27/05/2015

International Higher Education | 79

Novo sistema linear de mensalidades da Croácia: amigo ou inimigo do estudante?

Lucia Brajkovic
Doutoranda no Institute of Higher Education / Instituto de Ensino Superior, University of Georgia, Georgia, Athens, GA, US. E-mail: lucia@uga.edu
Integrado em 2001, o ensino superior da Croácia (no Sudeste Europeu) é nacionalmente regulamentado e tem passado por intensas reformas desde 2003, impulsionado pelo processo de Bolonha. A grande maioria dos estudantes em sete universidades públicas croatas; uma dessas é a Universidade de Zagreb, que oferece a mais ampla variedade de programas de estudos e matricula cerca de 50 por cento da população total de estudantes. Até o ano acadêmico 2010/2011, estas eram duas categorias de estudantes na Croácia, com base no status do ensino pago. Estudantes de graduação de período integral eram matriculados dentro da cota subsidiada pelo estado e, não pagavam mensalidades ou eram matriculados acima da cota subsidiada e portando cobrados pelas mensalidades. Sob esse sistema, as universidades comumente garantiam certo número de vagas para estudantes pagantes, de acordo com suas capacidades: quer o estudante se matriculasse dentro ou acima da cota subsidiada pelo estado (ex: seria cobrada a mensalidade ou não) primariamente dependendo do critério de mérito, tais como as notas do ensino médio e escores do vestibular. Os estudantes eram informados quanto a terem “atingido o corte” para a cota subsidiada pelo governo na admissão. Quando comparado a outros países europeus, este sistema de ensino assemelhou-se mais ao da Hungria. 
 
Demanda pelo ensino gratuito
Em 2009, estudantes ocuparam a faculdade de Ciências Sociais e Humanidades da Universidade croata de Zagreb, assumindo aulas e substituindo-as por assembleias públicas e palestras organizadas por eles mesmos. A ocupação durou mais de um mês. Posteriormente, protestaram em frente ao Ministério das Ciências, Educação e Esportes, exigindo uma audiência com o ministro. Suas exigências eram claras: ensino livre para todos os estudantes admitidos. Estudantes de outras universidades croatas se uniram ao protesto, que se tornou o maior movimento estudantil na Croácia desde os anos 70. 
 
A demanda por ensino livre, que se traduzisse em um ensino completamente publico e financiado refletiu uma preocupação maior sobre a comercialização e mercantilização do ensino superior e a crescente percepção do mesmo como uma mercadoria privada versus pública. Todos esses eventos aconteceram durante um período politicamente sensível da preparação final do país para entrada na União Europeia. Nessas condições bastante específicas, as solicitações dos estudantes produziram um impacto significativo na politica de financiamento do ensino superior do governo de centro esquerda da Croácia. Embora suas exigências não tenham sido atendidas completamente, levaram à adoção de um modelo de ensino “linear” único, que poderá ser o único de seu gênero no mundo.
 
Modelo inovador de mensalidade dentro da estrutura de Bolonha
Após as manifestações estudantis, o governo croata aprovou uma alteração relevante com relação às mensalidades das universidades. A começar do ano acadêmico de 2010/2011 todos os estudantes admitidos da graduação e do mestrado não pagarão mensalidades durante o primeiro ano de seus estudos. Após o primeiro ano, as mensalidades serão cobradas dependendo do desempenho e em contraste com os critérios baseados em mérito, de acordo com um modelo linear, tendo como base os créditos do Sistema Europeu de Transferência e Acumulação de Créditos (ECTS) que medem o progresso do estudante. Segundo essa abordagem, o estado continuaria a pagar as instituições um subsidio de €487 (por estudante ao ano), após o primeiro ano para aqueles estudantes que acumularam um mínimo de 55 créditos ECTS no ano anterior de estudos, com 60 créditos sendo a carga horária anual padrão. Os estudantes que atendem esse critério continuarão a estudar gratuitamente; e aqueles que não atenderem esses critérios serão cobrados diferentes valores de mensalidades proporcionais ao número de créditos ECTS que lhes faltam, estando estes abaixo da meta de 55 créditos.
 
Embora não exista regulamentação estadual para níveis máximos de mensalidade nas diferentes instituições, o subsidio que o Ministério da Ciência, Educação e Esporte paga por cada estudante para as instituições públicas do ensino superior é fixo, independentemente do campo de estudo. A previsão é de que cerca de 70,000 estudantes por ano se beneficiariam desta apropriação de €34, 090,000 (70,000 estudantes x €487). A quantia está assegurada dentro do orçamento do estado até 2015. O Ministério da Ciência, Educação e esportes possibilitará um aumento nos subsídios de até 10% anualmente por instituição, porem o aumento de cotas de matriculas acima de 5 por cento ao ano não será permitido. 
 
A lógica do governo para este novo sistema é de que mais estudantes poderiam estudar sem pagar mensalidade. Contudo, o impacto real da decisão desta política ainda está por se saber, pois €487 por estudante por ano, pagos pelo Ministério da Ciência, Educação e Esportes são significativamente mais baixo que €1,174 de mensalidade média anual cobrada pelas universidades croatas antes da implementação deste modelo linear. Foram manifestados receios na comunidade acadêmica relacionados à possibilidade de que dentro desse novo sistema, as universidades possam aumentar os índices de mensalidades para os estudantes que não alcançam o critério de 55 créditos, a fim de compensar o prejuízo substancial dos recursos das mensalidades. Se tal cenário acontecer, os encargos financeiros totais para os estudantes poderiam demonstrar ser maiores que antes da introdução do novo sistema.
 
Sistema de auxilio baseado em mérito vs. baseado em necessidade
Todo este sistema meritocrático não leva em consideração o fato de que estudantes oriundos de origens socioeconómicas mais baixas, talvez não tenham a mesma preparação acadêmica, ao entrarem na faculdade e assim apresentem dificuldades na obtenção dos números de créditos ECTS necessários para isenção de mensalidades após o primeiro ano de estudos. Outro grave problema para estes estudantes é o fato de não existir auxilio estudantil disponível baseado em necessidade, nem tão pouco um sistema de empréstimo estudantil na Croácia. Muitos estudos revelaram que subvenções e empréstimos são cruciais para atenuar as consequências negativas de mensalidades e taxas, em especial para grupos sociais vulneráveis e mal representados. Além disso, mesmo se estes estudantes se enquadrarem nos critérios do mérito e se não lhes for cobrado mensalidades, ainda teriam outras despesas menores — tais como livros, alimentação e outras despesas essenciais, que poderão lhes impedir de ingressar em uma faculdade, caso não tenham o suporte financeiro disponível para atenuar tais custos.
 
Impacto e potencial de adoção por outros países
Este modelo de cobrança de mensalidades com base no acumulo de créditos ECTS certamente apresenta uma abordagem interessante e inovadora dentro do sistema de Bolonha, pois parece que nenhum outro país implementou modelo similar até o momento. Contudo, a falta de perspectiva comparativa e a dificuldade geral de obtenção de dados de estudantes em nível institucional na Croácia fazem com que avaliação dos impactos potenciais desta politica nos estudantes e nas instituições do ensino superior seja bastante problemática. Contudo, este exemplo poderá ser considerado por outros países onde o auxilio estudantil e sistemas de empréstimos são inadequados ou inexistentes, o que acontece nomeadamente nos países pós-transição da Europa Central e oriental. Este modelo fornece incentivos para o desempenho do estudante (i.e., enfoca as questões do mérito), e se um país conseguir estabelecer pelo menos um sistema básico de bolsas para as populações estudantis mais vulneráveis e em risco, esta abordagem poderá apresentar o potencial de melhorar grandemente o acesso do estudante e tornar o ensino superior mais equitativo.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
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