16/08/2013

International Higher Education

O mau humor exagerado das universidades latino-americanas com os rankings globais

A maioria das melhores universidades da América Latina ainda conta com equipes acadêmicas cuja fluência em idiomas diferentes do espanhol e do português é exceção

Andrés Bernasconi
Bernasconi é professor da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Chile e membro do Conselho Editorial da revista Ensino Superior Unicamp. E-mail: abernasconi@uc.cl
Em sua edição de 2012, a Classificação Mundial de Universidades da Times Higher Education não colocou nenhuma universidade latino-americana em seu grupo das 100 melhores, e apenas quatro dessas universidades no conjunto total de 400 instituições. A classificação Xangai 2012 trata a América Latina com igual desdém: apenas uma instituição entre as 150 melhores e nada mais do que 10 latino-americanas entre as 500 universidades classificadas.
 
Esta situação é um pouco surpreendente, levando-se em consideração o fato de o Brasil ser a 6ª economia do mundo e o México, a 14ª. Deveria fazer diferença em se tratando da possibilidade de manter instituições de ensino superior como as encontradas em países como Israel, com três instituições entre as 100 melhores, ou a Holanda, com duas.
 
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Os líderes das universidades na América Latina sentem que há algo errado nas classificações, afirmando que são enviesadas e injustas com a região e que as universidades latino-americanas são essencialmente diferentes do conceito de universidade implicado na classificação.
 
Não se pode esperar um desempenho em pesquisa globalmente competitivo de funcionários acadêmicos destreinados para a pesquisa, de pesquisadores distraídos pela falta de segurança financeira e de acadêmicos cuja base de conhecimento é publicada em espanhol e português O problema está nas classificações
Um grupo de líderes de universidades latino-americanas se reuniu no México em maio de 2012 com o apoio da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), para debater as classificações e o que fazer em relação a elas. Chegou-se à conclusão de que as classificações não são medidas válidas do desempenho de uma universidade – tanto no seu índice composto quanto em relação a cada variável supostamente avaliada. Outra conclusão foi a de que as classificações são especialmente inadequadas para reconhecer as universidades latino-americanas – com "responsabilidades e funções que transcendem as mais tradicionais das universidades anglo-saxônicas, que servem como referência para as classificações". Os reitores notaram também que esse viés favorecendo o modelo anglo-saxônico de universidade é reforçado pelo uso dos bancos de dados ISI-Thompson Reuters e SCOPUS de publicações e citações, que reúnem material publicado principalmente em inglês e "nas áreas das ciências da saúde e engenharia".
 
É claro que a América Latina não é a única região do mundo que pode se queixar da natureza enviesada das classificações. A Ásia tem no mínimo tantos motivos quando os latino-americanos para protestar contra a injustiça desse sistema, ou talvez ainda mais: afinal, os asiáticos são muito mais numerosos e nem fazem parte da tradição ocidental hegemônica. Independentemente disso, a maioria das universidades que apresentam o progresso mais expressivo está localizada na Ásia: Coreia, Cingapura, Taiwan e China. Em vez de se queixarem da inexistência de revistas especializadas em número suficiente para publicar seus trabalhos em mandarim e coreano, os estudiosos dessa parte do mundo aprendem o inglês e publicam trabalhos nesse idioma nas revistas internacionais, como também ocorre em Israel e na Holanda.
 
Universidades latino-americanas são diferentes
Quais são as três únicas responsabilidades e funções assumidas pelas universidades latino-americanas que recomendariam um tratamento diferente a essas instituições em relação ao modelo "anglo-saxônico" de universidade? Em geral, as universidades latino-americanas falam de sua missão "social", um conceito fugidio que tenta abranger tudo aquilo que a universidade faz além das pesquisas, do ensino ou da transferência dos resultados de pesquisas, ou mesmo qualquer uma das funções associadas à universidade enquanto instituição em outras partes do mundo. A noção de uma missão "social" distinta busca capturar principalmente os papéis que a universidade desempenha de fato ou em tese no fomento à democracia, na promoção da inclusão social ou no fortalecimento de uma identidade nacional. As universidades da América Latina muitas vezes desempenharam esse papel quando o Estado Democrático de Direito foi atacado e apenas as universidades e poucas outras instituições permaneceram como espaços de relativa liberdade e organização política. Foram sem dúvida esforços dignos, mas não são exclusividade das universidades da região da América Latina. Além disso, conforme os governos democráticos e o Estado de Direito se consolidam na América Latina, as universidades são cada vez mais dispensadas desse papel político subsidiário; e precisam em vez disso se reconectar com sua função institucional enquanto centros de conhecimento.
 
Classificações como recado para a América Latina
As críticas às classificações enquanto metodologia válida para ordenar as universidades com base em sua qualidade têm fundamentos sólidos. Mas não é preciso concordar com a ideia de que a universidade número 100 seja "melhor" de alguma maneira significativa do que a número 120 para entender a mensagem que as classificações com base em pesquisas enviam ano após ano: o ensino superior da América Latina é quase invisível para o mundo da pesquisa.
 
Como afirmam os reitores, isso é em parte um problema que deriva do financiamento insuficiente dedicado à ciência na América Latina. Entretanto, essa não é a única questão, nem o problema principal. Desde os anos 1990 houve um grande aumento no dinheiro público destinado às pesquisas no Brasil, Chile e México. Em resposta, as publicações se multiplicaram, mas não numa proporção capaz de fazer uma diferença global. Os dois principais recursos dos quais as universidades da América Latina carecem são um número suficiente de membros do corpo docente dedicados à pesquisa e uma administração competente.
 
A maioria das melhores universidades da América Latina (com exceção das poucas instituições de mais qualidade no Brasil) ainda conta com equipes acadêmicas nas quais os doutores são pouco numerosos e cuja fluência em idiomas diferentes do espanhol e do português é exceção (nesse caso o Brasil não é diferente). Além disso, muitos acadêmicos da região treinados para a pesquisa têm salários tão baixos que precisam manter outros empregos para arcar com o custo de vida. Não se pode esperar um desempenho em pesquisa globalmente competitivo de funcionários acadêmicos destreinados para a pesquisa, de pesquisadores distraídos pela falta de segurança financeira e de acadêmicos cuja base de conhecimento é publicada em espanhol e português.
 
O segundo obstáculo principal é a administração das instituições e o comando dos sistemas nacionais de ensino superior. A autonomia universitária, objeto de um apego quase religioso na América Latina, serviu durante décadas à nobre função de manter afastados das universidades os governos corruptos, incompetentes, lunáticos ou autocráticos. Infelizmente, em alguns países, essa função da autonomia continua sendo necessária hoje. Entretanto, na maior parte da região, democracias estáveis comandadas por líderes racionais estão consolidando um espaço de diálogo civilizado no qual as universidades podem aceitar um maior grau de interferência das diretrizes para o ensino superior elaboradas pelos governantes sem incorrer com isso um risco às suas prerrogativas, em vez de rechaçá-los em nome da autonomia.
 
Isso é importante porque a maioria das universidades latino-americanas, especialmente as do setor público, não conta com a liderança de qualidade nem a plataforma política interna necessárias para se reformar. Portanto, precisam trabalhar com seus governos (como tem sido cada vez mais comum na Europa, Austrália e Ásia) para encontrar novas estratégias e mecanismos de mudança. E tal mudança é muito necessária em várias dimensões-chave: os quadros acadêmicos precisam se renovar, o financiamento à pesquisa precisa ser direcionado àqueles que o usam de maneira produtiva, e as estruturas de carreira e salário dos professores precisam ser redesenhadas.
 
Na área da administração, a reforma é necessária para introduzir nas universidades uma estrutura decisória estratégica no longo prazo, limitar o inchaço de cargos e conter o deletério efeito da politicagem partidária sobre as questões da universidade. Tais mudanças podem trazer uma nova era para as universidades latino-americanas, na qual as classificações com base no desempenho de pesquisa lhes pareçam menos estranhas.