20/05/2016

Unicamp 50 Anos

Origens do produtivismo acadêmico e o caminho do impacto social do conhecimento

Texto produzido especialmente para o Seminário 50 anos Unicamp, realizado em 28 de abril de 2016

Thomaz Wood Jr., professor titular da FGV-EAESP, Unicamp (turma 1977)
e-mail: thomaz.wood@fgv.br
 
Introdução
Nos últimos anos, parece ter crescido a preocupação com o papel e a contribuição social das instituições de ensino superior para a sociedade. Esta preocupação foi acompanhada da proliferação de debates e da publicação de textos relacionados ao impacto social do conhecimento e da pesquisa. Nesses debates, tem recebido destaque as críticas ao chamado produtivismo acadêmico, entendido como um sistema voltado para a produção científica em massa, análogo ao fordismo. O mesmo termo é também frequentemente definido como um tipo de mentalidade ou comportamento orientado para o aumento quantitativo da produção científica, em detrimento da qualidade e relevância do que é gerado. Dessa forma, o produtivismo pode ser entendido tanto como uma questão relacionada ao sistema quanto uma questão referente ao indivíduo.
 
Neste ensaio eu abordo tais temas, os quais eu considero interligados e parte de um todo. Trato, especificamente, do caso do campo prático e científico da Administração de Empresas, área na qual desenvolvi parte considerável de minha carreira acadêmica e profissional. Por isso, é conveniente mencionar que se trata de caso único e específico, cujos desenvolvimentos lhes são peculiares e cujas conclusões não são generalizáveis. Ainda assim, espero que o leitor de outros campos científicos possa encontrar paralelos com outras áreas do conhecimento.
 
O texto está organizado em quatro seções, além dessa introdução. A segunda seção situa brevemente o desenvolvimento do campo prático e científico da Administração, de forma a criar o pano de fundo para a análise da situação atual. A terceira seção situa as três principais críticas presentes em discussões sobre este campo. A quarta seção indica uma possível resposta às críticas, centrando a discussão na questão do impacto social da pesquisa. A quinta seção apresenta a conclusão do ensaio e sugere algumas direções para futuras reflexões sobre o tema.
 
Um século de história
A Administração de Empresas tem pouco mais de um século de existência. As primeiras escolas de Administração surgiram nos Estados Unidos, em Boston (a Harvard Business School) e na Filadélfia (a Wharton Business School) no início do século XX. Trata-se de uma história de sucesso estadunidense, embora modelos similares tenham também surgido em países europeus no mesmo período.
 
Rakesh Khurana, um professor e pesquisador de origem indiana, radicado nos Estados Unidos, autor do livro From Higher Aims to Hired Hands: The Social Transformation of American Business Schools and the Unfulfilled Promise of Management as a Profession, observa que a nova profissão nasceu inspirada por altos padrões morais. De forma similar à medicina, visava formar profissionais capazes de pautar suas ações pela busca do bem comum e do progresso humano. O próprio autor relata com amargura a frustração desses objetivos, ocorrida nas últimas décadas. Tal frustração fica patente em denúncias sobre a “mercadorização” da profissão do administrador e sobre o envolvimento de adminsitradores nos escândalos financeiros que ocorreram a partir da década de 1990.
 
O período de expansão econômica e crescimento das empresas, o qual se seguiu ao término da Segunda Guerra Mundial, contribuiu significativamente para o aumento da demanda por administradores. No final dos anos 1950, o curso de Administração já era um dos mais populares dos Estados Unidos. O modelo havia sido exportado para a Europa e também para o Brasil. Em nosso país, o primeiro curso de Administração de Empresas foi criado em 1954, pela Fundação Getúlio Vargas, com a inauguração da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP). Significativamente, a criação do curso ocorreu com apoio de uma instituição de ensino norte-americana: a Michigan State University.
 
Apesar do sucesso aparente, ainda na década de 1950, nos Estados Unidos, consolidou-se a percepção segundo a qual o modelo continha fragilidades importantes. Um amplo estudo, patrocinado pela Fundação Ford, identificou: primeiro, que os currículos de Administração eram restritos e simplórios; segundo, que professores e alunos tinham nível insuficiente de formação escolar; e, terceiro, que o ensino era fundamentalmente conduzido por “práticos”, profissionais que baseavam suas aulas em sua vivência empresarial, frequentemente restrita a uma única organização.
 
Com base na pesquisa, os autores, Robert Aaron Gordon e James Edwin Howell, fizeram diversas sugestões para tratamento dos pontos de atenção identificados. Três dessas sugestões podem ser destacadas: em primeiro lugar, o fomento da atividade de pesquisa, de forma a dar maior base científica para o trabalho do administrador; em segundo lugar, a redução do uso de casos práticos e o aumento do uso de teorias e de análises científicas; e, em terceiro lugar, o incentivo à inclusão de temas relacionados a humanidades no currículo, inclusive ética.
 
O influente relatório da Fundação Ford foi um divisor de águas na história do campo científico da Administração. As ações que se seguiram catalisaram o crescimento da comunidade acadêmica, com o aumento de pesquisadores, de eventos científicos e de publicações. Outro exemplo significativo de consequência das mudanças foi o crescimento dos manuais de Administração, dedicados às diversas subáreas do campo: Finanças, Marketing, Recursos Humanos, Operações, Gestão, Comportamento Organizacional etc. Tais manuais passaram a sintetizar o estado da arte das subáreas da Administração de Empresas, criando uma ponte entre a pesquisa e a prática, por meio do ensino.
 
Hoje, os números do campo são significativos. Tomando-se as mais reconhecidas listas, podem ser identificados cerca de 2.800 periódicos qualificados publicados pelo campo científico da Administração. Estima-se que tal conjunto de revistas veicule um número próximo a 100 mil artigos científicos por ano. No Brasil, os números são também significativos, atestando a vitalidade da comunidade acadêmica. Com base em dados de 2015, temos 78 programas de mestrado e/ou doutorado, gerando cerca de 300 teses e de 1.400 dissertações por ano. Nos 24 eventos relacionados ao campo são apresentados cerca de 4.000 artigos por ano. E nos 80 periódicos relacionados ao campo são veiculados cerca de 2.000 artigos por ano. Os números impressionam; especialmente se considerarmos que se trata de uma história de poucas décadas.
 
Entretanto, cabe a pergunta: o desenvolvimento do campo científico da Administração de Empresas é de fato uma história de sucesso? Diretores de escolas de Administração, presidentes de organizações científicas e gestores de agências de fomento frequentemente disseminam discursos positivos e ufanistas sobre essa trajetória. E, de fato, há de se reconhecer a vitalidade e evolução do campo. Entretanto, há um crescente desconforto com o “estado das coisas”.
 
Este desconforto vem sendo manifestado há mais de 15 anos por notáveis do campo, inclusive presidentes de associações de pesquisadores, como a Academy of Management, a maior e mais relevante instituição do campo. Neste texto, tratarei, a partir da próxima seção, de três aspectos da crítica: os aspectos interligados da baixa relevância para a prática e da baixa relevância para a ciência; e a questão da orientação produtivista.
 
Um olhar crítico
Inicio esta seção tratando dos aspectos interligados da baixa relevância para a prática e da baixa relevância para a ciência. A primeira crítica – baixa relevância para a prática – tem sido objeto de reflexão de um corpo crescente de pesquisadores. O foco em pesquisa, fomentado originalmente pela Fundação Ford, parece ter criado uma torre de marfim, um sistema autoreferenciado, sustentado por eventos, revistas, sistemas de incentivo e modos de carreira que isolam os pesquisadores da prática.
 
Com isso, a pesquisa em Administração de Empresa rumou para a superespecialização, para a fragmentação e para o hermetismo, refletindo cada vez mais o interesse dos próprios pesquisadores, em detrimento do tratamento de questões relevantes para as organizações. Tal condição é especialmente crítica, considerando-se que a Administração de Empresas é uma ciência aplicada. Além disso, percebe-se que o foco crescente em pesquisa ocorre em detrimento do foco em ensino e aprendizagem, atividade essencial para as instituições do campo.
 
Em um texto publicado na revista Organization em 2012, o renomado pesquisador sueco Mats Alvesson pergunta logo no título: nós temos realmente algo a dizer? No corpo do artigo, Alvesson estabelece uma crítica sistemática sobre a orientação interna, a hiperespecialização e a baixa relevância da produção científica em Administração de Empresas. Em certo ponto do texto, traz ao leitor um dilema moral, lembrando que o custo de um pesquisador em uma escola de negócios pode significar uma enfermeira a menos em um hospital ou um professor a menos em uma escola fundamental.
 
Andrew M. Pettigrew, um conhecido pesquisador inglês, influente nas mudanças do ambiente de pesquisa institucional britânico, vêm chamando a atenção para o que denomina como duplo desafio a ser enfrentando pelos pesquisadores: a busca do rigor, aliada à busca da relevância. Rigor refere-se ao apuro metodológico, à correção dos métodos e procedimentos empregados e à confiabilidade dos resultados obtidos. Relevância refere-se à contribuição, ou potencial contribuição, para a ciência e/ou para a prática administrativa.
 
A figura 1 representa este duplo desafio. Se uma pesquisa apresenta rigor e relevância baixos, pode-se considerá-la pueril, um mero trabalho de iniciação. Se uma pesquisa apresenta rigor alto e relevância baixa, pode-se denominá-la como pedante, por se tratar de trabalho sem preocupação em constituir uma contribuição para a prática. Ao contrário, se uma pesquisa apresenta rigor baixo e relevância alta, pode-se classificá-la como populista, porque, embora trate de tema com potencial impacto, não o faz com a correção metodológica necessária para constituir uma contribuição confiável. Finalmente, se a pesquisa apresenta rigor e relevância altos, então realmente se trata de um trabalho substantivo, capaz de gerar impacto.
 
Figura 1: Diagrama rigor versus relevância
Adaptado de: Hodgkinson et al. (2001)
 
Isso nos leva a considerar a segunda crítica, relacionada à baixa relevância para a ciência, em conjunto com a primeira crítica, relacionada à baixa relevância para a prática. No início da década de 2.000, coordenei junto com colegas um amplo estudo sobre a evolução da produção científica em Administração no Brasil na década de 1.990. O trabalho resultou em uma coletânea. Os capítulos continham análises sobre as diversas áreas da Administração, realizadas pelos mais experientes pesquisadores do campo. De forma geral, as análises apontaram para um campo ainda em fase inicial de desenvolvimento, com baixa orientação para a prática, utilizando extensivamente referenciais importados e produzindo pesquisas com lacunas metodológicas. Enfim, produzíamos ciência pueril.
 
No início da década de 2.010, coordenei junto com outro grupo de colegas um novo estudo sobre a evolução da produção científica em Administração no Brasil, desta vez na década de 2.000. Os textos gerados, também escritos por experientes pesquisadores de diversas áreas da Administração, foram publicados na forma de fórum na RAE-Revista de Administração de Empresas. As análises mostraram, de forma geral, a evolução quantitativa e qualitativa do campo da Administração no Brasil. No entanto, constataram a permanência de lacunas relacionadas ao rigor e à relevância. Em suma, continuamos a produzir ciência pueril, talvez um pouco menos pueril que uma década antes.
 
Além disso, pode-se constatar com preocupação que os esforços em curso não apontam para a construção de uma ciência substantiva, mas para o fomento da ciência pedante, cada vez mais alinhada com a produção científica internacional, esta mesma frequentemente criticada pelo seu afastamento da realidade organizacional. De fato, nossos sistemas de avaliação e incentivo, instituídos com a participação da própria comunidade acadêmica, levaram, em um primeiro momento, para o aumento quantitativo da produção científica. Agora, buscam privilegiar a qualidade, porém entendida como rigor. Com isso, a dimensão da relevância continua sem ter a ênfase necessária.
 
Surge deste quadro a crítica à orientação produtivista dada à produção científica. Para os colegas que vêm articulando tal crítica, os sistemas institucionais de avaliação e controle parecem ter como objetivo transformar a academia em uma “fábrica de sardinhas”, nas quais impera a lógica “quanto mais artigos, melhor”. Assim, muitos pesquisadores assinam trabalhos de seus doutorandos e mestrandos para inflar artificialmente sua produção científica. Outros empregam uma lógica de “ciência salame”, na qual cada pesquisa é dividida artificialmente em partes para alimentar várias publicações.
 
Paradoxalmente, algumas “práticas industriais” vêm da própria ciência administrativa, sendo adotadas no âmbito de programas e iniciativas para modernização da gestão e aumento da produção científica. Ocorre que muito do que é adotado por instituições de ensino superior relaciona-se a teorias e técnicas antigas de gestão, frequentemente superadas. Outras têm origem no chamado pop-management, um fenômeno que surgiu nos anos 1.990, que está para a ciência administrativa assim como os manuais simplórios autoajuda estão para os textos sérios de psicologia.
 
Curiosamente, o estado da arte em Administração raramente é adotado por gestores de sistemas de educação superior. Existem conhecimentos, teorias, modelos e princípios notáveis em Administração. Eles envolvem tópicos de grande interesse, tais como estratégia, estrutura organizacional, cultura organizacional, gestão da mudança, sentidos do trabalho e muitos outros. Porém, são frequentemente ignorados.
 
No Brasil, a pressão para o aumento e internacionalização da produção científica no campo da Administração começou a ser sentido com mais força a partir do início da década de 2.000. Em diversas instituições de ensino e pesquisa, tal pressão encontrou um corpo docente com baixa produção científica, orientação para a criação de livros didáticos ou de textos destinados a executivos, e foco prioritário no ensino de cursos regulares e de programas de educação executiva.
 
A pressão para publicação gerou três tipos de reação: negação, adoção cerimonial e adoção criativa. No primeiro caso, diversos professores passaram a negar a pertinência das mudanças e a resistir a elas. Alguns desses professores foram induzidos a deixar os programas de pós-graduação. No segundo caso, muitos professores adotaram comportamentos “para inglês ver”, como os descritos acima, pretendendo com isso simular uma adaptação ao novo status quo, sem, no entanto, realizar mudanças substantivas. Finalmente, alguns professores fizeram uma leitura crítica sobre o novo ambiente institucional e adequaram-se seletivamente a ele, adotando algumas práticas e recriando outras.
 
Penso que o contexto é, de forma geral, preocupante. Acredito que, no campo científico da Administração, assim como em muitos outros campos, experimentamos uma evolução significativa nos últimos 20 anos. Porém, falta muito a caminhar e a direção tomada pela comunidade pode ser equivocada. Inquieta-me especialmente o comportamento de jovens pesquisadores, formados no novo ambiente institucional. Muitos deles parecem ter adotado, sem questionar, uma postura puramente instrumental: preocupam-se mais com suas publicações do que com suas pesquisas, discutem mais sobre meios para veicular seus trabalhos do que sobre o impacto que suas investigações possam vir a gerar.
 
O impacto social do conhecimento
Há uma luz no fim do túnel? Penso que sim: tal luz volta a iluminar a antiga questão do impacto social do conhecimento. De fato, os debates que vêm ocorrendo sobre tal tema no âmbito da academia internacional, acompanhados por fóruns e publicações, vêm também sendo acompanhados por políticas e diretrizes. A Association to Advance Collegiate Schools of Business (AACSB), uma associação global de escolas de negócios, com sede nos Estados Unidos, muito influente junto à comunidade, publicou em 2007 o relatório de um grupo tarefa sobre o impacto da pesquisa, com o objetivo de fornecer um guia para as instituições filiadas. A European Foundation for Management Development (EFMD), uma congênere europeia, vêm também divulgando um modelo para avaliação do impacto de instituições de ensino e pesquisa.
 
Impacto social do conhecimento pode ser definido como um benefício resultante de atividades de uma instituição de ensino e pesquisa: para a ciência, para as organizações e para a sociedade em geral. Não existem ainda modelos maduros para a orientação e a avaliação do impacto social de instituições de ensino e pesquisa. No entanto, em Administração, quatro dimensões podem ser destacadas: contribuição para a ciência, formação de quadros, contribuição para políticas públicas (especificamente para Administração Pública) e contribuição para práticas empresariais.
 
Uma discussão emergente dentro desse contexto é a questão dos modos científicos de produção, que vem associada à questão: qual modo de produção científico seria o mais adequado ou eficaz para gerar impacto social? Assim, uma corrente significativa de trabalhos vêm contrapondo o modelo tradicional de produção do conhecimento, denominado como Modo 1, a um modelo alternativo de produção do conhecimento, denominado como Modo 2. No Modo 1, o tema de pesquisa é definido no âmbito acadêmico, dentro de uma disciplina ou domínio de conhecimentos, foca uma publicação científica e busca a relevância para a comunidade acadêmica. No Modo 2, a pesquisa é definida com a participação de atores sociais, é multidisciplinar, foca o impacto social do conhecimento gerado e busca a relevância para a sociedade e para as organizações.
 
A EAESP iniciou, há mais de 25 anos, a implementação de um sistema de pesquisa aplicada, o qual conta hoje com cerca de 150 professores organizados em 16 centros de estudos. Tal sistema segue o Modo 2. A figura 2 mostra o fluxo genérico para geração de conhecimento adotado neste sistema. Neste modelo, a identificação de temas e a pesquisa são realizadas por pesquisadores em colaboração com atores sociais. Além da pesquisa, a consolidação do conhecimento existente tem notável peso, pois facilita o passo seguinte, de disseminação. Tal passo ganha relevância, em relação ao Modo 1, pois aumenta o potencial de impacto social. Finalmente, dá-se também grande ênfase para a etapa de mobilização de atores sociais, essencial para fazer com que o conhecimento gerado ou organizado cumpra seu papel de mudar visões, influenciar agendas e gerar mudanças sociais ou organizacionais.
 
Seguem alguns exemplos: o Centro de Estudos de Logística (GVcelog) vem desenvolvendo, em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) um estudo voltado para identificar gargalos e barreiras às exportações brasileiras, visando aperfeiçoar práticas e eventualmente influenciar políticas para o setor; o Centro de Estudos de Administração Pública e Governo (CEAPG), por sua vez, vem atuando intensamente com líderes comunitários e organizações sociais da região de M’Boi Mirim, em São Paulo, visando mapear serviços públicos, definir indicadores e contribuir para a melhoria de políticas públicas; e o Centro de Estudos de Sustentabilidade (GVces) desenvolveu, em parceria com o BNDES, uma ferramenta de cálculo das emissões de gases de efeito estufa que podem ser evitadas em projetos e empreendimentos que possam amenizar os problemas do clima. Com a aplicação da ferramenta, os analistas de crédito do BNDES conseguem fazer rapidamente uma análise financeira e também ambiental dos recursos desembolsados no Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o que facilita a atração de doadores para o programa.
 
Figura 2: Processo de geração de conhecimento – Modo 2
 
Estes, e muitos exemplos, atestam a possibilidade de realizar pesquisas orientadas para a geração de impacto social, ainda que parcialmente à margem do sistema oficial, baseado no Modo 1 e orientado mais fortemente para a geração de publicações em revistas científicas de alto nível. É interessante notar que, ao contrário dos pesquisadores que trabalham dentro do Modo 1, que parecem exigir orientação instrumental mais forte e tendência a adotar comportamentos associados ao produtivismo, aqueles que trabalham em modelos mais próximos do Modo 2 parecem orientar-se mais fortemente para a produção de trabalhos de relevância e para a geração de impacto social.
 
Conclusão
Porque fazemos pesquisa da forma como fazermos pesquisa? O filme Experimenter (2015), escrito e dirigido por Michael Almereyda, talvez forneça uma pista para respondermos esta questão. A obra retrata a vida do psicólogo social norte-americano Stanley Milgram, famoso pelo experimento que leva seu nome. Peter Sarsgaard interpreta o pesquisador. O experimento Milgram sobre obediência à autoridade foi originalmente realizado na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, em 1961. Focava a disposição dos indivíduos de responder às ordens de um instrutor que os levava a realizar uma tarefa que conflitava com sua consciência e com seus valores.
 
No experimento, dois voluntários recebiam instruções: um deles seria o professor e o outro seria o aprendiz. Eles eram colocados em salas separadas e se comunicavam apenas por um sistema interno de áudio. O professor ficava acompanhado pelo responsável pelo experimento. O aprendiz ficava sozinho. O professor passava pequenas tarefas orais para o aprendiz. Caso este último não conseguisse completar uma tarefa, recebia um choque elétrico. Os choques tinham sua intensidade aumentada conforme o número de erros crescia. Ocorre que o aprendiz não era de fato um voluntário, mas um cientista que fazia o papel de voluntário, errava deliberadamente os testes e fingia receber choques cada vez mais fortes, simulando sofrimento e até mesmo induzindo o professor a pensar que havia desfalecido.
 
No decorrer do teste, muitos professores exibiam incomodo pelo andamento do processo, mas eram friamente instruídos pelo responsável do experimento a continuar. Geralmente, completavam o protocolo. Vários professores demonstravam nervosismo e alguns indicavam a intenção de interromper o experimento. No entanto, uma vez confrontados com a autoridade do responsável, que os informava que não seriam responsáveis pelas consequências, prosseguiam.
 
Milgram, que tinha origem judaica, recebeu seu PhD em psicologia social em Harvard e concebeu o experimento de obediência à autoridade em resposta à questão relacionada à postura do notório criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann, que durante seu julgamento afirmou que estava apenas seguindo ordens. Segundo o próprio cientista: “Pessoas comuns, simplesmente fazendo seu trabalho, e sem qualquer animosidade pessoal, podem se tornar agentes de processos terrivelmente destrutivos. Além disso, mesmo quando os efeitos destrutivos de seu trabalho se tornam completamente claros, e eles são orientados a continuar ações incompatíveis com padrões fundamentais de moralidade, relativamente poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade”.
 
O cientista foi centro de polêmica sobre a natureza de seu experimento e sobre seus resultados. Gerou incomodo por ter provado que a maioria das pessoas não sabe diferenciar se está agindo por vontade própria ou meramente respondendo à autoridade. Em certas condições, indivíduos passam a perceber a si mesmo apenas como uma engrenagem de um sistema maior, sob o qual não têm influência, mas no qual têm um papel. O filme de Almereyda merece ser visto em conjunto com a belo retrato de Hannah Arendt, levado às telas por Margarethe von Trotta em 2012, com Barbara Sukowa interpretando a notável pensadora.
 
Manohla Dargis, crítica do jornal The New York Times, observou que Experimenter trata da história de um homem cujo trabalho foi destinado à posteridade, por expressar uma verdade que ainda é válida nos dias de hoje, inclusive na Academia, ambiente no qual professores e pesquisadores parecem se conformar complacentemente à voz de autoridade, por mais anacrônica que suas instruções pareçam.
 
Textos referenciados
AACSB – The Association to Advance Collegiate Schools of Business (2008). Impact of research task force. Final Report of the AACSB International. Tampa, Florida: AACSB International.
 
AACSB – The Association to Advance Collegiate Schools of Business (2012). Impact of Research: A Guide for Business Schools. Tampa, Florida: AACSB International.
 
Alvesson, M. (2012) Do We Have Something to Say? From Re-search to ROI-search and Back Again. Organization 20(1): 79-90.
 
Bertero, C.O.; Vasconcelos, F.C.; Binder, M.P.; Wood Jr., T. (2013). Produção Científica Brasileira em Administração na Década de 2000. Revista de Administração de Empresas 53 (1): 12-20.
 
Bertero, C.O.; Caldas, M.P.; Wood Jr., T. (1999). Produção Científica em Administração de Empresas: Provocações, Insinuações e Contribuições para um Debate Local. Revista de Administração Contemporâne 3 (1): 147-178.
 
EFMD (2013). BSIS: Business School Impact Survey – BSIS Process guidelines. Disponível em . Acessado em 10 de fevereiro de 2014.
 
Gordon, R.A.; Howell, J.E. (1959) Higher Education for Business. New York: Columbia University Press.
 
Hodgkinson, G.P. et al. (2001). Re-aligning stakeholders in management research: Lessons from industrial, work and organizational psychology. British Journal of Management 12: 41-18.
 
Khurana, R. (2007). From Higher Aims to Hired Hands: The Social Transformation of American Business Schools and the Unfulfilled Promise of Management as a Profession. Princeton, NJ: Princeton University Press.
 
Lima, F. M. R.; Wood Jr., T. (2014). The social impact of research in business and public administration. RAE – Revista de Administração de Empresa, 54(4), 458-463.
 
Pettigrew, A.M. (1997). The Double Hurdles for Management Research. In Clarke T (Ed.) Advancement in Organizational Behaviour: Essays in Honour of D. S. Pugh. London: Dartmouth Press.
 
Pettigrew, A.M. (2011). Scholarship with Impact. Journal of Management 22: 347-354.