17/04/2012

Eunice Ribeiro Durham

"Se continuarmos a fazer um ensino superior tipo USP, Unicamp, não vamos atender as massas"

A antropóloga Eunice Ribeiro Durham relembra sua trajetória e fala sobre política educacional, diversidade de instituições e burocratização da universidade

Renato Pedrosa e Ricardo Muniz
Simon Schwartzman, arquivo pessoal
Eunice Durham - As pessoas mais jovens não têm experiência
de um tempo em que essa burocracia toda não existia.
Até reclamam, mas parece que ficou natural. Não é natural
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Uma das primeiras intelectuais a estudar a fundo o sistema de educação superior brasileiro, a antropóloga Eunice Ribeiro Durham, livre docente da Universidade de São Paulo, foi presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de 1990 a 1991 (além de curtos períodos em 1992 e 1995), Secretária Nacional de Educação Superior (1991 a 1992) e Secretária Nacional de Política Educacional (1995 a 1997).
 
É fundadora e pesquisadora permanente do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da Universidade de São Paulo.
 
Leia a seguir os principais trechos de entrevista concedida pela prof.ª Eunice a Renato H.L. Pedrosa, coordenador do Grupo de Estudos em Ensino Superior (GEES) do Centro de Estudos Avançados da Unicamp, e Ricardo Muniz, editor da Ensino Superior, com a participação de Elizabeth Balbachevsky, livre docente do Departamento de Ciência Política da USP, vice-coordenadora do NUPPs/USP e associada ao GEES/Unicamp.
 
Origem do interesse no estudo da educação superior
"Antes do começo da liberação do regime militar houve a morte do Herzog [jornalista Vladimir Herzog, assassinado após torturas no DOI-Codi de São Paulo, em 25 de outubro de 1975]. Nós aqui na Universidade de São Paulo obviamente éramos todos contra o regime militar. Houve um culto ecumênico [em memória de Herzog, realizado na Catedral da Sé em 31 outubro de 1975] e nós fomos – eu e muitos outros professores. Desse encontro surgiu a ideia de que tínhamos de ter uma organização, porque a nossa oposição era dispersa. Então surgiu a ideia de refundar a antiga associação dos auxiliares de ensino da USP, que existia no tempo em que só havia professor titular e assistente. Os auxiliares de ensino tinham uma associação na qual era possível discutir os problemas da universidade. A ideia, muito impregnada, da sociedade democrática e da luta contra o autoritarismo nos levou a refundar a associação. Por que refundar aquela, e não fundar uma nova? Porque aquela, como não havia sido desfeita, a gente não precisava pedir licença. Ela formalmente existia, portanto você não tinha de pedir licença – e ser negada a possibilidade de fazer. O grande interesse inicial da associação era o problema da reforma da universidade, retomando a discussão de dez anos antes, sobre a reforma da universidade. Todo mundo era a favor da reforma da universidade. E é óbvio que tinha também um cunho de dizer que tinha de ser diferente do que os militares queriam ou estavam fazendo. Foi um tempo muito interessante, trabalhei muito naquela associação, com muito entusiasmo. E se começou a discutir muito seriamente a questão da universidade. Nós fazíamos reuniões e levantávamos temas para levar um projeto de reforma. Essa associação de auxiliares de ensino tornou-se a Adusp. Houve uma discussão se deixariam os titulares entrarem também, e democraticamente a associação permitiu a entrada de titulares.
 
Uma vez que a gente começa a pesquisar no Brasil, com um mínimo de seriedade, você se torna um expert Na verdade foi a primeira vez, como eu nunca tinha sido catedrática, nem representante no Conselho Universitário, em que tive uma visão da universidade, porque aí a gente reunia professores de todas as áreas e começava a perceber que ela não estava centrada no departamento de Antropologia ou na Faculdade de Filosofia. Descobri que não sabia nada sobre a universidade. Comecei a estudar. Para você fazer uma reforma, pelo menos na minha visão, talvez como parte de uma tradição empirista minha, você não pode partir do ideal, você tem de saber realmente como é que ela se organiza. Aí comecei a ler, ler história da universidade etc., e achei o livro do Simon [Schwartzman], Formação da Comunidade Científica no Brasil [1ª edição em 1979, pela Companhia Editora Nacional/Finep; nova versão em 2001, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia]. E o livro do Simon é extraordinário. Eu disse: 'Puxa vida, era isso mesmo que eu queria saber, está aqui'. Daí peguei a bibliografia do Simon, comecei a ler, comecei a entrar em contato com o Simon. E aí aconteceu que comecei a ser uma pessoa que entendia de universidade. Isso me levou, digamos, a ter um papel importante, embora nunca tivesse sido eleita para nenhum cargo. Sempre fui uma figura de consultoria.
 
Então o começo foi assim, e quando a gente começa a estudar as coisas, começa a se interessar. Estava muito envolvida com a política universitária naquele tempo, e começou a me preocupar muito o fato de que não havia uma reflexão acadêmica. Passei a ser consultora do [José] Goldemberg [reitor da USP entre 1986 e 1989]. Naquele tempo o Simon saiu do Iuperj. Eu soube e falei com o Golbemberg que a gente podia trazer o Simon para São Paulo, para a cadeira de Ciência Política, porque ele era importante para esse estudo. Conseguimos trazer, ele veio para o Departamento de Ciência Política. O Goldemberg estava muito interessado nas coisas que eu dizia sobre a universidade, porque era novidade para ele também – só não era novidade para o Simon, mas para todo mundo praticamente era uma coisa nova. E a ideia do Simon, quando fundamos o Nupes [Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior, que foi ampliado e transformado, dando origem ao NUPPs, Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas], era que fosse um centro interinstitucional: USP, Unicamp e Unesp. Coisa que não se conseguiu fazer, porque os problemas burocráticos eram muitos. Por isso resolvemos fundar o Nupes na USP. E fundamos com um espírito – coisa em que eu sempre concordei muito com o Simon – que não era um estudo para fazer ideologia, na medida do possível. Nós tínhamos de fazer uma atividade acadêmica, fazer pesquisa séria sobre a universidade, e pesquisa comparada sobre universidades – este era o objetivo. Não que a gente possa ser inteiramente livre das ideologias, mas há muita diferença entre você simplesmente pregar um ideal e fazer uma análise séria da universidade, trabalhando com a bibliografia e com os dados existentes no momento, em grande parte dados de natureza quantitativa.
 
Quando você descobre uma coisa que não é aquela que tinha certeza que ia encontrar, é porque fez uma boa pesquisa E uma vez que a gente começa a pesquisar no Brasil, com um mínimo de seriedade, você se torna um expert... Havia três ou quatro experts no Brasil, que eram o Simon, eu, o Claudio de Moura Castro e o Edson Machado. Machado criou os Institutos Tecnológicos, foi diretor do DAU, o Departamento de Assuntos Universitários do Ministério da Educação [entre 1974 e 1979]. Foi presidente da Capes [de 1982 a 1989]. A minha carreira no governo segue um pouco a do Machado: eu também fui presidente da Capes, ele também assessorou o Goldemberg. Quando o Goldemberg saiu, ele assumiu a Secretaria de Ciência e Tecnologia [entre 1991 a 1992], que naquela época não era ministério. Depois, quando o Paulo Renato [Souza, ministro da Educação de janeiro de 1995 a janeiro de 2003] foi lá, pediu para Machado assumir a chefia de gabinete do MEC [cargo que Machado exerceu entre 1995 e 2001]. E daí realmente, sabe, a gente fazia reunião com o Machado e ele não só conhecia o sistema, como tinha vivido a história do sistema. Eu não, eu entrei sabendo de fora, mas todo aquele período básico da reforma universitária, Machado estava trabalhando no ministério. Uma pessoa que pensava o sistema e indicava esses mesmos problemas que a gente foi descobrindo, inventando a roda outra vez.
 
O Luiz Antonio Cunha, por sua vez, faz uma bela história do ensino superior. Mas ele tem uma visão pouco acadêmica da universidade. Está empenhado em criticar tudo que a universidade faz, porque nada poderia ser bom. Demasiado ideológico para o meu gosto. O que eu considero não ideológico? O que eu descobri sobre a universidade era o contrário do que eu imaginava. Acho que quando você descobre uma coisa que não é aquela que você tinha certeza que ia encontrar, é porque você fez uma boa pesquisa.
 
Eu comecei a tomar conhecimento muito direto dos problemas da universidade. Isso dá um certo realismo às posições da gente A Elisa Wolynec, que trabalhava com o Goldemberg também (ela era da Física), se interessou muito. Começou a trabalhar com os gastos e descobria coisas. Era divertidíssimo fazer reunião com o Goldemberg e a Elisa porque ela chegava com uma novidade todo dia. Lembro de alguns achados da Elisa. Por exemplo: 'Golbemberg, custa mais por aluno a creche da USP do que a creche mais cara dos Jardins, vamos dar uma bolsa para eles'. Ou: "O restaurante universitário custa mais caro que a manutenção da Escola Politécnica". Digamos: tem alguma coisa errada. Havia uma coisa muito rica, eu comecei a tomar conhecimento muito direto dos problemas da universidade. Isso dá um certo realismo às posições da gente. Bom, foi assim que começou. Eu comecei a escrever sobre isso, a estudar, tinha de publicar, tinha de tocar o Nupes, então fui me afastando da Antropologia e de repente eu virei uma pesquisadora de ensino superior."
 
A diversidade no sistema de ensino superior
"Como eu sou antropóloga, sempre sou a favor de comparação. O Simon, que estava em contato com outros centros do mundo, tinha uma ideia básica: que o trabalho comparativo era uma coisa extremamente importante. E, para mim, a primeira comparação foi na verdade uma comparação implícita, entre a Universidade de São Paulo e o sistema federal. Nós aqui na USP nunca tomamos conhecimento do sistema federal. O primeiro reitor da USP que tomou algum conhecimento do sistema federal foi o Goldemberg, porque eu explicava para ele. Daí eu realmente comecei a ter uma visão do sistema brasileiro, não do sistema paulista. E havia diferenças enormes entre os dois sistemas. Quando acabei indo para o Ministério da Educação, já tinha uma noção bastante boa do sistema educacional brasileiro e algumas ideias razoavelmente apropriadas sobre os problemas que a gente enfrentava no desenvolvimento do ensino superior.
 
Pesquisa sempre foi rica para descobrir o que eu não sei. Não é uma pesquisa para confirmar o que eu sei. Por isso, mudei de ideia diversas vezes O início da preocupação com a questão da diversidade institucional foi a partir dos dois lados do nosso trabalho. Primeiro, o comparativo: você toma conhecimento de que em nenhum país do mundo a universidade é a única forma de ensino superior. Diga-se de passagem, quando entrei na Adusp nunca tinha pensado nesses termos. Faculdade isolada para nós era uma coisa que deveria se transformar em universidade no futuro, se tivesse alguma qualidade. Segundo, o conhecimento concreto do sistema, começando a trabalhar com os dados estatísticos: qual o número de universidades (naquele tempo eram pouquíssimas), qual é a porcentagem de alunos matriculados em universidades, e o que eram as demais, todo sistema de faculdades, escolas isoladas etc. Começou a me ocorrer que você não pode simplesmente ignorar isso que está ocorrendo, especialmente não pode ignorar o fato de que há uma demanda por ensino superior e que a universidade não é capaz de atender à diversidade da demanda.
 
Acho que isso vem um pouco do tipo de antropologia que eu sempre fiz. O problema da antropologia nunca foi: você levanta uma hipótese para comprovar ou frustrar. É escolher um problema, e então me pergunto como é que isso acontece. Pressupondo que não sei. Normalmente é um problema que eu não sei responder. Por exemplo: como é que ocorre a migração rural-urbana? Como é que o camarada lá do interior do Ceará, analfabeto, chega a São Paulo e vai trabalhar numa fábrica. Usei esse mesmo tipo de raciocínio. Não conheço o sistema brasileiro de ensino superior, então com esses dados aqui, posso ter uma visão do que está acontecendo. Acho que é uma postura muito interessante para fazer pesquisa, sabe? A pesquisa sempre foi rica para descobrir o que eu não sei. Não é uma pesquisa para confirmar o que sei.
 
Faculdade isolada para nós era uma coisa que deveria se transformar em universidade no futuro, se tivesse alguma qualidade Por isso que mudei de ideia durante todo esse tempo diversas vezes. Para descobrir o que não sabia, que era o sistema federal e o sistema privado, tem de pegar os dados e olhá-los em seu conjunto. Você tem a ideia de que há um sistema de ensino superior que não se reduz à universidade e você, digamos, analisando o que estão fazendo, verifica que há um sucesso de mercado. Esse problema tem a ver com o mercado, a oferta, a demanda de ensino superior, e tem a ver com a diversidade do público de ensino superior. Porque se nós continuarmos a fazer um ensino superior tipo USP, Unicamp, não vamos poder atender as massas, as massas não estão preparadas para nós. Aliás, nem precisam. É um tipo de atividade intelectual muito especializado. Essas coisas que nós fazemos aqui são coisas que a sociedade precisa, mas não é necessário que todo mundo faça. Não vamos transformar o país em um país de pesquisadores com as mesmas ideias que nós temos. Não é para isso que existe ensino superior. Isso também é uma visão antropológica. O que eu sou contra nessas universidades federais é que deveriam abrir mão de universidades no mesmo modelo. O primeiro artigo que escrevi sobre universidade era contra o modelo único de ensino superior. Apresentei em uma reunião de reitores, quando comecei a trabalhar com o Goldemberg.
 
No Brasil, no conjunto, não mais do que 25% dos alunos matriculados no ensino superior estão em universidades públicas. Se, mesmo quando você vê a disparidade dos números, o custo que a universidade tem, ainda assim tenta reproduzir o processo, aí tem de fazer pós-graduação em todas elas, todo mundo vai fazer pesquisa. Não é por falta de pesquisa que a gente não está resolvendo os problemas. Mesmo porque a grande massa das nossas pesquisas é muito ruim. A minha ideia é que você tinha de aplicar o dinheiro na diversificação do sistema. Porque se você faz esse tipo de universidade, é claro que vai atender um público pequeno. Na medida em que você aumenta o rigor das exigências, menor o público que você atende. E também porque boa parte dessas pessoas vai entrar no ensino superior porque quer um emprego melhor numa área que lhes interessa, não vão querer ser grandes pesquisadores. Mas nosso sistema de universidade está montado, na minha opinião, inteiramente dirigido para formar pesquisador. Se você pegar o seu departamento, ou o meu, ou o dela, o que eles estão querendo fazer é formar futuros mestrandos e doutorandos em Antropologia, por exemplo, que vão fazer pesquisa. Se a Antropologia serve para alguma outra coisa, ou se seria muito importante que você desse Antropologia para Arquitetura ou para outros cursos, isso não interessa para o departamento, o interesse é restrito. Não é o interesse de satisfazer os problemas educacionais do país. Isso vem exatamente desse defeito básico que é a ideia de pensar o sistema do ensino superior como um modelo único, e vem de uma outra coisa que eu chamo de uma ideologia igualitarista-elitista. Todo mundo é a favor que todo mundo entre na universidade. Mas para todo mundo entrar na universidade, todo mundo tem de ser como nós. E você faz o ensino médio com a ideia de que ele permitiria a todos concorrer a qualquer curso da universidade. Quer dizer, você deve preparar igualmente para você entrar no Instituto de Matemática e Estatística ou na Faculdade de Direito, porque tem de ser tudo igual para todo mundo.
 
Mas você não pode simplesmente ignorar que há uma demanda por ensino superior e que a universidade não é capaz de atender à diversidade da demanda Então vem a terceira parte da antropologia. Eu passei boa parte da minha vida, antes de trabalhar com universidade, trabalhando com o povo. E eu sei que não é assim! É uma orientação errada, portanto. Não deviam estar multiplicando o número de universidades, porque a universidade é muito cara, e você tem uma necessidade muito grande de ampliar o ensino superior de boa qualidade. Temos de ter outras instituições de boa qualidade.
 
Qual é o curso de maior procura no Brasil? Administração. Por que Administração? Porque serve para qualquer coisa. Se você faz um curso de Administração, consegue chegar a gerente. Se você abrir um negócio, um pouco da administração serve também. O mesmo vale para Direito, em grande parte. Porque como nossa sociedade é extremamente burocratizada, qualquer verniz jurídico ajuda você numa empresa. Aliás, ajuda em qualquer lugar, até a andar dentro da universidade, com o crescimento estrondoso da burocracia. É legítimo que as pessoas queiram uma formação que vão utilizar durante a vida. Especialmente quando se trata de um diploma cuja utilidade não é restrita à profissão. Todo mundo reclama que só 17% das pessoas passam no exame da OAB. Não tem importância! Não precisamos mais do que 17% das pessoas exercendo o ofício da burocracia. Os demais estão usando como ferramenta, para ser corretor de imóveis, para trabalhar no setor de RH (porque você precisa entender de legislação trabalhista), para qualquer coisa, banco, supermercado etc. São duas áreas que suprem a deficiência de cursos de formação geral.
 
Depois também morei nos EUA, vivi em outros países. O que me estranha é que parece que os professores brasileiros vão todos estudar no exterior, mas não têm a mínima ideia de que há um contraste, que não é como no Brasil."
 
Expansão das particulares e avaliação institucional
"Tradicionalmente, o ensino privado era quase só todo de faculdades isoladas. Daí você tinha um problema, realmente, de atender um mercado que não seria atendido de nenhuma outra forma. De modo que não é simplesmente – como pensavam naquele tempo – porque o governo federal dava estímulo ao ensino privado. Não precisava dar estímulo nenhum ao ensino privado! Era porque atendiam, as faculdades privadas estavam realmente espalhadas muito mais do que as federais e as estaduais, que ficavam nas capitais. Começa, portanto, com um grande impulso, atendendo uma demanda reprimida em uma porção de lugares do país. É verdade que atendia mal. Não eram instituições de pesquisa, nem nada disso, eram 'escolões'. E boa parte delas, inclusive, era um estelionato propriamente dito. Diante disso, a minha impressão era que você tinha de eliminar o lixo. O sistema de avaliação, com o Provão, levaria a uma eliminação do lixo.
 
Se continuarmos a fazer um ensino superior tipo USP, Unicamp, não vamos poder atender as massas. Elas não estão preparadas para nós. Aliás, nem precisam Por outro lado, você teria de ter critérios diferentes de avaliação. Eu fui a uma universidade municipal no interior paulista. Estão fazendo um belo esforço. Tiveram de fechar o curso diurno, porque o diurno não tem aluno. Então, com exceção de Educação Física, todos os cursos são noturnos. Isso acontece em todos os lugares, é uma força de mercado extremamente forte. Fico lendo número de candidatos para curso diurno e número de candidatos para curso noturno. O diurno você não consegue preencher vaga! Mas mesmo assim se insiste no mesmo critério: que tenha não sei quantos doutores, não sei quantos mestres, não sei quantos em tempo integral... Você não pode sustentar o tempo integral de um professor, porque ele só dá aula no noturno! Não tem diurno para ele trabalhar. Ele teria de fazer outra coisa no diurno, fazer pesquisa, por exemplo. Mas não há condições, nem massa crítica, nem nada para ele fazer pesquisa. O que ele pode fazer é dar boas aulas.
 
No Conselho Nacional de Educação nós estávamos propondo um sistema diferente de avaliação. As universidades definiriam seus objetivos. A avaliação dos cursos continuava, como estava sendo feita no Provão. Mas a avaliação institucional seria feita em termos dos objetivos daquela instituição. Ela tem todo direito de não ser uma instituição de pesquisa, não precisa ser uma instituição de pesquisa para ser instituição de ensino superior, especialmente nas áreas profissionais. Nas áreas profissionais é até melhor que não seja. Porque vejam o que aconteceu com a PUC: quando começaram a botar só professor com doutorado no curso de Direito, piorou muito. Porque antigamente eram os grandes advogados de São Paulo que davam aula lá. Depois eles começaram a sair porque não tinham doutorado e vinha um rapazinho qualquer que tinha feito um doutorado, nunca tinha advogado na vida e era indicado só para a instituição ganhar ponto na Capes. Então a avaliação de curso pode ser feita por um critério comum, porque o diploma tem um mesmo valor e você tem lá diretrizes curriculares etc. Não gosto muito do sistema, mas enquanto for assim... Tem sentido para um curso você ter um mínimo de avaliação sobre o que está sendo formado lá. Quando começou eu dizia: essa questão devia começar como um "limpa lixo", não precisa nem ser um grande exame. Em relação às faculdades de Direito no Brasil, pode ter um exame muito simples, chega lá e tem de fazer uma petição ao juiz. Se ele não souber escrever, tá fora. O mínimo. O Provão era para você dizer o que está abaixo do aceitável.
 
Não é por falta de pesquisa que a gente não está resolvendo os problemas. Mesmo porque a grande massa das nossas pesquisas é muito ruim Mas no sistema de avaliação institucional você tem um critério só, é como a cama de Procusto*. Mas uma cama de Procusto só para esticar. Você cria um ambiente de excesso de valorização da pesquisa – e em segundo lugar, de atender exigências só formalmente. Olha, a inventividade do setor privado para cumprir determinação do Ministério da Educação é uma coisa insuperável! A única coisa que funcionou foi o Provão, porque o Provão afetou o mercado. Você publicava. As ruins começavam a ter problema. As boas a alardear: "grau A no Provão!" Foi a única vez que eu vi universidades se reunindo para tentar melhorar o curso. Pode ser que tenham se reunido para melhorar o resultado no Provão, mas já é alguma coisa, porque antes era nada. Começar, pelo menos. Tentar fazer com que os alunos passassem no Provão... Então foi o único sistema que no Brasil funcionou em termos de fiscalização.
 
Por outro lado, há excesso de critérios, todos inspirados pelos nossos cientistas... Eles acham que as instituições são para formar cientista. Havia um bom curso de Comunicação lá na cidade que visitei. Era no final do ano, os alunos estavam apresentando os trabalhos que tinham feito com entusiasmo. E eram bons trabalhos. Os alunos de Educação Física atendem a população deficiente do município, com algum auxílio da prefeitura. Sabe, era um ambiente estimulante, interessante. Agora, não vão sair de lá como alguém que se forma no MIT. Mesmo porque são alunos de noturno, mas para eles funciona. Se ampliássemos o objetivo do ensino superior – não é só para formar cientista, coisa que é difícil tirar da cabeça de professor, especialmente pedagogo – e dissesse: 'Vamos ver, é uma boa escola de Administração?' 'Sim.' 'Tem muito doutor?' 'Não tem, mas tem bons administradores que dão aula à noite'. Ora, tudo bem! Aquela instituição merece, naquela categoria, A.
 
A proposta que eu cheguei a enviar ao Conselho era o seguinte: a instituição indica as áreas em que pretende melhorar a qualidade do ensino. E daí faz um projeto de desenvolvimento institucional, o chamado PDI: 'A instituição não tem condições de fazer pesquisa a não ser nesta pequena área, patati patatá, mas os nossos cursos tais e tais estão dando muito bom resultado, os cursos tais e tais precisam ser melhorados'. Você vai lá então fazer avaliação institucional em função disso, e você aprova, porque são objetivos que o governo acha razoáveis. Não pode dizer 'o nosso objetivo é dar o maior número possível de diplomas para o maior número possível de pessoas'. Tem que arrumar um objetivo razoável. Daí a instituição é avaliada em função daquilo.
 
A proposta que eu fiz tinha uma classificação de três tipos gerais de instituição. Eu não queria que a gente avaliasse que só universidade tivesse A. Então, de acordo com o tipo, você tinha A ou B ou C. Se você quer ser uma grande instituição de pesquisa, tem dinheiro para isso, você tem um plano para chegar até lá. Você vai vendo se ela melhorou. Por cinco anos ela faz o que quiser. Depois de cinco anos você avalia. Já uma boa escola tecnológica não pode ser avaliada igual à Unicamp. Ela não precisa ter esse monte de doutor. Creio que talvez fosse um sistema viável e um sistema em que você permitiria essa diversidade interna. Essa questão é muito difícil porque a resistência da comunidade científica é muito grande. As pessoas veem o sistema educacional a partir do seu departamento, e da sua disciplina. E desprezam tudo que não for igual. Acho também que mesmo a avaliação de uma escola profissional dentro da universidade tem de ser um pouco diferente. Arrumar um número menor de doutores e de tempo integral. Para Direito, por exemplo. Para Engenharia."
 
A experiência na direção da Capes
"Se não me engano foi o Claudio de Moura Castro [presidente da Capes de 1979 a 1982] que inventou o sistema de avaliação de pós. O Claudio é uma pessoa muito internacional. Portanto, para ele, a ideia de peer review era muito familiar. Ele realmente criou uma instituição nos moldes do exterior, muito mais do que nos moldes brasileiros. Avaliação era o grande tema nos estudos sobre ensino superior no mundo há 15, 20 anos. Na década de 90, o problema da avaliação foi levantado em todo lugar. Se começa a fazer avaliações em todo lugar. O primeiro trabalho que defende a pós-graduação no Brasil foi aquela comissão criada pelo Tancredo Neves, na transição, da qual o Simon foi relator, um levantamento sobre a situação do ensino superior no Brasil. Boa parte das ideias que a gente defende até hoje já estavam lá. Nesse período, logo antes de entrar na Capes, eu participei daquela visita dos reitores brasileiros às universidades europeias, conheci a bibliografia, e para mim estava muito claro que havia dois problemas centrais, que eram avaliação e relação com o setor produtivo. E esse negócio do setor produtivo eu até fiz uma análise naquele tempo mostrando os perigos. Digamos, as necessidades, de um lado, e os perigos, de outro, desse tipo de relacionamento, que é impossível você não fazer, mas por outro lado pode ser um veneno mortal. Então eram esses os dois grandes temas. Eu escrevi na época dois artigos, um sobre avaliação e outro sobre relação com o setor produtivo, foram publicados na revista do conselho de reitores europeus.
 
Minha entrada na Capes foi bastante surpreendente. Era o governo Collor, fiquei receosa. Fiz uma reunião com os amigos, perguntei o que achavam e todo mundo opinou que eu devia aceitar. Que a Capes era um órgão importante academicamente e que não ia tisnar minha reputação ser presidente da Capes. E, diga-se de passagem, eu aceitei com a exigência de carta branca, que me foi dada, e isso eu admiro naquele ministro [Carlos Chiarelli, titular do MEC de março de 1990 a agosto de 1991]. Ele nunca me forçou a fazer nada.
 
Administração e Direito acabam sendo duas áreas que suprem a deficiência de cursos de formação geral Na Capes já estava montado o trabalho, de modo que não fui eu que inventei. Daí fui lá verificar todos os decretos de fundação da Capes [1958]. Conhecia a história do Anísio Teixeira, da criação da pós-graduação. Era muito bem feito aquele trabalho, só que não estava sendo seguido. Duas coisas que não estavam ocorrendo: em primeiro lugar eu defendia a existência de mestrados e doutorados acadêmicos e profissionais, previstos no parecer Sucupira, de 1965, um parecer muito interessante.
 
Em segundo lugar, propus uma reforma do PICD. Você tinha dois tipos de bolsa. Uma era por mérito, por concurso. A única coisa que eu fiz foi dar as bolsas para os programas, de acordo com o desempenho, em vez de a Capes ficar distribuindo. A outra era o PICD. O PICD era assim: você dá bolsas que vão para os programas e bolsas para universidades sem pós-graduação, para você formar o pessoal da pós-graduação. Obviamente, tem de passar no exame de seleção. Passando no exame de seleção, sendo aceitos, recebiam a bolsa. Era para equilibrar um pouco a desigualdade regional existente. Na minha opinião, o PICD estava formulado de uma tal forma que você não criava massa crítica. Você tinha cinco bolsas para uma universidade, vinha um de Letras, um de Matemática, um de Economia, e ele chega de volta ao seu departamento e não pode fazer mais nada. Então fiz um projeto. Mas como fiquei só um ano lá não deu tempo. Esse eu acho que era interessante. E depois, quando o professor volta, a única coisa em que ele está interessado é criar um programa de pós-graduação, porque todas as vantagens estão no programa de pós-graduação. Daí, em vez de fazer pesquisa, vai fazer criação de programa – uma ação institucional e não uma ação de pesquisa. Então eu propus um sistema para você dar apoio a professores que estão sem massa crítica.
 
A avaliação institucional deveria ser feita em termos dos objetivos daquela instituição. Ela tem todo direito de não ser uma instituição de pesquisa, não precisa ser, especialmente nas áreas profissionais Era um programa no qual o professor da Universidade X formado na Universidade Y teria recursos para enviar um ou dois bolsistas para a instituição na qual se formou, desde que passassem no exame etc., não era qualquer um. E ele ficava como co-orientador. De modo que o professor não precisava mais criar um programa de pós-graduação. Daí ele ficava co-orientador com a instituição prestigiosa. Era um programa muito inteligente esse. Era para você permitir que os professores criassem uma massa crítica mínima, sem precisar criar pós-graduação. Depois que tivesse massa crítica, aí criava a pós-graduação. Então o professor que volta com o doutorado fica imediatamente envolto com pesquisa, porque tem de preparar seus alunos para que consigam a bolsa, depois ele orienta o trabalho de campo. Os co-orientadores tinham uma passagem por ano, para conversar com a Universidade onde tinham se formado, com seus orientadores, apresentar seus alunos, de modo que mantinha contato. Quando não há massa crítica, as pessoas ficam muito isoladas. Então era uma bela vantagem. Ele vinha uma vez por ano, retomava os contatos, podia discutir com seu ex-orientador.
 
Isso não foi instituído. Quando estava pronto para instituir, o Goldemberg foi para o MEC [1991] e eu passei para a Secretaria de Ensino Superior [setembro de 91]. Ficou lá o programa, ninguém se interessou muito e não vingou.
 
As pessoas veem o sistema educacional a partir do seu departamento, e da sua disciplina. E desprezam tudo que não for igual Havia outro programa para criar massa crítica na Amazônia, mas esse também nós montamos todo, depois eu saí e caiu por terra. Montamos uma excelente comissão para analisar os grupos com possibilidade emergente dentro da Amazônia. Um grupo muito bem constituído, coordenado pelo Tundisi [José Galizia Tundisi, especialista em ciências biológicas da USP, ex-presidente do CNPq], uma pessoa extraordinária. Eu dizia também que não adiantava continuar com esse programa sem criar massa crítica. Nós tínhamos de fazer o programa vendo quais os lugares onde havia massa crítica possível para você criar um centro de pesquisa, para fazer junto com o CNPq. Então, viajaram pela Amazônia inteira, entrevistaram milhões de pessoas e conseguiram detectar alguns grupos que poderiam, com recursos, se constituir em centros de investigação. E daí a gente ia dar um monte de benefícios para esses, como bolsas etc.
 
É impossível que não haja relacionamento do sistema de ensino superior com o setor produtivo, mas esse relacionamento pode ser um veneno mortal O que eu fiz lá também foi fortalecer o programa sanduíche. Porque eu dizia que não precisava gastar tanto dinheiro com essas pessoas passando quatro anos no exterior. Vai continuar fazendo isso onde precisa. A Capes começou dando muito incentivo, incentivo demais, mais do que qualquer lugar do mundo. Tinha o problema do auxílio-esposa, auxílio-filho, sabe? Isso dava as maiores encrencas, porque ele chegava lá com a esposa, dois filhos, brigava com a esposa... Se a esposa quisesse estudar alguma coisa, pagavam para a esposa também... Daí a esposa brigava com o detentor da bolsa, ele casava com outra... Ele queria que a bolsa da primeira mulher passasse para a segunda mulher... Eu fiz um esparramo lá na Capes, disse: "Isso aqui não é uma Vara de Família, nem consultório sentimental!" Eu queria propor que não se desse mais bolsa para cônjuge, o cônjuge que se vire. Eu sou feminista, as mulheres têm os mesmos direitos que os homens, não tem esse negócio de levar a mulher, pelo amor de Deus. Quer levar a mulher, você economiza com a sua bolsa, a família ajuda, economiza dinheiro, agora esse negócio de ficar dando bolsa... Eu comecei a campanha na Capes para transformar isso. E tinha toda razão, diga-se de passagem, não é? E tinha a 'bolsa-turismo' também, porque também dava-se dinheiro para assistir qualquer congresso. Há um limite! Todos os bolsistas que eu conheço viajavam adoidado pela Europa inteira, mas viajavam com o dinheiro deles. Nada impedia que pegasse seu carrinho, quase todos tinham, e fosse ao congresso.
 
Agora, uma coisa boa que eu fiz na Capes e ninguém nem fala: eu criei a taxa de bancada. A taxa de bancada era o seguinte: a Capes tinha dois orçamentos, um era de bolsas, o outro de recursos para pesquisas. O que acontecia? Cada vez que você tinha uma diminuição do orçamento, cortava a verba de pesquisa, porque não dava para cortar bolsa. Bolsa era como pessoal, pessoal não pode cortar, eles têm direito. Então, eu fiz lá uma reunião e disse: "Bom, só tem um jeito, nós temos que juntar essas duas coisas. Vamos criar uma taxa para os programas em função do número de alunos que têm. Quer dizer que cada bolsa que a gente dá, ela tem attached o dinheiro da bancada". Aí então ela entrou disfarçada em bolsa, daí passamos tudo para pessoal. E olha que, naquele momento, para uma porção de instituições foi uma salvação. O CNPq estava quebrado e também não tinha dinheiro, sumiu dinheiro de pesquisa de todo mundo. Tem gente que viveu com aquela taxa de bancada, conseguindo manter os ratinhos no laboratório. E daí mandavam prestação de contas e tudo. Então aquela taxa de bancada eu acho que foi uma coisa muito boa, depois o CNPq gostou da ideia, copiou.
 
Na Capes, eu perdi muitas das ilusões sobre a seriedade da comunidade acadêmica. Porque para fazer qualquer mudança com a comunidade acadêmica era um inferno A bolsa de mestrado foi reduzida para dois anos. Isso também porque eu tinha estudado o que acontece nos outros países e sabia que mestrado, em qualquer lugar do mundo, não é um doutorado, como entre nós, é uma coisinha mais simples. Já existia essa determinação.
 
As quatro coisas que considero mais importantes em minha passagem pela Capes foram a questão do mestrado e doutorado profissional, que demorou 20 anos para começar a ser discutida outra vez; os grupos emergentes, que infelizmente não deram certo; a taxa de bancada, que 'pegou' (ficou anônima, ninguém mais sabe que fui eu que inventei); e a questão dos prazos. Também comecei a informatização da Capes. Teve uma grande coisa para mim na Capes, sabe? Que eu perdi muitas das ilusões que tinha sobre a seriedade da comunidade acadêmica. Porque para fazer qualquer mudança com a comunidade acadêmica era um inferno. Trabalhar na direção, no Executivo, você tem uma vivência do problema que só o livro não dá. Mas as coisas que fiz na Capes eu acho que fiz bem. Tenho orgulho, sabe? Realmente."
 
A internacionalização, para mim, tinha de ser concentrada em você trazer professor estrangeiro Internacionalização
"Agora está na moda isso da universidade internacional. Acho que já estamos tendo uma imensa despesa para manter os alunos brasileiros, não vejo vantagem em receber aluno estrangeiro. A internacionalização, para mim, tinha de ser concentrada em trazer professor estrangeiro. Avalio que internacionalizar – nesses termos – é necessário e importante. Como aqui no Estado de São Paulo, por exemplo, as nossas três universidades atingem 8% dos jovens matriculados no ensino superior, acho, realmente, que a gente ficar oferecendo facilidades para o resto da América Latina... Só se eles pagarem."
 
Carreira universitária e burocratização
"O problema da carreira universitária está muito embutido em um problema que é a burocratização crescente da universidade. Nós estamos cada vez mais pesadamente burocráticos, com inúmeros órgãos de decisão hierarquicamente estruturados, sem nenhuma comunicação horizontal. Para quem trabalha em área interdisciplinar, não há nenhuma comunicação horizontal. Qualquer decisão sai do seu departamento, vai para a comissão específica lá de graduação, pós-graduação, não sei o que, depois vai para a Congregação, depois vai ao Conselho de Graduação, para a Pró-reitoria e depois ao Conselho Universitário. E daí a decisão desce. A autonomia das unidades, na verdade, é muito pequena. Você precisa de um conselho para aprovar um projeto de graduação de Antropologia, mas não tem nenhum antropólogo lá. E assim é a grande maioria. Difícil algum em que haja 20 professores que entendam daquele assunto. Então, o que fazem os conselhos? Ficam inventando critérios formais, porque não tem critério de mérito.
 
As pessoas mais jovens não têm experiência de um tempo em que essa burocracia toda não existia. Até reclamam, mas parece que ficou natural. Não é natural Essa é, eu acho, a raiz da enorme burocratização. Difícil ter um projeto para realmente dar esse salto, porque para fazer o projeto dentro da burocracia é impossível. Então tudo acontece nos interstícios, aliás como a própria pesquisa no Brasil. Ela nunca foi uma tarefa da universidade, ocorreu nos interstícios, via relação com agências financiadoras brasileiras e externas, iniciativas dos departamentos ou dos cientistas, eles próprios. A universidade não tomava nem conhecimento. À medida que ela começa a tomar conhecimento, só piora, porque daí aumenta a burocracia. As pessoas que são mais jovens não têm uma experiência de um tempo em que essa burocracia toda não existia. As pessoas até reclamam, mas parece que ficou natural. Não é natural.
 
Você tinha de criar uma figura jurídica chamada Universidade. Pode ser alguma coisa semelhante a uma ONG, a uma organização social. A partir daí, você cria o estatuto. Tem carreira própria, não é a carreira do funcionalismo público. Tem forma de seleção própria. Não podemos ser funcionários públicos, é essa a questão! E ninguém quer abrir mão de ser funcionário público neste país. Não há necessidade de ter a mesma carreira para o Brasil inteiro. Hoje é tudo igual. A carreira não devia ser nem a carreira do serviço público, com todas as regalias e todas as encheções de saco. Nem exatamente a carreira privada. Tem que ser alguma coisa intermediária, com mais flexibilidade. Você pode contratar professor estrangeiro com salário máximo. Com tanta exigência, o professor estrangeiro simplesmente não vem."


* O malfeitor Procusto, abatido por Teseu, tinha um leito de ferro no qual costumava amarrar todos os viajantes que lhe caíam nas mãos. Se eram menores que o leito, Procusto esticava seus membros; se fossem maiores, cortava a parte que sobrava. O castigo de Teseu foi fazer com Procusto o que ele fazia com suas vítimas (ref. O livro de ouro da mitologia, BULFINCH, Thomas. 34ª edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006)
 
capa da edição impressa nº 5 | abril de 2012