20/02/2013

International Higher Education

Outra semana, outro escândalo: dilemas da imigração e confusão política

Philip G. Altbach e Liz Reisberg
Altbach é professor da Cátedra Monan e diretor do Center for International Higher Education (CIHE) do Boston College. E-mail: altbach@bc.edu. Liz é consultora de enducação superior. E-mail: liz@reisberg.org. (Este artigo foi publicado na University World News em 16 de setembro de 2012.)
As regras para a imigração de estudantes internacionais parecem estar mudando de maneira um tanto quanto imprevisível, nos últimos tempos, nos principais países de destino desses alunos. Em vários países de língua inglesa, as regras de imigração se tornaram uma questão política importante, e os estudantes internacionais viram-se com frequência no foco de recentes medidas de repressão. Estas mudanças têm o potencial de alterar a paisagem do fluxo global de estudantes e podem, até, desacelerar o aumento no número de estudantes observado nas duas últimas décadas. Neste contexto, a expansão dos anos mais recentes pode ter sido, na verdade, uma “bolha” temporária.
 
Escândalos recentes
A mais recente crise envolveu a Universidade Metropolitana de Londres (LMU), instituição que conta com um dos maiores números de estudantes internacionais na Grã-Bretanha. O Departamento de Imigração britânico revogou o status de “patrocinador extremamente confiável” atribuído à universidade depois que uma auditoria revelou que um número expressivo de estudantes internacionais não dispunha da documentação apropriada ou adequada para permanecer na Grã-Bretanha, habilidades adequadas de língua inglesa, ou não tinha sequer se matriculado nas aulas. Alguns desses estudantes podem ser levados a retornar ao seu país de origem.
 
Outros estudantes internacionais, legitimamente matriculados, estão em pânico. Grande parte dos alunos internacionais da LMU vem da Índia. Como explicou o administrador de uma firma que traz estudantes para as universidades britânicas (citado recentemente numa reportagem do jornal The Guardian): “Dividimos o mercado em duas categorias: o mercado universitário para estudantes legítimos, e o mercado da imigração”. O desafio enfrentado pelas autoridades de imigração está em distinguir entre os grupos, sendo que ambos chegam ao país com visto de estudante. Muitos observadores veem o caso da LMU como a ponta do iceberg das admissões e práticas de recrutamento questionáveis na Grã-Bretanha.
 
Os escândalos estiveram também nas manchetes dos jornais dos Estados Unidos. Em agosto de 2012, o diretor da Universidade Herguan, na Califórnia, foi detido sob a acusação de ter fraudado vistos de entrada no país. Isto se segue ao caso semelhante da Universidade Tri-Valley, e ambas atendem principalmente a estudantes indianos cuja intenção de estudar é pouca. Ambas parecem ter operado lucrativamente como “fábricas de visto”. Como nenhuma das instituições é devidamente credenciada, é preciso perguntar como receberam autorização para emitir vistos estudantis.
 
Mas há diferentes níveis de contravenção, e nem todos merecem respostas draconianas imediatas. O Departamento de Estado dos EUA provocou grande caos no último mês de maio ao determinar que 600 instrutores, ligados aos Institutos Confúcio, patrocinados pelo governo chinês, estavam com a documentação irregular, sendo obrigados a deixar o país imediatamente para dar entrada em novas solicitações de visto e, só então, voltar ao país. Não houve subterfúgio neste caso, apenas uma compreensão equivocada, mas aparentemente inocente, das confusas regras de solicitação de visto. No fim, nenhum instrutor foi deportado, mas a forma com que o Departamento de Estado lidou com o incidente quase provocou um grande imbróglio diplomático com o governo chinês.
 
Pressão política e resposta política
Parece existir uma “tempestade perfeita” de preocupação envolvendo o movimento dos indivíduos através das fronteiras. Na América do Norte, Europa e Austrália, a questão da imigração se faz cada vez mais presente no discurso político. Talvez reagindo à perda de empregos durante a recessão econômica e a uma tendência geral conservadora em muitos países, a imigração se tornou um “assunto quente” na política. A Grã-Bretanha, por exemplo, tem um objetivo político de reduzir a imigração para o país. Em muitos outros países europeus, a imigração desperta sensibilidades políticas, sendo frequentemente usada por populistas de extrema direita como tema central e provocativo. Muitos Estados americanos fizeram da imigração ilegal um foco de suas políticas.
 
A Austrália parece hesitar entre o desejo de aumentar e o de diminuir a imigração. Em decisão aprovada em 2012, estudantes internacionais que se formarem no país terão permissão para permanecer de dois a quatro anos na Austrália para procurar trabalho (um aumento em relação ao limite anterior de 18 meses) sem nenhuma restrição ao tipo de emprego almejado.
 
A Malásia quer aumentar o número de estudantes vindos de fora, mas, recentemente, aprovou novas restrições para conter a entrada de alunos estrangeiros. O governo exige agora que os estudantes demonstrem que foram aceitos por uma instituição do ensino superior antes de entrarem no país, e também que os estudantes internacionais estudem o bahasa malaio durante seu primeiro ano, além de contratar planos de saúde. Estas novas medidas são indicativas de uma tendência internacional no sentido de uma regulamentação mais intensa.
 
Há mais governos preocupados com a necessidade de uma supervisão mais atenta e um maior controle sobre o fluxo de estudantes internacionais. No passado, as instituições acadêmicas tiveram muito mais liberdade para admitir estudantes internacionais e na subsequente concessão de vistos. As autoridades responsáveis pela imigração confiavam nas instituições acadêmicas e esperavam que garantissem que apenas estudantes legítimos e qualificados fossem encaminhados para a concessão de visto. Eventos recentes indicam que um segmento das instituições de ensino, em geral aquele que mais depende da renda proporcionada pelos estudantes estrangeiros, pode estar explorando indevidamente esse papel de guardião da porta de entrada e deixando de se agir “de acordo com a lei”.
 
Proteção contra quem?
Os estudantes internacionais são alvos fáceis, neste ambiente rarefeito. Como um grupo em trânsito, eles não se encontram bem posicionados para exercer força política, nem para criar um lobby que os defenda. Mas é importante destacar que representam uma ameaça menor do que outros visitantes. Diferentemente dos turistas que entram no país e logo se tornam impossíveis de rastrear, os estudantes internacionais são registrados numa instituição de ensino e têm seus dados inseridos nos bancos de dados do serviço de imigração.
 
Os estudantes internacionais também são particularmente vulneráveis à exploração. Estão sujeitos a leis confusas e inconstantes que mal podem compreender, algo que ficou claro no caso dos instrutores dos Institutos Confúcio. Esses estudantes e pesquisadores costuma aceitar (às vezes, pagando!) a orientação oferecida por terceiros que podem não ter o melhor interesse do estrangeiro em mente. Além disso, é menos provável que conheçam os direitos e proteções de que dispõem num país estrangeiro, o que na Austrália levou à preocupação de que as regras para a permanência de estrangeiros recém-formados incentive a exploração por parte dos patrões.
 
Assim como os governos precisam proteger seus programas de visto contra abusos, os estudantes também precisam ser protegidos daqueles que desejam explorá-los.
 
O novo ethos
Nos últimos anos, a paisagem do ensino superior internacional tem mudado, e isto aumenta a necessidade de avaliar os estudantes mais cuidadosamente. Algumas instituições acadêmicas dependem dos estudantes internacionais para equilibrar seu orçamento. Nestas instituições, os estudantes internacionais se transformaram em “galinhas dos ovos de ouro”. A Austrália é o melhor exemplo – com a política do governo incentivando, durante décadas, a busca de recursos por meio das iniciativas internacionais. Embora os EUA não tenham uma política nacional para as iniciativas internacionais, vários Estados – principalmente Nova York e Washington – determinaram que a renda proveniente de estudantes internacionais deve ser uma parte importante da estratégia financeira de uma instituição pública. Em algumas instituições, os estudantes internacionais representam agora a diferença entre a queda no número de matrículas e a sobrevivência, por conta das mudanças na demografia do seu mercado tradicional de estudantes.
 
Vale destacar que alguns dos países que recebem estudantes internacionais fazem-no sem o mesmo grau de “comercialização”. O Canadá, por exemplo, apesar de cobrar dos estudantes internacionais taxas mais altas, permite que os formados estrangeiros altamente qualificados permaneçam no país, após a conclusão dos estudos. No caso canadense, os estudantes internacionais trazem a promessa de um influxo de talento, além da renda adicional. Alemanha, Noruega e vários outros países europeus não cobram taxas dos estudantes internacionais.
 
A internacionalização trouxe novas oportunidades para a comercialização em países onde as instituições têm um longo histórico de autonomia. Líderes institucionais que representam um novo ethos, mais voltado para o lucro do que a integridade educacional ou a qualidade, têm liberdade para submeter várias dimensões do empreendimento acadêmico – incluindo as admissões, a supervisão dos estudantes e a qualificação para a graduação – ao resultado financeiro.
 
Este novo ethos está evidente na terceirização das atividades das universidades no exterior, buscando agentes recrutadores que recebem comissões para trazer novas matrículas e estudantes internacionais. É claro que a introdução de um recrutador terceirizado acrescenta um novo nível de interação entre a universidade e o estudante, dando às autoridades responsáveis pela imigração motivos adicionais de preocupação quanto ao processo de avaliação e seleção dos estudantes para a concessão de vistos.
 
Abordando o problema
A reação geral da comunidade acadêmica à imposição de restrições adicionais por parte do governo aos estudantes estrangeiros e a outros aspectos do ensino superior internacional tem sido negativa. Poucos reconhecem a seriedade do problema, mostrando-se preocupados com a possibilidade de políticas mais rigorosas de imigração reduzirem o número de matrículas internacionais, contribuindo assim com uma imagem “pouco receptiva” no exterior.
 
O problema é que as agências responsáveis pela imigração e pelo policiamento das fronteiras tendem a responder por meio da aplicação de regras legais e burocráticas que carecem de nuance. Levando-se em consideração o fato de que a maioria dos milhões de estudantes com mobilidade internacional é qualificada para os cursos buscados nas instituições em que está matriculada, e que ela contribui tanto intelectual quanto economicamente com as instituições que a recebem, mudanças dramáticas na imigração devem ser contempladas cuidadosamente. Quando os indivíduos entram num país violando as regras de imigração, encontram-se (com razão) sujeitos a sanções. Quando as instituições ignoram as regras ou recebem estudantes que carecem da devida qualificação, elas devem ser submetidas a multas e sanções, bem como a medidas legais. Em alguns casos, chegam a ser fechadas. Isto é inevitável.
 
Na verdade, os governos precisam mesmo trazer um grau extra de disciplina à gestão do ensino superior internacional, especialmente quando os interesses financeiros são determinantes nas políticas e práticas das instituições. Mas isto precisa ser feito de uma maneira que não penalize a todos.