17/10/2013

O Estado de S. Paulo

Universidades brasileiras devem promover internacionalização, valorizar mérito, flexibilizar regras e reduzir burocracia se quiserem chegar à elite do ensino superior

Herton Escobar
Repórter especial de Ciência e Ambiente do jornal O Estado de S. Paulo
Sebastião Moreira / O Estado de S. Paulo
Laboratório no Instituto de Química da USP
 
Com autorização do jornalista Herton Escobar, a Ensino Superior reproduz abaixo quatro posts de seu blog (Blog Imagine Só!, no estadão.com) sobre a busca da excelência no ensino superior brasileiro:
 
Promover a internacionalização, valorizar o mérito, flexibilizar as regras e reduzir a burocracia. Essa é a receita básica que as universidades brasileiras precisam seguir se quiserem ficar mais parecidas com Harvard, Oxford, Stanford e outras instituições de ensino e pesquisa que aparecem no topo dos rankings internacionais, segundo especialistas ouvidos pelo Estado.
 
Clique aqui para ler o blog de Herton Escobar
 
A falta de interatividade com o resto do mundo é apontada como um dos pontos mais fracos das instituições brasileiras, que reduz sua visibilidade e competitividade no cenário internacional.
 
“Se eu pudesse singularizar um item que precisa ser incentivado, é a internacionalização”, diz o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva. “É isso que vai trazer no seu bojo todo o resto.”
 
Mesmo um ganhador do Nobel, se quisesse se mudar para o País e virar professor da USP, por exemplo, teria de prestar concurso público em português e passar por um complicado processo de contratação, além de aceitar ganhar um salário igual ao de todos os outros É comum universidades americanas e europeias ganharem prêmios Nobel com pesquisadores que foram recrutados de outros países ou outras instituições – que muitas vezes competem entre si para contratar os melhores cientistas, como times de futebol que brigam pela contratação de um craque. Quem recebe a láurea é o pesquisador, individualmente, não a universidade, mas o mérito se estende para as instituições. O Prêmio Nobel de Química deste ano é um bom exemplo: os três laureados são pesquisadores de universidades norte-americanas (Harvard, Stanford e Califórnia do Sul) que nasceram em outros países e passaram por outras instituições ao longo de sua carreira acadêmica.
 
Na academia brasileira, esse trânsito de cérebros entre instituições praticamente não existe. A barreira linguística e as regras do funcionalismo público tornam muito difícil atrair professores estrangeiros, ou até mesmo recrutar professores brasileiros de outras universidades. Mesmo um ganhador do Nobel, se quisesse se mudar para o País e virar professor da USP, por exemplo, teria de prestar concurso público em português e passar por um complicado processo de contratação, além de aceitar ganhar um salário igual ao de todos os outros.
 
“No Brasil, resolveu-se que um professor universitário deve ser tratado como um funcionário público qualquer. Nenhum país com universidades de ponta faz isso”, diz o físico Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “As limitações são muitas. Mesmo quando temos uma bolsa para trazer alguém como professor visitante, é difícil”, diz o pró-reitor de Pós-Graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidente da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Conaes), Robert Verhine.
 
Segundo os especialistas, é preciso flexibilizar as regras e abrir as portas das universidades para estrangeiros – não obrigando-os a falar português, mas fomentando o uso do inglês entre os brasileiros, seja na sala de aula, nos laboratórios, ou nas chamadas de projetos e contratações.
 
“A língua é uma questão chave. As universidades asiáticas que estão em ascensão adotaram o inglês tanto para o ensino quanto para a pesquisa. É a língua universal de comunicação acadêmica, indispensável para universidades com uma visão global que queiram participar desse diálogo”, disse ao Estado Phil Baty, editor responsável pela formulação do ranking de melhores universidades do mundo do Times Higher Education (THE). (Leia a íntegra da entrevista abaixo).
 
Essa, segundo ele, é uma das principais razões para o Brasil não ter nenhuma universidade entre as 200 melhores no ranking deste ano. A USP, que estava na posição 158 em 2012 caiu para o bloco de 226 a 250.
 
Especialistas brasileiros questionam a metodologia do ranking, mas concordam que as universidades brasileiras ainda precisam avançar muito para estar entre as melhores do mundo.
 
“A universidade é um ambiente onde a diversidade é fundamental. Melhora a formação dos alunos, melhora a qualidade das pesquisas, melhora tudo”, diz o físico Marcelo Knobel, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), única outra instituição brasileira que aparece nas listas do THE. No ranking geral, ela aparece entre as posições 301 e 350. No ranking das melhores universidades do mundo com menos de 50 anos, está em 28º.
 
Knobel, assim como os outros entrevistados, chama atenção para o fato de que as universidades brasileiras ainda são muito jovens (a USP, por exemplo, é de 1934, e a Unicamp, de 1966), e que isso, também, é uma diferença importante na comparação com as universidades mais tradicionais dos EUA e da Europa, que têm mais de um século de existência. “Começamos tarde e estamos avançando a passos largos”, avalia. “As coisas estão acontecendo.”
 
Burocracia
Além da questão linguística, a internacionalização terá de passar também, obrigatoriamente, pela solução de uma série de mazelas “domésticas” que os cientistas brasileiros enfrentam diariamente. Em especial, a burocracia — legal e institucional — e a morosidade do sistema público como um todo. Tudo é complicado. Tudo é demorado.
 
É preciso flexibilizar as regras e abrir as portas das universidades para estrangeiros, não obrigando-os a falar português, mas fomentando o uso do inglês entre os brasileiros, seja na sala de aula, nos laboratórios, ou nas chamadas de projetos e contratações Além de aprender a língua local, um pesquisador estrangeiro que viesse trabalhar numa universidade brasileira teria de se acostumar, por exemplo, a preencher dezenas de formulários, pedir autorização para tudo, fazer licitações e esperar até seis meses para importar insumos básicos de laboratório que, nos Estados Unidos ou na Europa, são comprados facilmente via internet e levam poucos dias para chegar.
 
“Nossa burocracia é muito burra; ela emperra tudo. Não tem como ser competitivo desse jeito”, diz o médico Jorge Kalil, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Instituto Butantan. “Precisamos ser mais ágeis em tudo.”
 
“O ponto mais crítico é a inflexibilidade das universidades públicas”, avalia Verhine. “As universidades são vistas como uma repartição pública, cheias de regras inflexíveis para uso de recursos, contratações, demissões etc. Deixamos de fazer muita coisa por conta disso.”
 
“As estaduais paulistas têm alguma autonomia; nas federais, não temos autonomia de nada”, diz a pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader. “O Estado brasileiro não tem ciência da importância da universidade, nem da importância da ciência para o desenvolvimento do País. É um verdadeiro milagre termos conseguido chegar onde chegamos até agora.”
 
 
Nos Estados Unidos e na Europa, as universidades têm departamentos e equipes especificamente dedicadas a "esconder a burocracia do pesquisador", o que não ocorre nas instituições brasileiras USP pode estar “superdimensionada” para uma universidade de ponta, diz reitor
Uma comparação, mesmo que superficial, entre as duas melhores universidades dos Estados Unidos e do Brasil no ranking do Times Higher Education revela diferenças substanciais entre as instituições.
 
Uma que salta aos olhos imediatamente é o tamanho. O Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), que está no topo do ranking há três anos, é uma escola privada de elite, extremamente seletiva, com pouco mais de 2 mil alunos, enquanto que a USP é um gigante público, com mais de 92 mil estudantes. A Unicamp, por sua vez, tem 41 mil alunos — o dobro de Harvard.
 
O reitor da USP, João Grandino Rodas, reconhece que a universidade pode estar “superdimensionada” para ser uma instituição de ponta. “Não advogo, de maneira nenhuma, que os números da USP sejam diminuídos, mas simplesmente que se deixe de criar novos cursos sem que se redimensione os antigos”, disse Rodas ao Estado (leia abaixo a íntegra da entrevista concedida por email).
 
“A USP já passou do tamanho”, diz o professor Jorge Kalil, da Faculdade de Medicina. “A universidade tem de expandir em qualidade, não em tamanho. Esse gigantismo não leva a nada se não houver qualidade.”
 
A pouca internacionalização e o baixo domínio do inglês voltam a ser problemáticos nesse caso, fazendo a universidade parecer muito menor do que realmente é no cenário internacional. “A USP produz mais doutores do que qualquer universidade dos Estados Unidos, com muita qualidade, só que ninguém sabe disso porque esses PhDs não estão circulando internacionalmente, não publicam trabalhos em inglês etc.”, diz o presidente da Conaes, Robert Verhine. “Nossa reputação no contexto internacional é limitada porque há pouca interação com parceiros internacionais.”
 
“O ponto mais crítico é a inflexibilidade das universidades públicas”, avalia Verhine (UFBA e Conaes/MEC). “São vistas como repartição pública, cheias de regras inflexíveis para uso de recursos, contratações, demissões. Deixamos de fazer muita coisa por conta disso.” Planejamento estratégico
Vários especialistas defendem que o País priorize, por meio de um planejamento estratégico, o desenvolvimento de algumas universidades específicas, que demonstrem maior potencial para se tornarem referências internacionais, como fizeram China, Coréia do Sul, França, Alemanha e outros. “Nenhum país consegue fazer isso com todas as universidades”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, da Fapesp. Ele enfatiza que o planejamento tem de ser nacional, com a participação de todos os atores envolvidos, de todos os setores e esferas de governo, visando o desenvolvimento do País e não apenas das instituições ou de um ou outro Estado.
 
A China tem duas universidades entre as top 50 no ranking do Times Higher Education: as de Peking e Tsinghua. E não é por acaso, diz a presidente da SBPC, Helena Nader, “é por planejamento”.
 
“Nenhum país do mundo tem todas as suas universidades como universidades de pesquisa; algumas são escolhidas para fazer pesquisa e o resto do sistema se encarrega de outras funções”, diz Marcelo Knobel, da Unicamp. Ele cita o exemplo da Califórnia, em que as grandes universidades estaduais (como UC Berkeley e UCLA) são fortemente voltadas para pesquisa de ponta, enquanto que as universidades menores (os colleges) são mais focados no ensino. “Não é possível que todas as universidades públicas queiram ser universidades de pesquisa de classe mundial. É economicamente inviável; só pulveriza recursos”, avalia Knobel.
 
“Os dois tipos de instituição são importantes: as de ensino e as de pesquisa. O que não dá é querer que todas façam as duas coisas ao mesmo tempo”, avalia Nader.
 
Glaucius Oliva, presidente do CNPq, concorda que algumas universidades devem se sobressair. “Não dá para imaginar que vamos ter USPs espalhadas pelo Brasil inteiro”, afirma. Porém, ele acredita que a escolha dessas instituições não pode ser feita a priori. “Temos de dar o estímulo sem escolher quem vai ser estimulado”, diz. “Temos de criar um ambiente propício, oferecer os recursos, oferecer as ferramentas, e aqueles que estiverem dispostos a fazer uso delas é que vão se destacar.”
 
 
“Nossa burocracia é muito burra, ela emperra tudo. Não tem como ser competitivo desse jeito”, diz o médico Jorge Kalil, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Instituto Butantan Produção científica aumenta de tamanho, mas seu impacto ainda é pequeno
Número de trabalhos publicados. A principal métrica usada pelas instituições de ensino e pesquisa do Brasil para demonstrar sua produção científica não aparece em nenhum lugar nos sites do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) ou da Universidade Harvard – primeira e segunda colocadas no ranking de melhores universidades do mundo do Times Higher Education (THE). Em vez disso, elas contam sua produção em número de prêmios Nobel conquistados por seus pesquisadores: 32 e 47, respectivamente.
 
(OBS: Mesmo depois de ser procurada diretamente pela reportagem, a assessoria de comunicação da Caltech não soube informar o número de trabalhos publicados por ano pela universidade. Não é uma estatística mantida pela instituição.)
 
A ênfase em qualidade e a valorização do mérito são marcas registradas dessa elite acadêmica internacional, que precisam ser cultivadas também nas universidades brasileiras, caso elas queiram um dia figurar entre as melhores do mundo, segundo os especialistas ouvidos pelo Estado.
 
O impacto da produção científica é um dos critérios mais valorizados nos rankings internacionais para medir a excelência de uma instituição. E esse é mais um ponto fraco das universidades brasileiras — e da ciência brasileira como um todo, já que são as universidades as principais responsáveis por fazer pesquisa no País.
 
A produção científica nacional cresceu significativamente nos últimos 20 anos, graças principalmente à expansão e ao fortalecimento da pós-graduação nas universidades. Mas seu impacto na ciência mundial ainda é pequeno. Muitos trabalhos são publicados, inclusive em revistas internacionais de qualidade, mas são poucos os que trazem ideias ou resultados verdadeiramente impactantes, capazes de repercutir internacionalmente e influenciar os rumos da ciência como um todo. 
 
No Brasil, a qualidade de um pesquisador é medida, tradicionalmente, pelo número de trabalhos publicados (uma avaliação puramente quantitativa); enquanto que nos EUA ela é medida pelo número de vezes que seus trabalhos são citados por outros cientistas ao redor do mundo (uma avaliação qualitativa de importância da pesquisa). Consequentemente, os cientistas acadêmicos brasileiros tendem a ser mais conservadores e fazer pesquisas de menor porte e menor risco, para garantir seu índice de publicações e manter o financiamento de seus laboratórios; enquanto que nos EUA incentiva-se fortemente a publicação de trabalhos de grande impacto, ainda que levem mais tempo e envolvam riscos muito maiores para serem produzidos.
 
“A universidade é um ambiente onde a diversidade é fundamental. Melhora a formação dos alunos, melhora a qualidade das pesquisas, melhora tudo”, diz o físico Marcelo Knobel, da Unicamp Contexto histórico
Na avaliação do presidente do CNPq, Glaucius Oliva, essa cultura científica brasileira tem raízes históricas. Nas décadas de 1970 e 1980, quando as universidades brasileiras ainda eram poucas e jovens — e a ciência brasileira, mais jovem ainda — o foco, realmente, era na produtividade, como forma de alavancar o desenvolvimento da ciência no País. “Naquela época, engajar os cientistas a fazer qualquer pesquisa já era bom, porque havia muito pouca ciência no País”, afirma. “Crescemos usando uma métrica de produção voltada para a quantidade; quem publicava dez trabalhos era melhor do que quem publicava zero ou dois.”
 
“Houve uma época em que a ciência do Brasil era invisível, e cobrar a publicação de artigos era importante”, observa, também, o diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz.
 
Agora que o País já tem uma comunidade científica bem estabelecida, produzindo com regularidade, o desafio passa a ser mais qualitativo, no sentido de aumentar a originalidade e a relevância dos trabalhos publicados. O CNPq, segundo Oliva, vem promovendo mudanças sistemáticas nos seus critérios de avaliação, de forma a privilegiar a qualidade na concessão de bolsas e recursos. “Mas isso demora a permear a comunidade como um todo”, avisa ele, notando que há cerca de 100 mil pesquisadores em atividade no País, e que a cultura da quantidade está fortemente enraizada nessa comunidade.
 
O mesmo acontece na Fapesp. Segundo Brito Cruz, há um esforço sistemático para que a seleção de projetos e pedidos de financiamento submetidos à fundação seja mais baseada em conteúdo e qualidade do que em quantidade. Mas o desafio é grande: “Depende de convencer 15 mil pareceristas de que eles precisam, de fato, ler alguns dos trabalhos que o pesquisador fez, e não só fazer uma consulta na Plataforma Lattes para ver quantos artigos ele publicou. Não preciso de um assessor para contar trabalhos. Queremos pareceres que falem de substância, não só de quantidade”, afirma o físico. “Financiamento não é prêmio por currículo bonito. A primeira pergunta que tem de ser feita é: Qual é a qualidade da ciência que essa pessoa está propondo? Se a ciência for boa, aí sim, você olha para o currículo.”
 
Um dos pontos-chave para melhorar a qualidade da ciência brasileira — e, consequentemente, a colocação das universidades brasileiras nos rankings internacionais –, segundo Brito Cruz, é “proteger o tempo do pesquisador”, que hoje perde muito tempo lidando com burocracias de todo o tipo. “Esse, claramente, é um dos maiores obstáculos. Qualquer coisa que tira o foco do pesquisador vai prejudicar o desenvolvimento da ciência”, diz. Nos Estados Unidos e na Europa, as universidades têm departamentos e equipes especificamente dedicadas a “esconder a burocracia do pesquisador”, o que não ocorre nas instituições brasileiras.
 
“Lá fora também tem burocracia, claro, mas não com o peso que nós temos de carregar aqui. Lá as universidades têm uma infraestrutura especialmente voltada para cuidar disso, o que facilita tudo”, diz a presidente da SBPC e pesquisadora da Unifesp, Helena Nader.
 
Carga pesada
Além da burocracia, há a responsabilidade de dar aulas, que também ocupa boa parte da agenda dos cientistas acadêmicos brasileiros. Nas universidades de ponta norte-americanas, há uma diferenciação clara entre as funções de professor e pesquisador. A carga horária de aulas é reduzida e os professores quase sempre contam com equipes de assistentes (em geral, alunos de pós-graduação) que se encarregam das funções mais rotineiras e burocráticas dos cursos, como correção de provas, organização de projetos e transmissão de conteúdo básico. Nas universidades públicas brasileiras, não existe essa diferenciação: os professores são obrigados a dar aula, independentemente de serem pesquisadores ou não.
 
É isso que desestimula pesquisadores como o brasileiro Gabriel Victora de voltar ao País. “O mais problemático no Brasil é que o pesquisador tem de usar muitos chapéus ao mesmo tempo: de cientista, de professor, orientador, gerente de laboratório, administrador de planilhas.  Não há um suporte institucional nas universidades que te permita ser só pesquisador”, diz o gaúcho de 36 anos, que saiu do Brasil em 2006 para fazer doutorado em Nova York e nunca mais voltou. Passou cinco anos trabalhando num laboratório de ponta em imunologia da Universidade Rockefeller e, um ano e meio atrás, conquistou um dos espaços mais cobiçados na sua área de pesquisa: um laboratório próprio no Instituto Whitehead, em Cambridge, Massachusetts, um dos centros de maior excelência em pesquisa biomédica do planeta.
 
Ainda assim, ele diz que gostaria de voltar ao Brasil. “A maioria dos brasileiros que opta por ficar no exterior preferiria morar no Brasil”, diz Victora, filho de um renomado epidemiologista (Cesar Victora) da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul. O que o mantém longe da família e do país de origem são os mesmos fatores que mantêm o Brasil longe das primeiras colocações na lista de melhores universidades do mundo: a burocracia, a morosidade, a inflexibilidade, a falta de infraestrutura técnica e apoio institucional — especialmente para pesquisadores em início de carreira, como ele. “No Brasil é muito difícil ser competitivo”, diz. “Não imagino competir com laboratórios de ponta no mundo, como estou competindo agora, tendo que dar 20 horas-aula por semana e sem o apoio das ‘facilities’ que temos aqui.”  Numa universidade de pesquisa americana, segundo ele, uma carga horária de 4 horas-aula por semana “já é considerada alta”. No Instituto Whitehead, nem isso ele precisa fazer;  está livre para ser pesquisador em tempo integral.
 
As “facilities” a que Victora se refere são laboratórios técnicos de apoio que prestam serviços a universidades e outros centros de pesquisa; por exemplo, nas áreas de sequenciamento de DNA e produção de animais transgênicos — duas ferramentas básicas de pesquisa biomédica que ele utiliza regularmente no laboratório. “Eu uso muitos camundongos transgênicos que nem conseguiria produzir no Brasil”, diz Victora, que estuda processos moleculares e celulares ligados ao sistema imunológico.
 
A dificuldade para obter reagentes — que no Brasil precisam ser importados — é outro problema. “No Brasil já tive de esperar seis meses para obter um reagente. Aqui, faço o pedido e recebo em três dias”, conta Victora. “Isso não só atrasa o avanço da ciência brasileira como tem um efeito qualitativo sobre ela. No Brasil eu tinha de ser muito mais conservador; só podia fazer projetos que eu sabia que iam dar certo, porque o risco de investir numa ideia que não desse certo era muito grande. Aqui eu tenho liberdade para ousar muito mais; posso ter três ideias por semana e testar cada uma delas, porque se não der certo, o prejuízo para a pesquisa será pequeno.”
 
 
ENTREVISTA: João Grandino Rodas, reitor da USP
 
1. O que o senhor apontaria como principal diferencial da Caltech, Harvard, Stanford, MIT e outras universidades que estão constantemente no topo dos rankings internacionais? O que elas fazem que nós não estamos fazendo nas universidades brasileiras?
Os Estados Unidos da América possuem o maior contingente no âmbito das duzentas universidades melhores do mundo, consoante os rankings internacionais. Algumas das razões para tal liderança são apontadas a seguir. Esse país investe 3,1% de seu Produto Interno Bruto em educação superior, enquanto que os demais países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico investem apenas 1,5%. Os rankings privilegiam publicações em inglês, o que influencia negativamente o desempenho de outros países, mormente os da América Latina, já que poucos acadêmicos desejam ou estão aptos a publicar em língua inglesa. A maturidade ajuda as universidades mais antigas na atração dos melhores professores e estudantes, em busca da excelência acadêmica. Tanto assim que as dez universidades mais bem posicionadas do mundo foram fundadas antes de 1900. A metodologia usada pelos rankings internacionais tem como um dos principais critérios a publicação de pesquisas e, nesse quesito, a produção latino-americana ainda é pequena.
 
Apesar de o financiamento ser um obstáculo, as instituições brasileiras estão entre as mais aquinhoadas da América Latina. Assim, o maior desafio é fazer bom uso dos recursos disponíveis, aumentar a eficiência interna e a agilizar a administração, além de potencializar a habilidade de atrair os melhores talentos, tanto docentes quanto discentes.
 
Finalmente, as universidades que estão em lugares privilegiados nos rankings não sofrem ataques, tomadas, vandalismos, cadeiraços e paralisações selvagens, como as universidades públicas brasileiras. Tais paralisações minam o que uma universidade pode ter de mais precioso: sua credibilidade.
 
2. Nos EUA é muito comum universidades recrutarem professores/pesquisadores estrangeiros; assim como é comum professores/pesquisadores migrarem de uma universidade para outra ao longo da carreira, seguindo as melhores oportunidades. Veja o exemplo dos ganhadores do Nobel de Química deste ano: todos nasceram fora dos EUA mas fizeram suas pesquisas em universidades americanas, e passaram por mais de uma instituição ao longo da carreira. Por que isso não acontece no Brasil? Se a USP quisesse atrair um pesquisador de ponta da Europa para fazer pesquisa aqui, como poderia fazer isso? Seria viável? Que tipo de incentivos a universidade poderia oferecer a ele? Ele teria de prestar concurso e entrar com o salário base de qualquer outro docente?
O excesso de burocracia representa um entrave para a  contratação e a gestão de recursos humanos nas universidades públicas, incluindo aí a atração de docentes e pesquisadores estrangeiros.Nesse sentido, dada a relevância de se contar com especialistas que representem uma pluralidade de formações, experiências profissionais, acadêmicas e estilos de trabalho para o aperfeiçoamento docente e discente, foi instituído, nesta gestão, o Programa de Bolsas para Professores Visitantes Internacionais. Esse programa visa promover o desenvolvimento do intercâmbio internacional no âmbito acadêmico, científico e cultural para o fortalecimento do ensino e da pesquisa, bem como para incrementar e consolidar as iniciativas de internacionalização em curso na Universidade.
 
Outro programa importante instituído foi o de Professores Visitantes estrangeiros e Professores Colaboradores do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI-USP), visando a garantir a presença contínua desses professores em seu corpo docente. O programa consiste na concessão, a cada dois anos, de dez bolsas para professores visitantes estrangeiros e professores colaboradores admitidos no IRI-USP, que terão duração mínima de 1 (um) mês e máxima de 24 (vinte e quatro) meses.  Tal programa foi estendido para outras faculdades e institutos da USP que desejam.
 
Além disso, nos últimos três anos e meio, tem havido investimentos importantes nas ações voltadas para o ensino, a pesquisa e a extensão dos serviços à comunidade, que representam os objetivos permanentes da universidade. Recentemente, a exemplo das mais importantes universidades mundiais, a USP criou programa inédito, chamado USP Internacional, que objetiva fortalecer a presença da universidade no exterior.
 
Esse fortalecimento se dá por meio de quatro vertentes principais. A primeira delas diz respeito à promoção, implementação e consolidação de parcerias com instituições de ensino superior e setores empresariais e organizações governamentais e não-governamentais. A segunda está voltada ao apoio, incremento, agilização e expansão de iniciativas em curso ou em implantação na universidade. A terceira compreende a implantação e o gerenciamento de quatro Núcleos Internacionais da USP, em São Paulo, Boston, Londres e Cingapura. A quarta refere-se ao estabelecimento de um novo Programa de Internacionalização da USP para os próximos anos.
 
Também foi criado o programa de Bolsas de Intercâmbio Internacional para alunos de graduação, no qual mais de 2 mil alunos já tiveram ou estão tendo a oportunidade de desenvolver atividades acadêmicas em instituições estrangeiras. Trata-se de um projeto pioneiro entre as instituições brasileiras de ensino superior e abrange, também, áreas não contempladas no programa Ciência sem Fronteiras.
 
3. E se o senhor quisesse atrair um pesquisador de destaque da UFMG, por exemplo, seria viável fazer uma “oferta de emprego” a ele para migrar para a USP?
A contratação de docentes deve seguir os trâmites burocráticos regulares, que são complexos. A universidade, entretanto, tem privilegiado ações que contemplem a interdisciplinaridade de pesquisas e, consequentemente, de pesquisadores de outras instituições de ensino brasileiras.
 
Exemplo disso é o sucesso obtido pelos Cepids, que inspirou a criação de outros programas de pesquisa semelhantes, como os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), criados em 2008 pelo CNPq, e Programa de Incentivo à Pesquisa da USP, criado em 2010, e que representa o terceiro maior programa de pesquisa interdisciplinar do país. Os INCTs, os Cepids e o Programa de Incentivo à Pesquisa são três programas que diferem grandemente em sua abrangência, duração e volume de recursos empregados, mas têm várias características em comum. São ‘programas’ de pesquisa – não simples ‘projetos’ que se esgotam em si – que visam a reorganizar o trabalho de um grupo de pesquisadores e dar mais força e coerência, fazendo com que a cooperação de competências diferentes se associem para levar à produção de resultados que possam ser mais relevantes, ter mais impacto na ciência e na sociedade.
 
Lançado em 2010, o Programa de Incentivo à Pesquisa representa iniciativa inédita dentro do panorama das universidades brasileiras, no qual foram aplicados cerca de R$ 219 milhões de recursos oriundos da própria USP. As duas primeiras chamadas (2010-2011 e 2011-2012) envolveram um total de recursos da ordem de R$ 146 milhões. Uma característica essencial exigida para a submissão das propostas era a participação de pesquisadores de pelo menos duas unidades diferentes da universidade, procurando promover sua natureza interdisciplinar, garantindo aos selecionados a transformação do grupo de pesquisa em um Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP).
 
O primeiro programa de apoio à pesquisa que nós organizamos, em 2010-2011, e que deu origem aos 43 NAPs da primeira fase, teve um forte impacto nos Cepids: vários grupos de pesquisa se organizaram e foram contemplados com o financiamento da USP para os NAPs, e essa experiência serviu de base para o projeto que apresentaram, em seguida, para a Fapesp. Assim, o Programa de Incentivo à Pesquisa e os NAPs contribuíram em parte para o sucesso da USP no programa dos Cepids.
 
4. Sobre a possibilidade de a USP estar “superdimensionada” para ser uma universidade de ponta: O senhor concorda com essa colocação? O que quer dizer com isso exatamente? A USP está grande demais para o seu próprio bem? Qual seria o tamanho ideal?
Nos rankings internacionais, ao se analisar as universidades mais bem classificadas, a USP tem sido uma exceção no que tange à sua idade, abrangência, tamanho e número de alunos. É plausível a preocupação de estarmos superdimensionados para ser uma universidade de ponta, em comparação com as universidades mais bem classificadas do mundo. Na avaliação de 2012 do Q. S. Universities, fomos tidos como extra large university, o que nesse contexto não é um elogio! Não advogo, de maneira nenhuma, que os números da USP sejam diminuídos, mas simplesmente que se deixe de criar novos cursos, sem que se redimensionem os cursos antigos etc.
 
Além disso, falamos um idioma que não é internacional e estamos localizados fora do “centro do mundo”. Tais características, menos positivas, terão de ser compensadas por muito investimento e esforço de todos, para que a USP se mantenha visível entre as universidades do globo.
 
5. Sobre o ensino de aulas em inglês na graduação e a realização de processos seletivos em língua estrangeira na pós-graduação: Isso já está sendo colocado em prática? Já há cursos sendo ministrados em inglês?
Sim, várias unidades de ensino e pesquisa já estão promovendo seus processos seletivos em inglês e espanhol e algumas disciplinas dos programas estão sendo ministradas nesse idioma.
 
 
ENTREVISTA: Phil Baty, editor do Times Higher Education
 
1. Vários acadêmicos com quem conversei no Brasil disseram que não há “explicação plausível” para o fato de a USP ter caído mais de 60 posições no último ranking de universidades do THE (porque, essencialmente, nada mudou de forma tão significativa na universidade de um ano para o outro), e que isso representa uma deficiência ou “bias” na metodologia do ranking. O que o senhor pensa disso? O que mudou na USP de 2012 para 2013 para fazê-la despencar no ranking dessa forma, numa janela de tempo tão curta?
A metodologia das tabelas que usamos para produzir o ranking não mudou nos últimos três anos e ela é muito sólida; o grau de estabilidade dos resultados é muito alto. A USP sofreu uma leve queda em vários dos 13 indicadores que utilizamos: sua nota de reputação caiu tanto para a parte de ensino quanto de pesquisa, e também sua nota para o maior de todos os indicadores, que é impacto da produção científica (medido pelo número de citações dos trabalhos publicados). Nessa área extremamente ‘congestionada’ da tabela na qual a USP se encontra, pequenas quedas nas notas podem ter um efeito bastante significativo, especialmente se elas ocorrem numa variedade de indicadores. Nessa corrida global e extremamente competitiva para o topo da lista, mesmo ficar parado não é suficiente, pois outros países continuam a crescer rapidamente.
 
2. Em termos mais genéricos, o que as universidades brasileiras precisam fazer para melhorar no ranking? O que a Caltech, Harvard, MIT e outras universidades no topo da lista estão fazendo que nós não estamos? Qual é o segredo do sucesso delas, por assim dizer?
Um desafio chave para o Brasil é aumentar o impacto da sua produção científica. O país tem núcleos de excelência em algumas áreas de pesquisa, mas não o suficiente. A ciência brasileira está aparecendo mais nas melhores revistas internacionais, mas pouco dessa ciência está sendo compartilhada ou citada globalmente para realmente avançar as fronteiras do conhecimento. Além disso, as instituições brasileiras sofrem mais com ‘red tape’ (burocracia) e um sistema de controle centralizado, comparado à autonomia total de que desfrutam as melhores universidades dos EUA e da Grã-Bretanha, que as torna mais flexíveis e dinâmicas para avançar.
 
3. Muitos aqui apontam para a barreira linguística como um dos principais obstáculos para o avanço internacional das universidades brasileiras. O senhor concorda? É obrigatório falar inglês na sala de aula para se ter sucesso globalmente?
A língua é uma questão chave. As universidades asiáticas que estão em ascensão, por exemplo, adotaram o inglês tanto para o ensino quanto para a pesquisa. É a língua universal de comunicação acadêmica, indispensável para universidades com uma visão global que queiram participar desse diálogo.
 
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