20/03/2014

Higher Education Access and Inclusion

Encontro internacional debate urgência, dificuldades e inovações institucionais para inclusão social e permanência no ensino superior

Conferência Higher Education Access and Inclusion, realizada na Faculdade de Educação da Unicamp, trouxe pesquisadores da Rússia, Índia, Alemanha, Egito, Chile, Colômbia, México e EUA. Estrangeiros e especialistas de quatro universidades brasileiras compartilharam seus estudos durante 2 dias.

Por Ricardo Whiteman Muniz, editor da revista Ensino Superior
A inclusão no ensino superior tem diferentes significados em diferentes contextos, e, considerada sem as devidas problematizações, pode ignorar uma série de desafios tão difíceis quanto a inclusão em si: as disparidades de acesso a cursos mais prestigiados dentro da Universidade; a necessidade de apoio para assegurar a permanência do estudante incluído; a ilusão que pode representar a entrada em um ensino terciário que, no Brasil, ainda seria em grande medida meramente "credencialista"; a ascensão de um "capitalismo acadêmico" que mina as bases da missão universitária.
 
Pesquisas apresentadas nesta semana serão editadas em livro a ser lançado no início de 2015 Estes foram apenas alguns dos tópicos tratados em dois dias da conferência internacional Higher Education Access and Inclusion, realizada entre 17 e 18 de março na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. O debate, que reuniu estudiosos de nove países e pesquisadores da Unicamp, USP, UFRGS e UFRJ, foi promovido com o apoio, entre outros, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); Universidade da Califórnia (Institute for Immigration, Globalization, and Education - Graduate School of Education and Information Studies); Observatório da Educação (Obeduc/Capes); FE, Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) e Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. (Para uma lista completa das entidades organizadoras e patrocinadoras, clique aqui).
 
No encontro, quatro estudantes do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS) falaram sobre sua experiência no curso de formação geral implantado na Unicamp, e do preconceito inicial que sofreram por parte de estudantes e até de professores (clique aqui para ouvir um trecho). Leia nesta primeira reportagem alguns destaques da conferência:
 
Delimitar o problema
Andrey Rezaev, sociólogo da Universidade de São Petersburgo (Rússia), foi um dos painelistas que demonstraram como o tema da inclusão abarca realidades distintas. No caso russo, o desafio é a absorção real de cerca de 12 milhões de imigrantes por ano, um contingente só inferior ao recebido pelos EUA, absorção com tolerância efetiva (o que não é o caso atualmente, ressaltou). "Creio que a migração transnacional é uma das questões mais candentes da lista de problemas com que todos os países da antiga União Soviética têm de lidar. Os princípios liberais e democráticos que têm sido ao menos proclamados na Rússia contemporânea geraram uma lógica de inclusão e igualdade de oportunidades vis-à-vis diferentes tipos de imigrantes. Mas vários estudos têm enfatizado as contradições entre inclusão formal e práticas de exclusão no dia-a-dia que afetam os 'Outros'. Como regra, é o caso das minorias 'visíveis', mais frequentemente minorias não eslavas."
 
Martha Zapata, da Freie Universistat de Berlim (Alemanha), também tocou neste ponto: "É difícil implementar políticas de inclusão social que objetivem igualdade e equidade de participação porque não há um padrão internacional para medi-las. Cada país tem seu próprio modo de captar a questão. Nos EUA, a unidade de medida para igualdade de participação é normalmente raça – embora a renda familiar também seja utilizada. No Reino Unido, medidas de 'classe' predominam. Em boa parte da Europa, há preocupação sobre as taxas de participação de imigrantes recém-chegados, mas são bastante limitados os dados oficiais ou de pesquisas acadêmicas que possam medir essas taxas de participação."
 
(A tabela abaixo dá uma ideia da diversidade de abordagens europeias:)
 
 
A situação nos EUA
O economista da educação Sean Corcoran, da New York University, tratou das limitações das atuais políticas norte-americanas de responsabilização das escolas pelos resultados dos alunos e de forte ampliação das informações disponíveis online para que "consumidores de educação" façam boas escolhas. Quando se trata da abordagem atual dos EUA quanto a equidade e inclusão, o fato é que os formuladores de políticas públicas americanos se afastaram de ações diretas de inclusão. Ao invés disso, a ênfase recaiu sobre "igualdade de oportunidade". Mas, apesar dos avanços, "nos EUA ainda há substancial desigualdade no acesso à educação e nos resultados obtidos pelos estudantes", apontou Corcoran, o que inclui consideráveis lacunas (gaps) quando se comparam as conquistas educacionais de diferentes grupos étnicos/raciais e a sub-representação de grupos desfavorecidos no ensino superior. "Nas abordagens recentes, tem ocorrido uma falta de vontade política de enfrentar fatores sociais e econômicos subjacentes à desigualdade de resultados educacionais. A atenção foi direcionada à qualidade da escola, tomando como base pesquisas que revelam uma variação substancial de qualidade entre as escolas americanas."
 
Na prática, essas abordagens se manifestam em três frentes: lançar luz sobre resultados e gaps, com a produção de muito mais dados sobre desempenho estudantil, o que tem sido muito positivo para a pesquisa nessa área. É o que buscam programas como o No Child Left Behind (NCLB, administração Bush) e o Postsecondary Institution Rating System (PIRS, gestão Obama). A segunda frente é responsabilizar escolas pelo desempenho dos alunos. O NCLB, por exemplo, prevê reestruturação ou fechamento de escolas cujos estudantes apresentem resultados ruins. O PIRS pretende vincular a concessão de financiamento estudantil aos indicadores de acesso e sucesso das faculdades americanas. O terceiro front consiste em assegurar um leque maior de escolhas, promover inovação, expandir o número de escolas de alta qualidade e criar consumidores de educação mais informados sobre a qualidade das instituições de ensino. "Mas há evidências de que informação, responsabilização e escolha vão reduzir os gaps e promover acesso?", pergunta-se Corcoran. "Podemos responder que essa abordagem tem suas limitações, porque a capacidade das famílias de navegar e fazer uso produtivo do monte de informação online pode variar, porque medir a qualidade de uma instituição de ensino é muito difícil, pois a qualidade é multidimensional e sua quantificação não é trivial, e porque há uma diferença importante entre resultado e 'valor adicionado'." Após 15 a 20 anos, conclui Corcoran, há uma fraca evidência de que as práticas escolares e os alunos tenham respondido às medidas de responsabilização e de incentivo ao desempenho.
 
Carol Camp Yeakey (Washington University, St. Louis) ressaltou em sua apresentação ("Corporate Philanthropy and American Higher Education: Qui Bono?") a ascensão do que denomina como "capitalismo acadêmico". "À medida que o ensino superior passou de sua base tradicional de simplesmente educar a elite, tornou-se uma parte normal da experiência educacional de populações estudantis maiores e mais diversificadas. A mudança levou os legisladores americanos a exigir da academia o serviço mais eficaz ao custo mais acessível. A linguagem usada para definir 'effective and affordable' deriva de um modelo de negócios direcionado à geração de valor, onde o valor está diretamente ligado ao ganho monetário de curto prazo. Isso redefine o entendimento tradicional do valor da educação superior, que era diretamente vinculado ao bem-estar a longo prazo de comunidades formadas por cidadãos informados que participam ativamente do processo democrático", disse a pesquisadora. "A privatização ou o impacto crescente da 'corporatization' na educação superior americana é tal que aumenta a pressão sobre as instituições públicas de ensino superior tradicionais para operar de forma mais eficiente, para perseguir de forma mais agressiva objetivos estabelecidos por interesses externos e para o mercado. Embora tais esforços possam ajudar uma instituição financeiramente, também podem enfraquecer a cultura acadêmica colegial, vinculada ao conhecimento. Práticas como a terceirização e a reestruturação da força de trabalho universitária representam tentativas de mercado de controle da folha de pagamento, diversificação e estabilização de receitas e de transferência de custos para os 'consumidores'."
 
A situação na Índia e no Egito
No decorrer das décadas após a independência da Índia, em 1947, o ensino superior entrou em uma fase de expansão sem precedentes, marcado por imenso crescimento do volume de estudantes, alta exponencial do número de instituições e um "salto quântico" no nível de financiamento público, afirmou na conferência Pitam Singh, membro da Comissão de Planejamento do governo central (equivalente a um Ministério do Planejamento). Só entre 1991 e 2011, o número de faculdades saltou de 7.346 para 35.539 (4,8 vezes maior) e o de universidades, de 193 para 700 (3,5 vezes). A taxa bruta de matrículas no ensino superior chegou a 20,4% em 2012-13, ante 11% em 2005-6.
 
 
No entanto, 25% a 38% das vagas para professores nas melhores instituições estão atualmente desocupadas, e os programas para melhorar a docência também carecem de instrutores. Além disso, as taxas brutas de matrícula variam enormemente entre castas e entre regiões (de zero a 53%).
 
 
"Pode-se concluir que, se a expansão do ensino superior tem experimentado um ganho líquido, é provavelmente verdadeiro que a qualidade e a excelência foram prejudicadas no agregado, particularmente no caso de cursos de Engenharia e Administração. O diploma de bacharelado perdeu os atributos de elite que usufruía. Ainda assim, não é o caso de sugerir que a Índia deva restringir o crescimento do ensino superior", afirmou Singh.
 
Moushira Elgiziri (Fundação Ford) e Ray Langsten (Universidade Americana do Cairo) discorreram sobre acesso ao ensino superior no Egito. Após a revolução nacionalista de 1952, houve uma expansão do ensino em todos os níveis. Um decreto de 1962 determinou que todos os concluintes do ensino médio teriam acesso à Universidade, a cobrança de taxas de ensino foi abolida (e todos os diplomados teriam acesso garantido a empregos no serviço público). "Mas as políticas para promoção da igualdade falharam, há uma desigualdade persistente", diz Langsten. Um dos aspectos específicos do contexto egípcio é que há dois tipos de ensino médio: o geral e o técnico-vocacional. E é aí que se dá a segregação. Quem faz o geral-acadêmico vai para a universidade, mesmo os pobres. Quem opta pelo técnico-vocacional, pára aí", explicou o pesquisador. Em sua avaliação, a saída é direcionar políticas para estudantes de baixa renda e melhorar a qualidade do ensino em todos os níveis.
 
 
A pesquisadora Moushira Elgiziri tratou do financiamento do ensino superior. Ela defende a diversificação de fontes para dar suporte à melhoria da qualidade e denuncia a "falácia da educação gratuita": "A preocupação é se os sucessivos governos do Egito estão prontos, dispostos, e se são afinal capazes de enfrentar demandas de justiça social de qualquer modo realmente transformador. É claro que o nó é a capacidade de financiar reformas por justiça social, mas, observando o desempenho dos ministros, há que se perguntar se o Estado está realmente pronto para iniciar a discussão. Nossa nova Constituição, promulgada meses atrás, reiterou que todas as etapas da educação são gratuitas. Foi uma oportunidade perdida, porque ficou combinado que a educação supostamente gratuita de facto não é gratuita coisa nenhuma. Porque a qualidade do ensino é tão precária que as famílias e os alunos têm de bancar grandes somas de dinheiro para pagar aulas particulares, tirar xerox e comprar livros. Aliás, o negócio de venda de livros dá muito lucro para professores universitários. Há pesquisas em andamento para quantificar o que as famílias realmente gastam na 'educação gratuita' egípcia."
 
Inclusão ou ilusão?
Ana Maria F. Almeida e Maurício Ernica (Unicamp) estudaram inclusão nos cursos mais socialmente valorizados do ensino superior, analisando especificamente os perfis da Universidade Federal do ABC e da Unifesp. "O sistema de ensino superior brasileiro é segmentado. Por segmentação, entenda-se a subdivisão de instituições e cursos diferenciados tanto pelo currículo quanto pelas origens sociais de seus alunos. Isso tem impacto crucial na definição de papéis sociais associados aos diferentes tipos de educação", afirmaram. Há subdivisões entre instituições públicas e privadas, entre diferentes tipos de públicas e de privadas e entre cursos. "Nesse contexto, a inclusão social no ensino superior significa ao mesmo tempo a entrada de estudantes menos privilegiados no ensino superior E o acesso de estudantes menos privilegiados aos segmentos mais valorizados do ES."
 
 
Ao se debruçar sobre os casos da UFABC e da Unifesp, a dupla constatou que seus padrões de expansão são nitidamente distintos. Na Unifesp a inclusão é segmentada/"geográfica": a localização de um dos campus em área pobre, que concentra população com baixos recursos culturais e econômicos, resulta em maior inclusão social, mas em cursos menos valorizados. Na UFABC ocorre uma atração de famílias com menor nível de diplomas, e seu bacharelado interdisciplinar resulta em turmas socialmente mais heterogêneas.
 
 
 
Segundo Maria Ligia de Oliveira Barbosa (UFRJ, Laboratório de Pesquisa sobre Ensino Superior), a visão do ensino superior como necessariamente um espaço acadêmico – em prejuízo da formação profissional, científica e técnica – é predominante no Brasil, e se expressa tanto na prática cotidiana e nas políticas públicas quanto na legislação que regula o funcionamento do setor de ensino pós-secundário. “Há democratização, justiça social e eficiência econômica com esse modelo? A educação no Brasil não é apenas um capital humano reconhecido e valorizado: também é um valor posicional. A educação no Brasil, principalmente em seu nível superior, que é o que assegura os maiores retornos econômicos, opera mais fortemente como base de distinção social do que como fonte de aprendizado e qualificação. Talvez a sociedade brasileira, e seu sistema de ensino superior, esteja se movendo em direção à reprodução de classes dirigentes tradicionais pela moderna via dos diplomas, transformados em títulos de nobreza.”