeia, torna-se algo fixo e limitado, quando a realidade é muito mais complexa. É um conceito antigo. Hoje, comparadas à super elite das universidades – Harvard, Stanford, Cambridge, UCL [University College London] –, as world class universities poderiam ser consideradas quase como de segunda categoria. No entanto, entendo o desejo brasileiro de ter instituições de classe mundial e penso que já existem algumas no país. O que defendo é que há outros modelos para se alcançar o status de world class que não dependem de uma instituição atuando de forma isolada. Isso pode ser feito por meio de uma parceria mais ampla, multilateral, fazendo parte de uma coalizão de universidades excelentes. Dessa forma, é possível obter governança, recursos, projeção, mobilidade e sustentabilidade. É uma abordagem diferente, que apresento com base em nossa experiência na University of Bath. É uma instituição com menos de 50 anos e já está entre as dez melhores do Reino Unido. Isso é fantástico. Claro que internacionalmente é muito mais difícil para uma jovem universidade ter uma grande projeção. Reconhecemos que a colaboração internacional é o único jeito de conseguir impacto maciço com benefícios multiplicados. Por essa razão, nossa estratégia é forjar parcerias muito fortes em todos os níveis, inclusive de governança, com nossos parceiros no mundo inteiro, como África do Sul, China, Coreia, Brasil [a Fapesp assinou acordo de cooperação com a University of Bath em 2013], Colômbia e México.
 
Karina – Parece-me que seu conceito de colaboração internacional vai além de simplesmente realizar projetos conjuntos de pesquisa, certo? O que seria uma colaboração em nível de governança? 
Grant – Se, por exemplo, três universidades decidirem criar juntas um doutorado multisite, caso em que os alunos passariam um ano em cada uma das instituições, isso exigiria mudanças no regimento das três universidades. Trata-se de um desafio institucional e de um enorme ganho para o aluno que entra no programa, pois ele terá no currículo experiências internacionais, três títulos diferentes e uma experiência intercultural muito enriquecedora. Esse aluno seria um cidadão apto para a globalização de hoje. Quando falo em multilateralismo, não me refiro simplesmente à pesquisa conjunta. Falo de criar programas, investir recursos, criar núcleos de pesquisa multilaterais. Em Bath, por exemplo, estamos montando uma rede na área de ciência das águas, que envolve a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], a USP [Universidade de São Paulo], a Stellenbosch University [na África do Sul] e outras. Acredito que a competitividade mundial leve a um certo individualismo e à crença de que a instituição tenha de se transformar sozinha em uma universidade de excelência. Mas no mundo competitivo do ensino superior de hoje a mobilização de uma rede de colaboração maior oferece um outro caminho com maiores benefícios e enriquecimentos múltiplos para todos os parceiros. Se essa rede que estamos desenvolvendo der certo, teremos mobilidade na graduação, estágios em indústria no mundo inteiro, mobilidade e portabilidade de crédito em programas de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em diferentes países. É uma visão ampla. Outra parte importante do desafio é não ter medo de estender a mão para outros setores do sistema de inovação, como empresas, indústrias, comércio, ONGs e agências de fomento.
 
Karina – O senhor afirmou que a dicotomia entre ensino e pesquisa deve ser quebrada. Na sua avaliação todas a universidades devem se dedicar às duas atividades? 
Grant – Não vejo justificativa para uma universidade – que é diferente de um instituto de pesquisa – ausentar-se do fomento de talento futuro, seja doutorandos, mestrandos ou alunos de graduação. Já convivi com professores titulares que nem sequer orientavam doutorandos, pois diziam que eles atrapalhavam a pesquisa. Essa visão me é muito estranha. A universidade tem esse papel múltiplo e basicamente é de desafiar o conhecimento atual. Pesquisa é fundamental, mas também o ensino. Gosto de ver alunos de 18 anos sendo inspirados por eminências do campus. Nada é mais enriquecedor do que essa experiência. Por outro lado, penso que todas as universidades do país devem se dedicar à pesquisa, mesmo aquelas nos últimos lugares do ranking. (K.T.)
 
Universidades brasileiras criam fundos de doações
O fundo de doações da Universidade Harvard, dos Estados Unidos, ultrapassou recentemente os US$ 31 bilhões. No Brasil, ao menos oito instituições de ensino superior e pesquisa estão em processo de criação desse tipo de fundo patrimonial, baseado em doações de pessoas físicas e jurídicas, com o objetivo de diminuir a dependência de fontes únicas de recursos para manter o financiamento de suas atividades de ensino e pesquisa.
 
A fim de multiplicar essas experiências no Brasil, no entanto, será preciso mudar a falta de cultura de investimentos social privado e de filantropia educacional e criar leis que possibilitem a aplicação em fundos de endowment das universidades brasileiras com vantagens tributárias.
 
A avaliação foi feita por Rui Albuquerque, assessor do reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), na palestra que proferiu no Simpósio Excellence in Higher Education, na Fapesp.
 
“Quanto mais propostas de fundos de endowment tivermos no Brasil e quanto mais claro ficar a importância desse tipo de financiamento privado para pesquisa, maior será o número de exemplos que possibilitarão mudar a falta de cultura de investimentos sociais privados no país”, disse Albuquerque.
 
“Se conseguirmos viabilizar uma nova regulamentação para questões fiscais de aplicação em fundos de endowment também será possível dar um salto que certamente permitirá o surgimento de muitas oportunidades de criação de fundos”, avaliou Albuquerque.
 
Segundo Albuquerque, o ITA, a Escola Politécnica (Poli) e a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), além da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ,), do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, do Instituto Mauá de Tecnologia e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, estão em processo de criação de fundos de doações.
 
O número de universidades e instituições de pesquisa no Brasil que estão iniciando nessa seara ainda é baixo em comparação aos Estados Unidos, por exemplo.
 
“Não estamos acostumados, no Brasil, com a ideia de doações de interesse público que não têm um retorno social e financeiro imediato”, avaliou. Além disso, de acordo com o pesquisador, há no país um sistema legal e fiscal restritivo, que não concede vantagens tributárias, como deduções e isenções de impostos, para doações feitas aos fundos já existentes, como o da Poli.
 
O fundo de endowment da instituição, que começou a ser criado em 2011 e tem a meta de angariar R$ 25 milhões em doações, paga hoje em dia aproximadamente dez tipos diferentes de impostos, como uma empresa convencional. E qualquer doação feita ao fundo da instituição é tributada em 4%, independentemente de a aplicação não ter fins lucrativos, disse Albuquerque. “É preciso reorganizar as leis, de modo a permitir a aplicação em fundos de endowment com vantagens tributárias para os doadores e garantir a sobrevivência desses fundos”, disse Albuquerque.
 
Proposta de lei
De acordo com Albuquerque, uma boa notícia é que há uma proposta de lei – número 4643, de 2012 – em análise na Comissão de Educação no Congresso Nacional que propõe a criação de um fundo patrimonial em cada instituição federal de ensino superior no país.
 
O projeto de lei, de autoria da deputada federal Bruna Furlan (PSDB-SP), também permite a realização de doações isentas de impostos para esses fundos patrimoniais das instituições e a dedução de imposto de renda do doador, pessoa física ou jurídica, até o limite de 12% do imposto devido.
 
“Esse projeto de lei foi aprovado em dezembro e recebeu parecer favorável do relator da Comissão de Educação [o deputado federal Leopoldo Meyer (PSB-PR)]”, disse Albuquerque. “Por ser uma lei federal, provavelmente, ela terá reflexos nas legislações estaduais e municipais.” (Elton Alisson)

 

Financiamento do ensino superior enfrenta desafios, avalia pesquisador
O financiamento do sistema de ensino superior no Estado de São Paulo enfrenta três grandes desafios, de acordo com Carlos Antonio Luque, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP).

O primeiro é a disputa por recursos com outros setores também prioritários para o Estado, como saúde, transporte e segurança pública. O segundo, situado dentro do próprio setor educacional, está relacionado à competição por recursos com o ensino básico.
 
O terceiro desafio está no próprio cerne do sistema de ensino superior paulista e se refere à pressão pela expansão do número de vagas nas universidades públicas paulistas, afirmou Luque em palestra proferida no simpósio Excellence in Higher Education. “Esses três desafios tornam bastante complexa a definição orçamentária e o financiamento do sistema de educação superior de São Paulo e de outros estados brasileiros”, disse Luque.
De acordo com o pesquisador, que foi secretário adjunto da Secretaria de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo de 1995 a 2005, apesar do reconhecimento da importância do investimento público em educação, o setor compete diretamente e, muitas vezes, leva desvantagem na disputa por recursos com outros setores na definição de orçamento de Estados e municípios do país.
 
“Há setores, como o de segurança pública, cujos gastos são normalmente corretivos (ou seja, não resolvem as causas primárias dos problemas) que acabam ganhando um caráter emergencial e são priorizados na definição de orçamentos públicos no Brasil e, eventualmente, em outros países”, afirmou o pesquisador, que é diretor-presidente da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
 
A fim de preservar e assegurar recursos para a educação nas definições orçamentárias, a Constituição Brasileira de 1988 estabeleceu que o governo federal deve aplicar 25% de sua receita líquida de impostos no setor como um todo – incluindo ensino básico e superior –, disse Luque.
 
O exemplo foi seguido na esfera estadual em São Paulo, que também estabeleceu em um dos artigos de sua Constituição que o governo paulista deve aplicar, no mínimo, 30% de sua receita líquida de impostos na área educacional.
 
Outros setores também pleitearam e obtiveram vinculação orçamentária. O setor da saúde, por exemplo, conseguiu assegurar 12% da receita líquida de impostos para financiar suas ações, exemplificou Luque.
 
“De cada R$ 1 arrecadado pelo governo do Estado de São Paulo hoje na forma de ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], aproximadamente R$ 0,60 [60%] já está destinado a essas vinculações orçamentárias”, detalhou Luque. “O que resta de liberdade orçamentária ao Estado são R$ 0,40 de cada R$ 1 arrecadado.”
 
Dessa forma, se por um lado a vinculação orçamentária protegeu o investimento público em educação, por outro limitou o financiamento no setor, que tem de disputar recursos com outros que não possuem vinculação orçamentária, avaliou Luque.
 
“O que acontece é que o patamar mínimo de 30% de investimento da receita líquida de imposto arrecadado pela Estado para a educação acaba tornando-se o limite máximo”, explicou. “Para sair do patamar de 30% e caminhar para 30,1% ou 30,2%, por exemplo, é muito difícil.”
 
Outro problema gerado pela vinculação orçamentária que começou a ser discutido pelos gestores dos recursos públicos nos últimos anos, de acordo com Luque, é que há uma percepção de que ela cristaliza prioridades. Para atingir o mínimo de 30% de aplicação da receita líquida de impostos arrecadados pelo governo estadual em educação e 12% na área da saúde, por exemplo, não raro são apoiados projetos que, juntos, atingem esse patamar de financiamento, mas não são prioritários, apontou o pesquisador.
 
A fim de tentar corrigir essas distorções nas definições orçamentárias, nos últimos anos começou-se a discutir nos âmbitos federal e estadual a desvinculação orçamentária.
 
“Há uma discussão de que é necessário fazer a desvinculação de recursos”, disse Luque. “O governo federal há alguns anos tomou essa medida em relação ao uso dos recursos da União para ter maior liberdade de execução orçamentária.”
 
Concorrência com a educação básica
O sistema público de ensino superior também disputa recursos dentro do próprio setor educacional com o ensino básico, disse Luque. Em 1996, começou-se a discutir no Brasil a necessidade de proteger os investimentos públicos no ensino fundamental. Para atingir esse objetivo, foi criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef).
 
A medida estabeleceu que, do total de 30% da receita líquida de impostos que os Estados devem aplicar na área educacional, 15% devem ser destinados à educação básica.
 
Em 2006, com a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), esse patamar foi elevado para 20%. Com isso, 10% ou menos do total da arrecadação tributária estadual são aplicados no ensino superior, destacou Luque.
 
“No caso de São Paulo, há uma lei ordinária, enviada anualmente para aprovação na Assembleia Legislativa, que faz a vinculação dos recursos das universidades e estabelece que o Estado deverá repassar, no mínimo, o equivalente a 9,57% de sua receita do ICMS para as instituições públicas de ensino superior paulistas”, disse.
 
“Ao somar os 20% dos recursos públicos que devem ser destinados para a educação básica com os 9,57% que precisam ser alocados na educação superior, o patamar de 30% de investimento público total em educação já se esgotou”, disse Luque.
 
A demanda pelo aumento do número de vagas no sistema de ensino público superior paulista pode causar o acirramento da disputa por recursos do setor com o ensino básico e fazer com que haja uma pressão para elevar o patamar de investimentos do Estado em educação, avaliou o pesquisador.
 
“Dependendo de como evoluir a economia do Estado de São Paulo e, consequentemente, a arrecadação do ICMS, a disputa por recursos entre o ensino superior e a educação básica pode gerar uma discussão de que o atual patamar de 30% de investimentos no setor é insuficiente”, disse.
 
“A questão será se o Estado aumentará seus investimentos no setor acima desse limite de 30% ou internalizará uma pressão entre educação básica e ensino superior”, apontou Luque.
 
Se a economia do Estado crescer e, por conseguinte, aumentar a arrecadação de ICMS do Estado, essa disputa por recursos entre educação básica e o ensino superior tende a ser amenizada, segundo Luque. Caso contrário, deve tornar-se mais acirrada. (E.A.)
 
 
Especialistas defendem currículo mais flexível nas universidades
As Universidades de Harvard e de Stanford, nos Estados Unidos, iniciaram nos últimos anos a reforma curricular de seus programas de graduação com o intuito de flexibilizar os currículos dos cursos e propiciar aos estudantes uma formação mais sólida e diversificada, entre outros objetivos.
 
Já no Brasil esse processo enfrenta alguns obstáculos, como o conservadorismo das instituições e a resistência dos docentes em mudar a forma tradicional de suas aulas, apontaram especialistas participantes do simpósio Excellence in Higher Education.
 
“Há um grande conservadorismo das universidades brasileiras em promover a reforma do currículo de seus cursos de graduação que faz com que as instituições novas, com programas de graduação recém-criados, tenham mais sucesso do que as instituições mais antigas nesse aspecto”, disse Luiz Davidovich, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) e diretor da ABC.
 
“Em outros países, contudo, são as instituições tradicionais que têm liderado as mudanças”, afirmou Davidovich, na palestra que proferiu durante o evento.
 
De acordo com Davidovich, a última reforma curricular da Universidade de Harvard foi iniciada no começo dos anos 2000 e liderada por Lawrence Summers, reitor da instituição entre 2000 e 2006.
 
As mudanças no currículo dos cursos de graduação da universidade norte-americana fizeram com que estudantes da área de Ciências Humanas passassem a ser incentivados a visitar um laboratório de Biologia, por exemplo, para conhecer o que ocorre em outras áreas, contou Davidovich.
 
Além disso, passou-se a exigir que os estudantes da instituição tenham de frequentar, pelo menos, um curso como “Cultura e credo” e “Estética e interpretação”, entre outros.
 
O exemplo de Harvard foi seguido por outras instituições norte-americanas, como a Universidade de Stanford, que criou uma comissão, composta por professores de diferentes departamentos, para estudar um novo currículo para a instituição.
 
Outros países, como a China, também trilharam o mesmo caminho, promovendo mudanças nos currículos dos cursos de graduação das universidades do país, para torná-los mais flexíveis e adiar a especialização dos estudantes.
 
Em 1998, o número de especializações oferecidas no país oriental foi reduzido de 504 para 249 e os estudantes que ingressam em universidades como a de Xangai, por exemplo, podem selecionar em que área vão se especializar após um ou dois anos de estudo, contou Davidovich.
 
“As propostas do documento Subsídios para a reforma da educação superior, que a ABC lançou há mais de dez anos, seguem essa mesma linha de pensamento”, disse Davidovich.
 
De acordo com o professor, algumas das propostas do documento são a introdução de ciclos de dois a três anos para cursos de graduação, com a possibilidade de transferência entre diferentes tipos de instituições, e a redução do número de horas em sala de aula e de disciplinas obrigatórias, para estimular o trabalho fora da sala de aula e dar mais tempo aos professores para lidar com alunos excepcionais ou com problemas de aprendizagem.
 
O documento também propõe o atraso da decisão de especialização dos estudantes e a maior flexibilidade no currículo, em vez de introduzir novos cursos de graduação.
 
“A introdução de novos cursos de graduação é uma praga no Brasil”, afirmou Davidovich. “Se surge uma área importante do conhecimento, como nanotecnologia, logo se cria um novo curso de graduação com esse foco no país”, exemplificou.
 
O currículo dos cursos de graduação oferecidos pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, por exemplo, é composto por um conjunto de disciplinas básicas e uma série de outras eletivas, apontou Davidovich.
 
“Nanotecnologia é uma disciplina do curso de graduação em Física do MIT, assim como Filosofia e História da Ciência”, disse o especialista. “Esse eixo fundamental enxuto do cursos permite acrescentar essas disciplinas eletivas e diversificar a formação dos alunos”, apontou.
 
Experiências no Brasil
No Brasil, uma das instituições que apostaram nesse tipo de currículo diferenciado foi a Universidade Federal do ABC (UFABC). O currículo do curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia oferecido pela universidade fundada em 2005 é composto por um ciclo básico de disciplinas fundamentais.
 
Após concluir o número requerido de créditos, o aluno obtém o diploma de Bacharel em Ciência e Tecnologia, habilitando-se a prosseguir os estudos de graduação em Engenharia, Ciências da Natureza, Matemática ou Ciência da Computação.
 
Também há a possibilidade de o aluno fazer o mestrado na própria universidade ou de se transferir para cursos de formação superior em outras instituições nacionais e internacionais.
 
“A ideia não foi mudar o currículo essencial, mas reorganizá-lo em linhas temáticas mais adequadas ao mundo que a gente vive, tais como ‘Estrutura da matéria’, ‘Energia’, ‘Processos e transformações’, ‘Comunicação e informação’ e ‘Modelagem matemática’", contou durante o evento na FAPESP Luiz Bevilacqua, reitor da UFABC no período de 2007 a 2008, que participou do desenvolvimento do projeto pedagógico da universidade.
 
“Os currículos dos cursos de graduação oferecidos pelas universidades brasileiras precisam ser flexibilizados porque o estudante não sabe exatamente o que quer quando entra na universidade e um currículo mais flexível permite que eles sejam livres para fazer suas próprias escolhas”, avaliou Bevilacqua, durante sua palestra proferida no evento.
 
A estrutura curricular dos cursos de Engenharia da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP) também foi flexibilizada nos últimos anos, contou José Roberto Cardoso, diretor da instituição.
 
Atualmente, os ingressantes nos cursos de Engenharia da instituição têm a possibilidade de realizar até 15% do curso onde desejarem. Além disso, a instituição tem discutido a possibilidade de diminuir a carga horária de 28 horas por semana de hora-aula que os estudantes enfrentam atualmente.
 
“Com essa carga horária semanal de aulas, que vem de longa data, o aluno não consegue ter tempo para praticar um esporte ou aprender um novo idioma, por exemplo”, disse Cardoso durante sua palestra proferida no evento.
 
“Estamos em processo de redução dessa carga horária para uma quantidade de horas razoável e também torná-la mais flexível”, afirmou. (E.A.)
 
 
Políticas de inclusão atreladas apenas ao vestibular são insuficientes, aponta pesquisador
Apesar de importantes, as políticas de inclusão social ou de ação afirmativa no ensino superior atreladas somente ao vestibular – ou a processos seletivos como o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) – são insuficientes para solucionar o problema da exclusão de jovens oriundos de escola pública.
 
Isso porque a exclusão nas universidades estaduais e federais ocorre antes mesmo do processo de seleção dos candidatos para os cursos de graduação. A avaliação foi feita por Marcelo Knobel, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante o simpósio Excellence in Higher Education.
 
“O próprio funil do vestibular ou do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] já é excludente”, disse Knobel na palestra que proferiu no evento. “Menos de 5% dos estudantes que prestam o vestibular da Unicamp são aprovados.”
 
De acordo com Knobel, dos quase 500 mil jovens que concluem o ensino médio anualmente no Estado de São Paulo, aproximadamente 85% estudaram em escolas públicas e 15% em instituições privadas.
 
Já do total de estudantes que prestam vestibular para as principais universidades públicas do país a situação se inverte: na Unicamp, por exemplo, aproximadamente 70% são egressos de escolas privadas e 30% de instituições públicas.
 
“Essa inversão ocorre porque a grande massa de estudantes que concluem o ensino médio em escolas públicas não considera o ingresso em universidades públicas, pois sabe que tem pouca ou nenhuma chance de entrar nessas instituições”, afirmou Knobel, que integra a Coordenação Adjunta de Colaborações em Pesquisa da Fapesp.
 
A relação desigual se mantém mesmo com o aumento geral na procura por vagas. Na Unicamp, por exemplo, o número de interessados nos cursos de graduação cresceu quase 40% nos últimos cinco anos, segundo Knobel.
 
O número de inscritos no vestibular da universidade campineira saltou de 49 mil, em 2009, para 74 mil, este ano. O total de vagas, no entanto, manteve-se o mesmo: 3,3 mil vagas, para 69 cursos. “O dilema do acesso às universidades públicas é consequência do número ainda limitado de vagas que elas têm a oferecer, o que torna os processos de seleção intrinsecamente excludentes”, avaliou Knobel.
 
Ações afirmativas
De acordo com Knobel, graças a iniciativas de inclusão implementadas pela Unicamp nos últimos anos, como o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS) – criado em 2004 e que confere pontuação adicional no vestibular a candidatos oriundos de escolas públicas e que se declaram de minorias raciais –, foi possível manter em cerca de 30% o total de estudantes advindos do ensino público na instituição nos últimos anos.
 
O problema, no entanto, é que esse patamar se mantinha estático e ainda era alto o número de estudantes que não participavam do programa por iniciativa própria, disse o professor.
 
“Um estudo realizado entre 2008 e 2009 constatou que cerca de 60% das escolas públicas da cidade de Campinas nunca haviam colocado um aluno na Unicamp”, revelou.
 
Com base nesses dados, em 2011 a universidade campineira criou o Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS). Voltado exclusivamente a alunos egressos do ensino médio público, o programa piloto seleciona os melhores estudantes de escolas públicas da cidade de Campinas com base na nota que obtiveram no Enem.
 
A fim de assegurar uma distribuição equânime das vagas do programa entre as escolas públicas do município, é escolhido, no mínimo, um representante de cada uma das 96 instituições da rede pública de ensino médio de Campinas para participar do programa.
 
As vagas restantes são preenchidas seguindo a ordem de classificação no Enem e respeitando o limite máximo de dois alunos por escola.
 
“Apenas com base no critério de seleção pela nota obtida no Enem, provavelmente teríamos muitos alunos de uma determinada escola participando do programa e nenhum de outras instituições”, disse.
 
“Por isso utilizamos um critério que pode ser chamado de ‘cota geográfica’, por meio do qual selecionamos um representante de cada escola pública de Campinas”, detalhou Knobel, um dos idealizadores do programa.
 
Os estudantes selecionados cursam, durante dois anos, uma espécie de Liberal Arts College, comum em países como Estados Unidos, Cingapura e Hong Kong, em que os alunos estudam diversas disciplinas, de diferentes áreas, e desenvolvem projetos de iniciação científica.
 
Ao concluir esse programa de formação superior, os estudantes recebem um certificado de curso sequencial e podem optar por um curso de graduação na Unicamp sem a necessidade de prestar vestibular.
 
A escolha da graduação é feita de acordo com o mérito, considerando as notas obtidas nas disciplinas obrigatórias do programa.
 
O estudante que obtém o primeiro lugar tem a opção de escolher o curso que quiser e os demais podem escolher as vagas remanescentes, de acordo com a respectiva ordem de classificação.
 
“Praticamente todos os cursos da Unicamp ofereceram vagas para esses estudantes egressos do programa, sem a necessidade de prestar vestibular”, contou Knobel.
 
“A Medicina, por exemplo, ofereceu inicialmente duas vagas adicionais para egressos do ProFIS. Eles gostaram tanto do programa que logo decidiram aumentar para cinco o número de vagas”, disse o professor.
 
Desafios do programa
Segundo ele, atualmente há aproximadamente mil estudantes de escolas públicas de Campinas que se candidatam a uma das 120 vagas oferecidas anualmente pelo ProFIS.
 
Um dos principais desafios enfrentados pelo programa, que está em sua quarta turma, é que se trata de uma iniciativa nova e ainda pouco conhecida e compreendida pelos próprios estudantes, por suas famílias e empregadores.
 
Além disso, o ProFIS aumenta em dois anos a formação do estudante e compete com outras iniciativas, como o Programa Universidade para Todos (Prouni), do Governo Federal, apontou Knobel.
 
“Como são excelentes estudantes, eles têm vaga em universidades privadas, com bolsas do governo”, afirmou. “A fim de garantirmos o sucesso do programa, a Universidade dá uma bolsa para quase todos os alunos participantes, além de auxílio para o transporte e alimentação.”
 
Já dentro da universidade alguns desafios são lidar com estudantes com uma formação muito diferente do que os professores estavam acostumados.
 
Em geral, os alunos chegam com um nível muito ruim de conhecimento de matemática e de habilidade de escrita e interpretação de texto, disse Knobel.
 
“Os professores têm de ter um outro tipo de abordagem com esses alunos”, indicou. “Em contrapartida, há professores que não entendem direito a ideia de um curso com caráter multidisciplinar”, ponderou.
 
As desistências são menores do que a média da Unicamp e os resultados em termos de ação afirmativa do programa em comparação com estudantes que ingressaram na universidade por meio do vestibular também são muito animadores, afirmou Knobel.
 
As análises dos dados da primeira turma que concluiu o programa demonstram que enquanto a proporção de alunos autodeclarados negros, pardos e indígenas que ingressaram na Unicamp por intermédio do vestibular é de 24%, no caso do ProFIS esse percentual chega a 40,8% e corresponde, exatamente, à distribuição dessa população na cidade de Campinas, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), comparou o professor.
 
“Diminuímos o percentual de estudantes brancos, que no vestibular normal da Unicamp é da ordem de 76%, simplesmente pelo critério de distribuição geográfica das vagas do ProFIS”, afirmou Knobel.
 
Ainda de acordo com dados da primeira turma que concluiu o programa, quase 90% dos alunos participantes do programa não tinham pai ou mãe com ensino superior – enquanto 50% dos pais dos estudantes que entram na Unicamp por meio do vestibular cursaram ensino superior – e 80% deles tinham renda per capita média inferior a um salário mínimo.
 
“É um perfil de estudante muito pobre e que dificilmente entraria na Unicamp pela via do vestibular”, disse Knobel. Na avaliação dele, o modelo do programa pode ser interessante para ser replicado em outras universidades públicas brasileiras, com adaptações.
 
“Para a Unicamp, o ProFIS é um programa pequeno e os custos são mínimos, porque os professores são voluntários e se encantaram com a ideia”, afirmou Knobel. “Se a USP, a Unesp e as universidades federais fizessem o mesmo poderíamos ter um movimento razoável.” (E.A.)