06/11/2012

International Higher Education

Corrupção: importante desafio à internacionalização

Philip G. Altbach
Altbach é professor da Cátedra Monan e diretor do Center for International Higher Education (CIHE) do Boston College. E-mail: altbach@bc.edu
O fantasma da corrupção assombra a campanha global para a internacionalização do ensino superior. Um diploma obtido no exterior é considerado cada vez mais valioso e, por isso, não surpreende que empreendimentos comerciais tenham encontrado oportunidades dentro do panorama da internacionalização. Novos atores privados entraram no setor com o único objetivo de lucrar. Alguns deles são pouco respeitáveis. Algumas universidades enxergam a internacionalização como forma de contribuição para o "resultado financeiro" numa era de cortes no orçamento. A rápida expansão global do setor do ensino superior particular tem em geral o lucro como objetivo. Em poucos casos, como na Austrália e cada vez mais no Reino Unido, as políticas nacionais para a internacionalização do ensino superior se inclinam no sentido de obter renda para o sistema.
 
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Os países cujos sistemas acadêmicos sofrem com a corrupção se veem cada vez mais envolvidos no ensino superior internacional – enviando ao exterior grande número de alunos, estabelecendo parcerias com universidades de outros países e outras atividades. A corrupção não se limita aos países que talvez tenham a reputação de apresentarem práticas acadêmicas menos rigorosas, mas o problema ocorre globalmente. Recentemente, vários escândalos foram denunciados nos Estados Unidos, incluindo o caso da Universidade Tri-Valley, particular e não credenciada, uma instituição baseada em fraude que aceitava inscrições e cobrava taxas de alunos estrangeiros. Não exigia dos alunos que frequentassem aulas, conduzindo-os em vez disso para o mercado de trabalho bem debaixo do nariz das autoridades americanas de imigração. Além disso, várias universidades públicas foram flagradas admitindo estudantes de qualificação acadêmica inferior. As agências britânicas de controle de qualidade têm descoberto problemas nos programas "terceirizados" que oferecem diplomas britânicos, e escândalos semelhantes ocorreram na Austrália. Um dos exemplos de maior destaque é a Universidade do País de Gales, que era a segunda maior do Reino Unido, com 70 mil estudantes matriculados. A instituição foi obrigada a fechar seu programa de validação de diplomas, altamente rentável, que correspondia a quase dois terços da renda da universidade.
 
Com o ensino superior internacional correspondendo hoje a uma indústria de bilhões de dólares em todo o mundo, e países, indivíduos e instituições dependentes de sua renda, prestígio e acesso, não surpreende que a corrupção seja um problema crescente. Se nada for feito para garantir a probidade nos relacionamentos internacionais do ensino superior, toda uma estrutura – erguida com base na confiança, no compromisso com o entendimento mútuo e nos benefícios para estudantes e pesquisadores, compromisso construído informalmente no decorrer de décadas – vai entrar em colapso. Já há sinais indicando graves problemas.
 
Exemplos e implicações
Um problema sério e ainda sem solução é a prevalência de agentes inescrupulosos e recrutadores que conduzem estudantes pouco qualificados às universidades de todo o mundo. Um exemplo recente foi apresentado numa edição do jornal britânico Daily Telegraph (26 de junho de 2012) em reportagem que mostrava um agente na China flagrado em vídeo oferecendo-se para escrever ensaios de admissão e prestar outras maneiras questionáveis de auxílio para a inscrição de alunos em destacadas universidades britânicas. Ninguém conhece ao certo a extensão do problema, embora reportagens consistentes indiquem que é generalizado, especialmente nos países que mandam grande número de alunos para o exterior, como China e Índia. Sem dúvida, os agentes recebem hoje milhões de dólares em comissões pagas pelas universidades e, em alguns casos, recebem também dinheiro dos "clientes". No caso da Universidade de Nottingham, a proporção de alunos recrutados por meio de agentes aumentou de 19% em 2005 para 25% em 2011, com mais de £ 1 milhão destinado aos agentes.
 
Faz tempo que documentos alterados e falsificados representam um problema nas admissões internacionais. A tecnologia e os sistemas computadorizados exacerbam a questão. Os documentos fraudulentos se converteram numa pequena indústria em certas partes do mundo, e muitas universidades relutam em aceitar documentos de instituições que tenham sido manchadas por incidentes envolvendo registros ilegais. Algumas universidades americanas, por exemplo, não aceitam mais a inscrição de alguns estudantes russos – por causa da impressão deixada pela prática generalizada de fraude. A falsificação de documentos ganhou força graças a agentes remunerados com comissões que recebem incentivos para garantir que os estudantes sejam "equipados" com credenciais impressionantes, já que suas comissões dependem do sucesso na inscrição dos alunos estrangeiros. Aqueles responsáveis por checar a veracidade das transcrições, recomendações e certificados de titulação enfrentam uma tarefa cada vez mais árdua. Os estudantes que entregam documentos válidos enfrentam um obstáculo adicional, tornando-se alvo de um escrutínio reforçado.
 
Exemplos de manipulação e falsificação de resultados do Exame de Registros de Pós-Graduação e outros exames internacionais habitualmente exigidos resultaram na anulação de notas, chegando até a cancelar exames em certos países e regiões, obrigando os responsáveis a repensar o caráter prático dos exames feitos online. Tal situação tornou mais difícil a tarefa dos estudantes que buscam se inscrever, afetando também a avaliação dos candidatos à admissão.
 
Vários países, entre eles Rússia e Índia, anunciaram sua intenção de usar o ranking da Times Higher Education e o ranking de Xangai como maneira de determinar a possibilidade de estabelecimento de colaborações acadêmicas, assim como de outros aspectos das relações entre instituições internacionais de ensino superior. É uma pena, já que muitas instituições acadêmicas excelentes não são incluídas nesse ranking, que avalia principalmente a produtividade de pesquisa. Sem dúvida, Rússia e Índia estão preocupadas com a qualidade dos parceiros internacionais, considerando para tal fim que os rankings são convenientes.
 
Vários países "anfitriões" tornaram mais rigorosas as regras e a supervisão do fluxo internacional de estudantes em resposta às irregularidades e à corrupção. Em junho de 2012, o Departamento de Estado dos EUA anunciou que os candidatos vindos da Índia seriam submetidos a uma investigação adicional como resposta ao "escândalo da Tri-Valley". Antes disso, Austrália e Grã-Bretanha alteraram suas regras e políticas. A corrupção está dificultando a internacionalização em todo o setor de ensino superior. Talvez seja significativo o fato de a Europa continental ter aparentemente sido menos afetada pelas práticas ilícitas – quem sabe em parte porque seu ensino superior internacional seja menos comercializado ou movido pelo lucro.
 
A internet tornou-se um "Velho Oeste" de acadêmicos chicaneiros e manipulações baratas. É fácil criar uma página de boa aparência na rede, exagerar ou mentir a respeito da qualidade de uma instituição. Algumas instituições afirmam ter títulos que nem existem. Há até "fábricas de titulação" que concedem méritos a universidades mediante o pagamento de uma taxa. Algumas incluem fotos de instalações impressionantes que não passam de imagens roubadas e editadas de outras universidades.
 
O que pode ser feito?
Com o ensino superior internacional transformado agora numa indústria que apresenta ganhos comerciais, motivada pela busca de iniciativas internacionais, é provável que os problemas mencionados persistam. Entretanto, uma série de iniciativas pode melhorar a situação. A comunidade do ensino superior pode reafirmar seu compromisso com os valores tradicionais do "bem público" na internacionalização, embora os desafios atuais no financiamento possam dificultar isso em certos países. O recente relatório da Associação Internacional das Universidades, "Afirmando Valores Acadêmicos na Internacionalização do Ensino Superior", é um bom começo. Os valores essenciais das Iniciativas de Bolonha, da União Europeia, são condizentes com os melhores valores da internacionalização. A Universidade de Nottingham, mencionada anteriormente, oferece transparência em relação ao uso de seus agentes. Ela supervisiona aqueles que decide contratar e, em geral, adere às melhores práticas – como fazem outras universidades do Reino Unido e de outras regiões.
 
A titulação e o controle de qualidade são essenciais para garantir que haja um reconhecimento elementar das melhores instituições. As agências e a comunidade de ensino superior internacional precisam garantir que as universidades tenham sido cuidadosamente avaliadas e que os resultados da avaliação sejam facilmente acessíveis ao público e aos participantes internacionais.
 
Agências regionais, governamentais e internacionais devem coordenar seus esforços e se envolver na preservação dos padrões de qualidade e na proteção à imagem do setor. São muitas as contradições. A Agência de Educação dos EUA, do Departamento de Estado, busca proteger o setor enquanto o Departamento do Comércio enxerga o ensino superior simplesmente como mais uma commodity de exportação. Agências governamentais no Reino Unido e na Austrália também parecem defender interesses de viés comercial.
 
A conscientização a respeito das práticas éticas e corretas no ensino superior internacional, dos problemas emergentes e dos desafios persistentes merece nossa atenção contínua. Estudantes interessados e suas famílias, parceiros institucionais avaliando intercâmbios e pesquisas colaborativas e outros participantes devem se tornar mais sofisticados e alertas no momento de tomar suas decisões. O Corruption Monitor do CIHE-Boston é o único verificador das informações relacionadas diretamente às práticas corruptas; outras fontes de informação e análise seriam úteis.
 
O primeiro passo para solucionar um grande desafio para a internacionalização do ensino superior é o reconhecimento do problema em si. A própria comunidade não está unida; e o crescente mercantilismo faz que alguns relutem em agir de maneiras que possam prejudicar o lucro. Há indivíduos dentro da comunidade acadêmica que fazem um lobby agressivo em prol da legitimação de práticas questionáveis. Mas, se nada for feito, o setor de ensino superior de todo o mundo vai sofrer as consequências, que vão ameaçar os impressionantes avanços no sentido da internacionalização.
 
Nota do autor: Rahul Choudaha e Liz Reisberg tiveram seus comentários incorporados ao texto. Este artigo também foi publicado na University World News e na Vedimosti (Moscou).