14/10/2011

Mapa institucional

As Classificações Carnegie: uma breve introdução

Chun-Mei Zhao
Ex-diretora das Classificações Carnegie na Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching
É diretora do consórcio internacional Student Experience in Research University (SERU)
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Em 1973, atendendo a uma grande demanda da área, a comissão publica sua primeira listagem classificatória das instituições, com o objetivo de auxiliar as pesquisas sobre o ensino superior. Foi um sucesso imediato As Classificações Carnegie de instituições de ensino superior são uma série de tipologias de faculdades e universidades nos Estados Unidos que agrupam instituições comparáveis dentro de uma categoria, e instituições dissimilares em categorias diferentes. É um método essencial para reconhecer, descrever e organizar a atual diversidade de instituições e proporciona uma visão mais ampla do sistema de ensino superior. É particularmente crucial para o sistema de ensino superior dos EUA, um sistema complexo que seguramente conta com mais de 4.500 instituições credenciadas, todas elas concedendo diplomas (técnicos e de níveis superiores), e uma gama cada vez maior de provedores que oferecem um grande número de nichos específicos. O sistema das Classificações Carnegie garante um conjunto essencial de conceitos que possibilitam estudar o sistema de ensino superior e suas instituições. Esse artigo é uma breve visão geral da história das Classificações Carnegie, do seu uso, dos desafios enfrentados, e das mudanças sistemáticas observadas durante as duas mais recentes atualizações das classificações.
 
UMA BREVE HISTÓRIA
A Classificação Carnegie foi originalmente desenvolvida no início da década de 1970 pela então Carnegie Commission on Higher Education, e o propósito do empreendimento foi direto, visando benefício próprio. Na época, a Comissão Carnegie conduzia de maneira sistemática e em larga escala uma série de estudos sobre o ensino superior que exigiam uma visão mais sofisticada e abrangente para possibilitar o ordenamento e o agrupamento das instituições em vários tipos, para fins de amostragem e debate. No entanto, à época, os Estados Unidos não possuíam um sistema abrangente e sofisticado de classificação das instituições de ensino superior. Existiam apenas classificações simples baseadas no tipo de administração (pública, privada), duração (dois anos, quatro anos), e nível de graduação oferecido (bacharelado, mestrado, doutorado), e se as mesmas eram credenciadas (Douglass, 2006). Esses critérios de classificação eram demasiadamente simples e não atendiam às necessidades analíticas da comissão. Sem uma classificação sistemática, a análise necessária dos estudos nacionais da comissão era difícil de realizar e não alcançava a profundidade desejada.
 
A Classificação Carnegie surgiu como ferramenta descritiva, sem realizar julgamento a respeito da importância relativa, do valor, da qualidade de cada uma das categorias de instituições Para superar o desafio, a comissão criou um sistema de classificação próprio. A nova classificação usava dados empíricos para identificar critérios significativos e intuitivos que criassem agrupamentos relativamente homogêneos de instituições, no que diz respeito às suas funções, assim como às características dos alunos e dos professores. A classificação dividiu as instituições de ensino superior em várias categorias: universidades que oferecem doutorado, universidades e faculdades abrangentes, faculdades de artes liberais, faculdades e institutos oferecendo cursos com duração de dois anos, escolas técnicas e outras instituições especializadas. Cada categoria foi então dividida em subcategorias. Os critérios de classificação incluem uma série de medidas como tamanho, nível de graduação oferecido, abrangência da missão, formação de Ph.D. e financiamento de pesquisas.
 
Em 1973, atendendo a uma grande demanda da área, a comissão publica sua primeira listagem classificatória das instituições, com o objetivo de auxiliar as pesquisas sobre o ensino superior. Foi um sucesso imediato e, desde então, tem sido utilizada amplamente por diversas organizações. Como se sabe, as instituições não são estáticas – ao longo dos anos, novas instituições são fundadas, enquanto outras, já existentes, acabam; outras ainda se modificam e passam a funcionar segundo moldes diferentes. As várias mudanças delineiam novos contornos no sistema de ensino superior. Para acompanhar tais alterações, a classificação foi periodicamente atualizada – em 1976, 1987, 1994, 2000, 2005 e 2010, com base nos dados mais recentes de cada período.
 
UTILIZAÇÕES DA CLASSIFICAÇÃO — INTENCIONAIS E NÃO INTENCIONAIS
A Classificação Carnegie surgiu como uma ferramenta descritiva, com o intuito de fazer um inventário dos elementos que compõem o sistema de ensino superior, sem realizar nenhum tipo de julgamento a respeito da importância relativa, do valor, da qualidade ou da quantidade de cada uma das categorias de instituições. Também proporciona uma referência para examinar mudanças no longo prazo, em nível sistêmico. Seu valor consiste em ser uma ferramenta analítica muito útil para colher amostras e fazer relatórios a respeito do corpo estudantil e docente de cada instituição e interpretar informações a respeito das instituições do sistema como um todo. Por fim, é uma ferramenta eficiente para identificar instituições semelhantes — estabelecendo uma referência externa para se compreender o estado atual de cada instituição – bem como apontar áreas cruciais que necessitam de atenção, e orientar o desenvolvimento de políticas administrativas.
 
A classificação é também utilizada como uma importante ferramenta para facilitar a comunicação. Quando uma categoria classificatória é mencionada na comunidade, o conceito básico associado a ela pode ser compreendido sem a necessidade de uma explicação ou de uma elaboração mais extensa. Há um consenso a respeito do significado de cada categoria específica, e as pessoas automaticamente buscam instituições pertencentes à mesma categoria como referência para dar sentido ao que dizem.
 
A Classificação Carnegie também tem sido bastante utilizada de outras formas, muito além daquelas para as quais foi originalmente desenvolvida. Por exemplo, ela é frequentemente confundida com a identidade de uma instituição. Isso é problemático, pois tem por base alguns critérios simples, mas, por outro lado, a identidade de uma instituição engloba parâmetros bem mais abrangentes, como fatores culturais, históricos e, muitas vezes, emocionais. Frequentemente uma instituição transforma-se de maneira profunda e, de acordo com os critérios de classificação, passa a fazer parte de uma categoria diferente. No entanto, recebemos reclamações vindas da comunidade lamentando a “perda de identidade” como resultado da mudança de classificação.
 
A classificação também tem sido utilizada em vários aspectos na esfera política. Alguns orçamentos públicos, por exemplo, são formulados com base nas Classificações Carnegie, resultando em mais recursos disponibilizados para universidades de pesquisa. Em alguns casos, as folhas de pagamento do corpo docente são definidas de acordo com a classificação dada a uma determinada instituição. Algumas associações de ensino superior usam a classificação para determinar as contribuições, e editores a utilizam para determinar as taxas de assinatura de periódicos. A utilização mais influente é feita pela revista US News & World Report, que as usa como base para fazer um ranking das faculdades e universidades.
 
Entre muitas críticas e controvérsias, foi dito que as categorias se tornaram, na prática, uma pirâmide de prestígio Como mencionado anteriormente, a Classificação Carnegie foi criada como uma ferramenta cognitiva neutra, isto é, que não faz referência a diferenças qualitativas. Os critérios utilizados na classificação não indicam diferenças de qualidade. No entanto, uma vez estabelecida, ela adquiriu vida própria (ver figura). Entre muitas críticas e controvérsias, foi dito que “as categorias se tornaram, na prática, uma pirâmide de prestígio” (Brewer, Gates, & Goldman, 2004). Alguns apontaram que a Classificação Carnegie é, na verdade, o Ranking Carnegie. Outros, ainda, acusaram a classificação de “ter causado uma corrida entre as instituições para atender aos critérios vigentes”, e tentar atingir o topo da pirâmide que parece ter sido criada (Thelin, 2004). Sua ampla aceitação acarreta uma grande responsabilidade, já que sua utilização hoje vai muito além do seu propósito original.
 
MUDANÇAS RECENTES NA CLASSIFICAÇÃO
Com a permanente ambiguidade entre ser classificação ou ranking, em 2005 a Fundação Carnegie realizou uma revisão completa do sistema classificatório e introduziu um método de classificações múltiplas. A mudança foi em parte para mitigar o tratamento da classificação como um ranking qualitativo, que tem sido uma força motriz e tem transformado o ensino superior: como observado em décadas de mudanças institucionais de classificação, mais e mais instituições têm abandonado sua missão original, passando a perseguir ativamente uma “posição mais alta na escala”, tornando esse o seu foco estratégico.
 
Além disso, a revisão da Classificação Carnegie foi também motivada pelo fato de que as instituições de ensino superior se tornaram cada vez mais complexas. Dimensões importantes da diversidade institucional não podem ser descritas por um único conceito. Particularmente, o ensino de graduação é um componente essencial entre o que é oferecido pela maioria das faculdades e universidades. No entanto, para muitas instituições que oferecem pós-graduação, o ensino de graduação, em termos do foco do programa, características dos estudantes, tamanho e contexto, ficava completamente fora da classificação básica.
 
A revisão de 2005 representou um marco na história da classificação — cinco novas classificações foram introduzidas juntamente com uma classificação básica substancialmente revisada. Os cinco novos esquemas são organizados em torno de três características fundamentais que diferenciam as instituições:
 
·         O que é ensinado? (classificações de Programa Educativo de Graduação[1] e Programa Educativo de Pós-Graduação[2])
·         Para quem? (classificações de Perfil de Inscrição[3] e Perfil Universitário[4])
·         Em que contexto? (classificação de Tamanho e Contexto[5])
 
A atualização de 2005 permitiu, pela primeira vez, examinar as instituições em um grande espectro de características tanto no nível de graduação quanto no de pós-graduação, tais como foco do programa, tamanho da instituição, contexto, características dos estudantes (condição, preparo acadêmico e situação de transferência), cobertura e profundidade dos programas educativos. Essas classificações proporcionam um prisma diferente por meio do qual pode-se enxergar as universidades e faculdades dos Estados Unidos, permitindo aos pesquisadores uma maior flexibilidade analítica.
 
Como observado em décadas, mais e mais instituições têm abandonado sua missão original, passando a perseguir ativamente uma 'posição mais alta na escala', tornando esse o seu foco estratégico Quanto aos conceitos primordiais (a classificação básica), duas mudanças drásticas foram introduzidas. A primeira foi desmembrar a categoria de cursos com graduação de assistente, de duração de 2 anos, que antes de 2005 agrupava a grande maioria das instituições (mais de 42%, o equivalente a cerca de 1.700 instituições) sob uma única categoria. A atualização de 2005 dividiu esse grupo de faculdades em 14 subcategorias baseadas no tipo de administração, na localização geográfica, no tamanho e na disposição dos seus campi. Como consequência, a classificação básica conservou o mesmo número de categorias principais (são 6 categorias: faculdades que oferecem diploma de assistente, instituições que oferecem doutorado, faculdades e universidades que oferecem mestrado, faculdades que oferecem bacharelado, instituições especializadas, e "Tribal colleges"), mas ampliou bastante o número de subcategorias (33 no total). A outra mudança substancial deu-se em relação às instituições que oferecem doutorado. Para esse grupo, a designação na classificação básica é determinada conjuntamente pelos níveis de atividade de pesquisa, levando em conta tanto índices agregados quanto per capita, derivados de sete métricas de pesquisa[6].
 
O método de classificações múltiplas é certamente mais complexo, à custa da simplicidade dos conceitos tradicionais, e requer um maior esforço dos seus usuários para compreender cada classificação e seus respectivos critérios. Isto posto, o método propicia mais nuances e possibilidades de classificação, e também maior precisão, permitindo uma maior especificidade e liberdade de personalização. Os usuários da classificação tornam-se responsáveis por julgar quais classificações são apropriadas para cada tipo de estudo e quais conjuntos desejam formar, e realizam diferentes escolhas de acordo com o contexto.
 
A classificação é um fenômeno poderoso e, uma vez estabelecido, se torna o “ambiente intelectual” que norteia debates e diálogos e embasa todo o aprofundamento, permitindo novas explorações. Existe também um período para que as pessoas aceitem novas classificações, já que o conceito tradicional tornou-se tão fortemente estabelecido após 40 anos de utilização. A classificação básica ainda é a mais comentada e empregada, mas os outros esquemas mais recentes estão alcançando o mesmo patamar. Um número cada vez maior de instituições começa a utilizar as classificações múltiplas para identificar suas instituições semelhantes, e obter uma compreensão mais rica a respeito do seu programa, corpo estudantil e contexto.
 
OS DESAFIOS
Realizar classificações em nível nacional é uma atividade repleta de desafios, dentre os quais três se destacam: disponibilidade e limitação de dados nacionais, sincronia de informações e a delimitação das fronteiras “corretas” entre as categorias.
 
A revisão da Classificação Carnegie foi também motivada pelo fato de que as instituições de ensino superior se tornaram cada vez mais complexas A classificação é empírica e utiliza dados disponíveis nacionalmente. A escolha de quais informações utilizar é algo crucial, e frequentemente envolve uma escolha entre abrangência e qualidade dos dados. Nos Estados Unidos, essas informações incluem dados da National Science Foundation, do Integrated Postsecondary Education Data System (IPEDS, do National Center for Education Statistics), e outras informações privativas como a avaliação anual das faculdades. Todos esses dados são baseados em relatórios compilados pelas próprias instituições. Mesmo com alguns mecanismos de controle e validação utilizados nas respectivas agências, ainda há espaço para erros. Os equívocos mais comuns são relativos à explanação de certas definições contidas nesses dados.
 
A sincronia de informações também é um problema inerente às classificações empíricas, como é o caso das Classificações Carnegie. Essencialmente, a classificação é um panorama instantâneo das instituições num dado momento. Embora utilizemos sempre os mais recentes dados disponíveis no momento da classificação, até que a atualização das classificações seja de fato realizada, as informações já estarão datadas. Isso não é um grande problema quando se trata de instituições renomadas e consolidadas, mas, no caso de algumas outras, especialmente as recém-fundadas, podem ocorrer mudanças bastante rápidas e drásticas, tornando mais importante a questão temporal. Por enquanto, o ciclo de atualizações renova-se aproximadamente de cinco em cinco anos; a atualização das classificações tem dificuldade de acompanhar o ritmo de desenvolvimento de algumas instituições mais novas.
 
A classificação é um fenômeno poderoso e, uma vez estabelecido, torna-se o 'ambiente intelectual' que norteia debates e embasa o aprofundamento Determinar as fronteiras entre as categorias também é desafiador. Aristóteles escreveu que “classificar é cortar a natureza em suas junções”. Isso, porém, é muito difícil de ser implementado no trabalho das Classificações Carnegie. De fato, alguns critérios de classificação são simples e fáceis de dividir, como cursos de dois anos e cursos de quatro anos, ou quais níveis diferentes de graduação são outorgados pelas instituições. Entretanto, muitos critérios subjacentes são variáveis contínuas (como a proporção do foco em ciências ou artes, número de matrículas, nível de preparo acadêmico etc.). Como identificar a localização das “junções” e onde exatamente realizar os cortes é algo bastante desafiador e, em certas ocasiões, arbitrário. Limites arbitrários delineados entre as categorias podem criar a ilusão de categorias distintas, apesar da continuidade nas variáveis subjacentes à classificação. Frequentemente, instituições encaixadas em categorias diferentes representando dois lados opostos de uma divisão são mais similares do que as próprias instituições pertencentes àquela mesma categoria.
 
Outro desafio envolve a forma de integrar características múltiplas em uma classificação – há uma grande limitação em termos de quantas variáveis podem ser usadas, por causa da proliferação de possíveis categorias. Desse modo, a classificação requer um equilíbrio homogêneo em suas categorias em oposição à simplificação e à parcimônia.
 
A classificação é um panorama das instituições num dado momento. Embora utilizemos sempre os mais recentes dados disponíveis, até que a atualização das classificações seja de fato realizada, as informações já estarão datadas A validação de um esquema de classificação também é problemática. Não há consenso em relação a como devem ser interpretados os resultados de uma abordagem particular (em contraste, por exemplo, com a taxonomia biológica). Pesquisadores, funcionários das instituições e outros usuários inevitavelmente acrescentam suas próprias noções preconcebidas de similaridade e diferença moldadas por diversas influências culturais, que podem elas mesmas ser derivadas de outros grupos, como organizações associativas, conferências atléticas e noções do senso comum a respeito do prestígio institucional. Apesar da aparente objetividade da classificação, os julgamentos subjetivos e opiniões pessoais dos pesquisadores são inevitavelmente refletidos na seleção das variáveis para classificação. Por isso, uma das razões para a ampla aceitação da Classificação Carnegie é a imparcialidade da Carnegie Commission, que é também uma autoridade respeitada e uma fonte confiável de pesquisas sobre o ensino superior e suas políticas.
 
A SITUAÇÃO ATUAL — UM PANORAMA DAS MUDANÇAS NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS
No começo de 2011, a Carnegie Foundation publicou a atualização das Classificações Carnegie[7], o que tornou possível examinar as mudanças ocorridas entre as atualizações de 2005 e 2010. Cada uma dessas séries de classificações estabeleceu uma visão geral do período, permitindo examinar a evolução do sistema de ensino superior nos últimos cinco anos[8].
 
Várias tendências foram identificadas. Como no passado, o sistema de ensino superior continua a se expandir: 465 novas instituições entraram em cena enquanto 222 instituições deixaram de existir. Isso significa um ganho líquido de 243 instituições, um aumento total de 5,5%. A expansão é impulsionada principalmente por instituições privadas, visando o lucro. A proporção representada por instituições deste tipo cresceu de 20,7% do total em 2005 para 26,2% em 2010, enquanto a proporção representada pelo seu corpo estudantil aumentou de 5,1% para 9,1%.
 
Determinar as fronteiras entre as categorias é desafiador. Aristóteles escreveu que 'classificar é cortar a natureza em suas junções' Mudanças nas instituições podem ocorrer em duas direções diferentes. A primeira é um contínuo movimento ascendente, a mais alta graduação oferecida por cada instituição buscando sempre o próximo estágio; isto é, instituições que antes ofereciam apenas diploma de assistente passam a conceder bacharelados, instituições que ofereciam bacharelados passam a conceder mestrados, e instituições que ofereciam mestrados começam a oferecer doutorados. O movimento ascendente dessa evolução já foi observado anteriormente, por causa do maior prestígio, orçamento e legitimidade associados aos níveis mais altos de graduação.
 
A outra direção que as mudanças podem tomar é um movimento “expansivo”, isto é, as instituições expandem a cobertura de seus programas — mais programas educativos passam a ser oferecidos, enquanto os programas gerais pendem para os campos profissionais (em contraste com os campos de Artes e Ciências). Isto reflete, em grande parte, a reação das instituições às demandas do mercado em campos que são mais diretamente relacionados a perspectivas vocacionais (ao menos nominalmente). Entretanto, há o declínio das instituições que concedem bacharelados em Artes e Ciências: estas começam a oferecer programas mais profissionalizantes e acabam na categoria de bacharelados diversos, ou começam a oferecer mais programas de mestrado. A categoria de bacharelados em Artes e Ciências está diminuindo.
 
Outra tendência verificada nas mudanças ocorridas é o número de matrículas nas instituições, que aumentou de maneira geral tanto para cursos de dois anos quanto para cursos de quatro anos, enquanto a seletividade é reduzida (nível de preparação acadêmica dos estudantes). O número de matrículas é uma das principais fontes de recursos financeiros para as instituições. Um tamanho maior significa receita maior em mensalidades e taxas. Esse movimento das instituições em direção ao crescimento não é surpreendente. O tamanho está bastante relacionado à estabilidade institucional. Grandes instituições têm menos probabilidade de ir à falência. Da mesma forma, as instituições que fracassam costumam ser justamente aquelas de tamanho menor.
 
No começo de 2011, a Carnegie Foundation publicou a atualização das classificações, o que tornou possível examinar as mudanças ocorridas entre as atualizações de 2005 e 2010 As instituições americanas de ensino superior estão competindo por recursos para sua sobrevivência e desenvolvimento. Elas se expandem em termos de programas educacionais de níveis cada vez mais altos (de dois anos para quatro anos, de graduações de assistente para bacharelados, avançando para mestrados e doutorados), crescem em tamanho, incorporando mais campos profissionais “vendáveis”, e reduzem a seletividade para atrair mais estudantes e, consequentemente, aumentar seu tamanho. Isso sugere que as instituições estão adotando uma mentalidade mais voltada ao lucro, coisa que não apenas tem motivado as decisões estratégicas para o crescimento no setor privado, mas também está atingindo o setor público e outras instituições que não visam o lucro. Indica que o ambiente atual pressiona as instituições a se adaptar e as obriga a tomar rumos cada vez mais distantes do modelo tradicional de faculdade de artes liberais.
 
O sistema continua a se expandir: 465 novas instituições entraram em cena enquanto 222 instituições deixaram de existir, ganho líquido de 5,5%; a expansão é impulsionada por instituições visando o lucro Em vista do que está ocorrendo no sistema de ensino superior, tais mudanças fazem sentido, já que as instituições lutam para garantir recursos e permanecer viáveis – as instituições de ensino superior estão sob um escrutínio cada vez mais intenso. O reduzido financiamento para o ensino superior e o custo cada vez maior da educação nas faculdades, aliados à lenta recuperação econômica e ao competitivo mercado de trabalho para recém-graduados, criam uma pressão para que as instituições matriculem mais estudantes com seletividade reduzida, e se empenhem em oferecer programas altamente específicos e “mais comerciais”, que sejam mais atraentes para estudantes buscando empregos. Faculdades privadas, com a vantagem de oferecer cursos flexíveis e dinâmicos, passaram a desempenhar um papel mais ativo e de maior importância no contexto atual.
 
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE A CLASSIFICAÇÃO
A classificação é a abordagem mais fundamental para se comparar instituições de ensino superior – é a base para muitas discussões sobre pesquisa e qualidade, bem como para debater suas políticas. A classificação está intrinsecamente ligada à sua utilização. Portanto, ao designar um sistema de classificações, é importante ter em mente para que fim ele será utilizado. Um sistema de classificação também está relacionado ao seu contexto regional ou nacional e deve ser concebido com base nas características únicas do sistema de ensino superior naquele contexto particular, como o tamanho do sistema (número de instituições), sua distribuição e outras distinções importantes que sejam significativas para a região ou nação.
 
As instituições americanas se expandem em termos de programas educacionais de níveis cada vez mais altos, em tamanho, incorporando mais campos profissionais 'vendáveis' e reduzem a seletividade para atrair mais estudantes Classificações também são criadas no contexto de propósitos específicos de análise, e problemas podem surgir quando são adotadas para outros usos (por exemplo, elegibilidade para recebimento de fundos, fórmulas de financiamento ou definição de grupos comparativos usados em rankings). Embora classificações como a Carnegie não impliquem julgamentos de qualidade, na prática, usuários podem interpretar as várias categorias como diferenças qualitativas. Por ser uma classificação amplamente utilizada, isso pode levar a uma ação estratégica a respeito da classificação em si, possivelmente à custa de outras prioridades. Ou seja, ao criar e desenvolver um sistema de classificações, os seus usos não previstos e suas consequências devem ser seriamente investigados e apurados.
 
As instituições estão adotando mentalidade mais voltada ao lucro, o que não apenas tem motivado as decisões estratégicas para o crescimento no setor privado, mas também está atingindo o setor público O ensino superior tem passado por mudanças rápidas. Existem muitos fenômenos recentes que merecem um olhar mais detalhado. Estão agora disponíveis, por exemplo, mais opções na educação, métodos diferentes e misturados de lecionar (online, off-line, híbridos), oportunidades de aprendizado no estilo “faça você mesmo”, parcerias e colaborações entre instituições na produção de currículos e graduações, e tudo isso desafia o modus operandi das instituições tradicionais de ensino superior, suas fronteiras ou a própria definição de instituição de ensino superior como unidade de análise – na qual foi baseada a criação das atuais classificações. O trabalho de classificação no futuro deverá examinar minuciosamente as mudanças e como a classificação pode adaptar-se ao novo cenário do ensino superior.
 
Apesar da complexidade dos desafios, um sistema de classificação expressivo é indispensável para se compreender e estudar o sistema de ensino superior. Ele representa o primeiro passo essencial para desemaranhar sua complexidade. A classificação oferece um meio conciso de caracterizar a diversidade das instituições de ensino superior a partir de uma perspectiva macroscópica. O fracasso em descrever adequadamente e acompanhar a diversidade institucional pode acarretar consequências graves, resultar em pesquisas confusas e enganosas e tornar políticas públicas ineficientes.
 
Brewer, D. J., Gates, S. M., e Goldman, C.A. In pursuit of prestige: Strategy and competition in U.S. higher education. Somerset, NJ: Transaction Publishers, 2001
 
Douglass, J. A. Higher education as a national resource. Change, 37(5), 30-39, setembro-outubro de 2005
 
Thelin, J. R. A History of American Higher Education. The Johns Hopkins University Press, 2004


[1] Os critérios para a classificação de Programa de Ensino de Graduação incluem o nível dos diplomas concedidos (de assistente ou de bacharel), foco do programa (a proporção de especializações dos bacharéis graduados nos campos de artes e ciências e em campos profissionais), e a coexistência do programa entre os níveis de graduação e de pós-graduação.
 
[2] Os critérios para a classificação do Programa de Ensino para Pós-Graduação incluem o nível conferido (mestrado e doutorado), o número de campos representados pelos cursos outorgados e a mistura ou concentração de pós-graduações por domínio disciplinar geral.
 
[3] A classificação dos Perfis de Inscrição é baseada no conjunto dos estudantes matriculados nos níveis de graduação e de pós-graduação/profissionalização.
 
[4] A classificação de Perfis Universitários descreve a população universitária não graduada, no que diz respeito a três características: a proporção de estudantes que cursam meio-período e de estudantes que frequentam cursos em tempo integral; características das realizações e conquistas dos calouros no primeiro ano; e a proporção de estudantes que se transferem, oriundos de outra instituição.
 
[5] A classificação de Tamanho e Contexto descreve o tamanho de uma instituição e seu caráter residencial.
 
[6] As métricas de pesquisa incluem gastos em pesquisa e desenvolvimento (R&D) em ciência e engenharia (S&E), e gastos em outros campos; funcionários de pesquisa em ciência e engenharia (pós-doutores nomeados e outro pessoal externo à faculdade com doutorado); atribuições de doutorado em campos de ciências humanas, em campos de ciências sociais, nos campos de ciência, tecnologia, engenharia, e matemática (STEM), e em outras áreas (como negócios, educação, políticas públicas, trabalhos sociais).
 
[7] Informações mais detalhadas podem ser encontradas no endereço: classifications.carnegiefoundation.org
 
[8] Ambas as classificações utilizaram os dados mais recentes disponíveis na data da classificação - repare que há certo atraso nas informações: na classificação de 2005, usamos dados do IPEDS datados de 2003-2004; já em 2010, usamos dados do IPEDS de 2008-2009.
 
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