06/11/2012

International Higher Education

A febre do estudo no exterior entre os estudantes chineses

Zha Qiang
Zha Qiang é professor assistente da Faculdade de Pedagogia da Universidade York, Toronto, Canadá. E-mail: qzha@edu.yorku.ca
Em se tratando do ensino superior chinês, dois fenômenos têm sido amplamente debatidos recentemente. Um deles é o fato de os estudantes chineses estarem optando pelo ensino no exterior cada vez mais cedo. A maioria dos estudantes que buscavam os estudos fora do país nos anos 80 o fazia na pós-graduação; nos anos 90, predominaram os programas de graduação, e agora é cada vez mais alto o número de alunos que o fazem no ensino médio.
 
Somando-se à mudança demográfica, a tendência pode ameaçar a oferta de estudantes para o ensino superior chinês no longo prazo Estima-se que os estudantes do nível secundário sejam agora metade ou mais do total de estudantes chineses que optam pelo ensino fora do país. Esses alunos do ensino médio fazem tal escolha pensando em tornar mais fácil e tranquilo seu acesso e sua transição para as universidades ocidentais. O outro fenômeno notável é a crescente demanda por melhorias na qualidade do ensino superior na China, evidente na ênfase dada a documentos marcantes na política de ensino como o Panorama Nacional para a Reforma e o Desenvolvimento do Ensino no Médio e Longo Prazo (2010-2020) (ou Planejamento 2020) e, mais recentemente, uma conferência nacional de trabalho envolvendo o controle de qualidade no ensino superior, realizada em 22 e 23 de março de 2012 em Pequim. Uma discussão conjunta dos dois fenômenos pode elucidar um pouco as razões que levam um número cada vez maior de estudantes chineses a buscar o ensino no exterior, mesmo com a imensa ampliação do acesso ao ensino superior chinês observada nos últimos anos.
 
Há poucos casos como a China, onde a oferta doméstica de ensino superior e o volume de alunos que buscam o estudo no exterior crescem dramaticamente lado a lado Deterioração na qualidade
O mundo ficou impressionado com a eficiência demonstrada pela China no avanço para o ensino superior de massas em pouco tempo, mas, mesmo assim, os estudantes chineses são cada vez mais atraídos para o exterior. Por que isso ocorre? Hoje, o acesso às universidades e faculdades na China é muito mais amplo do que há 10 anos. No fim dos anos 90, menos de 10% dos jovens de 18-22 anos tinham condições de frequentar instituições pós-secundárias. Este número aumentou para 26,5% em 2010. Nas áreas urbanas, a proporção de participação no ensino superior é na verdade muito mais alta, com mais de 50% dos formados no segundo grau buscando faculdades e universidades. O detalhe é que um número cada vez maior desses estudantes busca o ensino em universidades ocidentais. No geral, as matrículas no ensino superior chinês aumentaram a uma proporção anual de 46,2% entre 1998 e 2010, enquanto o volume de alunos chineses estudando no exterior aumentou mais de 25% ao ano no mesmo período. O número de chineses estudando nos Estados Unidos aumentou 80% de 1999 a 2009.
 
Agora a política é de estabilização de matrículas nas públicas e crescimento futuro canalizado para ensino vocacional, programas profissionais de pós-graduação e instituições privadas Em 2011, o número de estudantes chineses que buscaram o ensino no exterior atingiu o recorde de 339.700. O número deve chegar a 550.000 ou 600.000 até 2014. Esse grupo está também sendo formado por alunos cada vez mais jovens. Nos últimos cinco anos, o número de estudantes chineses frequentando escolas particulares do ensino médio nos EUA aumentou em mais de 100 vezes, de 65 em 2006 para 6.725 em 2011. Se prosseguir, tal tendência pode ameaçar a oferta de estudantes para o ensino superior chinês no longo prazo, somando-se à mudança demográfica na China (uma redução estimada em 40 milhões no número de jovens de 18-22 no decorrer da próxima década na população chinesa). Como consequência imediata, estima-se que os estudantes chineses contribuam com mais de US$ 15 bilhões ao ano às economias dos países que os hospedam (dos quais US$ 4,6 bilhões vão apenas para os EUA), o equivalente a quase a metade das dotações orçamentárias da China para o ensino superior em 2008. É cada vez maior o número de lares chineses que vive na prosperidade, mas, por si, isso não seria suficiente para explicar os motivos por trás da crescente febre de busca pelo ensino no exterior entre os jovens chineses e seus pais. De fato, há poucos casos como a China, onde a oferta doméstica de ensino superior e o volume de alunos que buscam o estudo no exterior crescem dramaticamente lado a lado.
 
No rápido processo de massificação, o ensino superior chinês sofreu um acentuado declínio na qualidade, o que pode representar outro motivo para a crescente febre do ensino no exterior. Desde a imensa expansão nas matrículas no ensino superior chinês, iniciada em 1999, foram ouvidas preocupações e críticas envolvendo o declínio na qualidade do ensino e do aprendizado. Após 2005, a expansão das matrículas perdeu força consideravelmente, enquanto a atenção e os recursos foram gradualmente transferidos para a solução de questões e problemas, com base na qualidade e na igualdade. Tal processo foi impulsionado pela famosa questão levantada pelo influente cientista veterano, Qian Xuesheng: por que as universidades chinesas fracassaram em engendrar mentes inovadoras? Assim, com relação ao ensino superior, o Planejamento 2020, revelado oficialmente em julho de 2010, teve seu foco nos aspectos da melhoria e da garantia da qualidade, com o objetivo de estimular a criatividade entre os estudantes chineses e criar um conjunto de "universidades de nível mundial". A conferência de trabalho envolvendo a qualidade do ensino superior anunciou explicitamente uma política voltada para a estabilização nas matrículas nas universidades chinesas (com os aumentos futuros voltados para os programas de ensino vocacional, programas profissionais de pós-graduação, e também as instituições privadas), ao mesmo tempo pressionando por medidas imediatas para lidar com as questões da qualidade do ensino superior.
 
Desde 1978, quase 2,3 milhões de estudantes e professores chineses foram estudar no exterior; até 2011, mais de 1,4 milhão continuavam vivendo fora do país Esforços para melhorar a qualidade no ensino superior
Pouco antes da conferência, o governo chinês apresentou dois outros importantes documentos de sua política de ensino indicando esforços concretos e mais recursos a serem trazidos à empreitada. Um deles é o Plano Estratégico para o Ensino Superior (promulgado pelo Ministério da Educação como plano de implementação para as seções do Planejamento 2020 relacionadas a ensino superior), que estabelece como prioridade principal a garantia da qualidade no ensino superior por meio da implementação de alguns projetos de larga escala organizados em torno de tarefas como professor universitário e desenvolvimento curricular, ensino criativo para alunos talentosos, desenvolvimento de programas para profissionais inovadores, transformação dos programas de pós-graduação, e o aprofundamento dos Projetos 985 e 211, cujo objetivo é a criação de um conjunto de universidades e áreas disciplinares de competitividade global em solo chinês. O outro documento das políticas de ensino, intitulado Observações sobre a Implementação do Programa de Aperfeiçoamento da Capacidade Inovadora nas Instituições de Ensino Superior (lançado conjuntamente pelo Ministério da Educação e o Ministério das Finanças), lançou o Projeto 2011 (chamado assim talvez por causa do comentário feito pelo líder chinês Hu Jintao na cerimônia do centenário da Universidade Tsinghua na primavera de 2011) incentivando as colaborações de integração entre as universidades chinesas, entre as universidades e os institutos de pesquisa, e entre a indústria e as necessidades regionais de desenvolvimento, em nome do estímulo e do avanço da capacidade inovadora das universidades chinesas – em vista das prioridades de desenvolvimento do país e dos critérios mundiais de qualidade. Seguindo a típica maneira chinesa, o governo destinou recursos à facilitação das integrações desse tipo, apoiando-as.
 
Poderão tais esforços amenizar a febre do ensino no exterior?
Até certo ponto, tais políticas podem ajudar a manter parte dos estudantes chineses no país. Mas os programas e as políticas são derivados de uma visão que privilegia o capital humano, enxergando o ensino superior como o investimento deliberado (e utilitário, do ponto de vista do instrumentalismo do governo) em troca da competitividade global (por parte do governo) e do status social (por parte dos indivíduos). Essa perspectiva enxerga as universidades chinesas como braço governamental para o ensino e a pesquisa voltados para o desenvolvimento nacional, articulando a produção do conhecimento e sua transmissão, associando-as à pauta nacional de desenvolvimento.
 
Com a massificação do sistema chinês, a articulação demonstra uma diferenciação vertical. Agora inserida numa estrutura hierárquica mais rígida, as universidades do degrau mais alto recebem grande apoio do governo em troca da sua produção de conhecimento e sua incorporação de estudantes para garantir a continuidade do sucesso da China numa economia voltada para o conhecimento, enquanto a maioria das instituições dos degraus mais baixos é obrigada a sobreviver valendo-se das forças do mercado. Por sua vez, a abordagem intensifica a tensão e a concorrência existentes na sociedade chinesa contemporânea, na qual uma espécie de Darwinismo social sublinhando a sobrevivência do mais forte e a luta pela sobrevivência parece ter se tornado predominante na vida social.
 
Credenciais universitárias são cruciais para os indivíduos em termos da obtenção de vantagens competitivas. Ao fracassar em obter acesso a uma universidade dos degraus superiores, pode-se correr o risco de perder a competitividade desde o ponto de partida. Naturalmente, quando as condições financeiras o permitem, os alunos se voltam para a oportunidade de estudar no exterior como estratégia alternativa, acreditando que um diploma internacional ajudaria a construir um perfil mais competitivo. Mais recentemente, os estudantes chineses começam a ser atraídos para as universidades de Hong Kong, nas quais o número de estudantes de graduação vindos do restante da China aumentou em 129 vezes ao longo da última década, passando de 36 em 1997 para 4.638 em 2010. As universidades de Hong Kong se valem do seu ambiente liberal de ensino e do seu corpo docente formado também por professores estrangeiros.
 
Essencialmente, o ensino superior desempenha um papel não apenas na construção do capital humano, mas também na ampliação da capacidade humana. A não ser que o ensino superior chinês proporcione um ambiente no qual os estudantes possam desenvolver seu pleno potencial, criando para si vidas produtivas e criativas de acordo com suas próprias necessidades e interesses, sempre haverá um grande número de alunos buscando uma fuga da crescente tensão e concorrência. Um número cada vez maior de pessoas parece agora estar a caminho de tal fuga. Com as dimensões cada vez maiores desse grupo, a fuga de cérebros continua a ser um problema na China, apesar do seu sucesso econômico. Desde 1978, quando a China abriu suas portas para o mundo, quase 2,3 milhões de estudantes e professores chineses foram estudar no exterior. Até o fim de 2011, mais de 1,4 milhão continuavam vivendo fora do país.