07/08/2013

Internacionalização

Corrida por parcerias acadêmicas rentáveis põe laços entre EUA e Europa em segundo plano

"Os chineses tendem a se mover rapidamente. Chegam e depois de uns poucos minutos já vão dizendo: 'Estamos aqui para encontrar parceiros para A, B, C e D'. Não vemos isso em instituições de outros lugares do mundo", diz o dirigente de uma universidade americana

Jason Greene [The Chronicle]
A crise econômica na Europa e nos Estados Unidos está enfraquecendo os laços históricos entre universidades dos dois lados do Atlântico, ao mesmo tempo em que instituições de países emergentes, em especial da China, assumem protagonismo cada vez maior no estabelecimento de vínculos com a academia do Velho Mundo. A tendência foi objeto de artigo de Beth McMurtrie (Is Europe Passé?), publicado no periódico americano The Chronicle of Higher Education.
 
Enquanto as nações asiáticas continuam a investir em ensino superior como indutor de desenvolvimento, os orçamentos europeus para a área foram vítimas do facão de governos às voltas com a recessão econômica. Com poucas exceções – como Alemanha –, as instituições sentem falta dos cofres recheados indispensáveis para tocar adiante atividades internacionais mais ambiciosas.
 
Ouvida pelo Chronicle, Ellen Hazelkorn, vice-presidente de pesquisa do Instituto de Tecnologia de Dublin, Irlanda, afirma que sua instituição está em busca de "gás novo" – um gás que viria dos emergentes. Herbert Grieshop, diretor do Centro para Cooperação Internacional da Universidade Freie, Berlim, complementa: "Para nós é muito mais fácil encontrar parceiros em países em desenvolvimento, que estão mais ávidos para se vincular estrategicamente conosco, do que nos EUA."
 
Agências governamentais norte-americanas também direcionaram sua atenção para "novos mercados" (distantes da Europa). Nos últimos anos, nasceram programas para enviar milhares de estudantes à China ou à América Latina; fortalecer os vínculos entre universidades indianas e americanas; estabelecer programas de intercâmbio entre a Indonésia e os EUA; ou para criar um quadro de acadêmicos que sejam fluentes nos chamados "idiomas críticos", como árabe e mandarim. Enquanto isso, foi suspenso o programa Atlantis, que semeava parcerias entre universidades europeias e americanas.
 
Universidades americanas, por seu turno, prospectam alunos estrangeiros que possam pagar 100% das despesas. Ou parceiros institucionais que tenham condições de financiar projetos de pesquisa, contribuindo, assim, para que se fechem as contas arrochadas por cortes orçamentários. "Todos nós estamos atrás dessas fontes de receita, e essa busca está nos dirigindo a outras partes do mundo", diz William Brustein, responsável por estratégias globais e assuntos internacionais da Universidade Estadual de Ohio.
 
(Um problema adicional, dizem os diretores de intercâmbio internacional, é que as universidades dos EUA estão partindo do pressuposto de que ir à Europa está mais para turismo do que para imersão cultural: a Europa não é "suficientemente diferente", todo mundo fala inglês, há muitos americanos circulando por lá etc.)
 
O bem-vindo dinheiro asiático
Uma população jovem em rápido crescimento, combinada com uma classe média ascendente, levou a uma explosão de matrículas de chineses em faculdades americanas. (A esse respeito, leia o artigo A febre do estudo no exterior entre os estudantes chineses, de Zha Qiang, publicado no International Higher Education nº 69 / Ensino Superior nº 7, outubro-dezembro de 2012).
 
Entre 2000 e 2011, o número de estudantes vindos da China, Índia e Coréia do Sul mais do que dobrou, para aproximadamente 367 mil. Somando todos os países da Europa, o total em 2011 não passaria de 85 mil, contabiliza o artigo do Chronicle.
 
Mas não se trata apenas de estudantes. Delegações oficiais chinesas, em particular, estão "desembarcando aos montes" nos Estados Unidos, escreve McMurtrie, e desembarcam ávidas por "casamentos arranjados". Parcerias em pesquisa, intercâmbio docente, titulação dupla ou conjunta – tudo está sobre a mesa de negociação.
 
"Os chineses tendem a se mover rapidamente", diz Roger Brindley, vice-presidente associado para programas acadêmicos globais da Universidade do Sul da Flórida. "Chegam e, depois de uns poucos minutos para falar 'olá', já vão dizendo: 'Estamos nos Estados Unidos a fim de encontrar parceiros para A, B, C e D'. Não vemos isso em outras instituições de outros lugares do mundo."
 
O esforço chinês foi recompensado: em um levantamento de 2011, instituições americanas listaram a China como sua principal parceira para titulação dupla ou conjunta, superando países que historicamente mantêm esse tipo de vínculo com os Estados Unidos, como Alemanha e França.
 
Processo de Bolonha
Durante o boom asiático, a Europa também estava ocupada internacionalizando suas universidades. Mas, nesse caso, o foco era distinto: tornar mais próximas as instituições da União Européia e encorajar a mobilidade no interior da região, não necessariamente fora dela. O Processo de Bolonha, iniciado em 1999, alinhou sistemas de ensino superior do continente até então díspares. O efeito colateral foi transformar o estudo nos EUA menos atraente, porque encurtou a graduação européia para três anos, e o mestrado para um. Por que um estudante europeu iria se transferir aos EUA e gastar mais tempo, sem falar no custo financeiro?
 
"Eu tenho tentado frequentemente recrutar estudantes da Europa, e isso é sempre um processo difícil", diz Elias Carayannis, professor de ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo na Universidade George Washington. Ao mesmo tempo, Carayannis diz ser "bombardeado" por e-mails de estudantes chineses. E os chineses trazem na bagagem bolsas de estudo governamentais.
 
Terceira via
Carayannis compara as universidades americanas a empresas. A "hipercompetição" na índústria de ensino superior, ele avalia, lançou as instituições na busca de ganhos de curto prazo, ganhos encontrados em mercados como o chinês. Mas elas não estariam refletindo sobre sustentabilidade de longo prazo.
 
Segundo o Chronicle, alguns observadores têm apontado para uma terceira via, aos poucos reconhecida por universidades dos dois lados do Atlântico: parcerias multilaterais. A Washington University, por exemplo, está ampliando sua lista de parceiros internacionais para instituições da Holanda, Hungria e Turquia, além do Chile e do Brasil (Unicamp).
 
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