04/10/2013

International Higher Education

Iniciativas nacionais para fomentar a excelência científica deixam ensino e aprendizado em segundo plano

Nos esquemas públicos de financiamento implantados no âmbito da OCDE, o termo "excelência" gravita claramente no sentido do desempenho em pesquisa

Johannes Wespel, Dominic Orr e Michael Jaeger

Wespel é pesquisador do HIS - Institute for Research on Higher Education, Hannover, Alemanha.
E-mail: wespel@his.de
Orr é líder de projetos no HIS. E-mail: orr@his.de
Jaeger é vice-diretor do HIS. E-mail: m.jaeger@his.de
Nos últimos anos, iniciativas nacionais para fomentar a excelência científica se tornaram populares como instrumento de condução e financiamento dos sistema de ensino superior de muitos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), principalmente na Alemanha, com sua "Iniciativa de Excelência". Esta contribuição avalia se e como o ensino universitário é levado em consideração nas várias iniciativas de excelência existentes. Os dois resultados principais mostram que (a) ensino e aprendizado desempenham um papel secundário nos esquemas de financiamento da excelência para as universidades e (b) a uniformidade da definição do incentivo e dos programas de fomento da excelência é maior em se tratando da pesquisa – e menor no ensino.
 
A hesitação em incluir o ensino e o aprendizado nas principais iniciativas nacionais de excelência parece decorrer da falta de um acordo em relação aos processos, critérios e medidas para a excelência no ensino Iniciativas de excelência
As descrições oficiais dos esquemas de financiamento administrados pelo estado e voltados para a excelência científica foram analisadas por um grupo de trabalho da OCDE, e os resultados foram debatidos num seminário da OCDE para especialistas nacionais. Os dados reunidos abrangem 24 esquemas desse tipo observados em 16 países de 4 continentes. A análise mostra o surgimento de um protótipo de modelo para as iniciativas de excelência. Um número limitado de centros compostos por cientistas de alto nível é destacado num processo competitivo de múltiplos estágios envolvendo revisões por pares internacionais e, em muitos casos, visitas às instalações. Determinados centros recebem um generoso financiamento estatal para levar a cabo esquemas de pesquisa, embora dependendo do progresso e da avaliação dos resultados. A média da amostragem de pesquisa é superior a seis anos, e a sustentabilidade posterior dos centros é um objetivo importante dos esquemas de financiamento. A maioria das iniciativas passou por vários ciclos de financiamento desde o início de suas atividades. As metas políticas dos esquemas de excelência são definidas de um modo relativamente geral e não costumam estar vinculadas diretamente a áreas específicas da ciência. A meta de tornar mais competitivo o sistema científico nacional e dar início a novas sinergias por meio da cooperação entre instituições e/ou disciplinas tem importância especial. Muitas iniciativas de excelência têm origem numa estratégia nacional de inovação, na qual o setor público da pesquisa representa um alicerce crucial.
 
O ensino não consta entre os critérios de avaliação da maioria das iniciativas, exceto em alguns poucos casos: a iniciativa espanhola Campus Internacional da Excelência; o Programa para a Pesquisa em Instituições Terciárias da Irlanda; o Programa de Universidades de Nível Mundial da Coreia do Sul e O status do ensino
Principal alvo das iniciativas de excelência pesquisadas neste projeto, as universidades servem como principal recurso da sociedade para adaptar a pesquisa científica à sua disseminação por meio do ensino e do aprendizado. É, portanto, interessante ver em que sentido o financiamento público sustenta esse elo. Para tal finalidade, a descrição do programa das iniciativas de excelência é analisada na amostra, em termos de como (e se) o ensino é integrado aos critérios de avaliação das propostas. Descobriu-se que a grande maioria das iniciativas se concentra em fatores relacionados à pesquisa – como méritos anteriores do trabalho, o caráter inovador e pragmático do(s) projeto(s) de pesquisa proposto(s), e a utilidade dos resultados. O ensino não consta entre os critérios de avaliação da maioria das iniciativas. Apenas poucos casos incluem especificamente aspectos do ensino: a iniciativa espanhola Campus Internacional da Excelência (que dá peso igual à excelência no ensino e nas pesquisas); o Programa para a Pesquisa em Instituições Terciárias da Irlanda (o impacto no ensino e no aprendizado é um dos quatro principais critérios de avaliação); o Programa de Universidades de Nível Mundial da Coreia do Sul (cuja meta é criar novos ambientes para o corpo docente, incluindo melhoria no ensino); e a Iniciativa de Excelência da Alemanha (efeitos da pesquisa no ensino são um dos 15 critérios de avaliação diferentes).
 
Críticos temem que a reputação decorrente de um status oficial de excelência ligada aos consideráveis recursos concedidos possa encorajar os cientistas que trabalham nas universidades a se concentrarem nas pesquisas às custas do ensino Os resultados mostram que, conforme empregado nos esquemas de financiamento administrados pelo governo, o termo "excelência" gravita claramente no sentido do desempenho em pesquisa. Os críticos temem que a reputação única decorrente de um status oficial de "excelência" ligada aos consideráveis recursos concedidos aos solicitantes bem-sucedidos possa encorajar os cientistas que trabalham nas universidades a se concentrarem nas pesquisas às custas do ensino. É principalmente no contexto desse debate que alguns países lançaram iniciativas avulsas e separadas para fomentar novos conceitos de ensino. Em termos da sua estrutura e dos moldes de funcionamento do processo de seleção, essas iniciativas de excelência no ensino são claramente inspiradas pelos esquemas de excelência centrados na pesquisa: pares internacionais avaliam um conjunto de propostas concorrentes num processo que tem como base a qualidade, e o financiamento é então limitado aos melhores candidatos. São exemplos de tais iniciativas o esquema finlandês dos Centros de Excelência no Ensino Universitário, de cujas unidades financiadas espera-se um papel chave na melhoria da qualidade e da relevância do ensino universitário numa perspectiva de longo prazo; o programa britânico de Centros de Excelência no Ensino e no Aprendizado, que funcionou entre 2005 e 2010, apoiando 74 centros de desenvolvimento do ensino e do aprendizado em universidades do país; as Iniciativas de Excelência em Ensino Inovador, da França, lançadas em 2012 com o objetivo de financiar projetos de inovação no ensino com o papel de modelo de comportamento para outras instituições do ensino superior; e o Ensino Excelente da Alemanha, oferecendo recursos para 10 instituições de ensino superior escolhidas por implementar conceitos inovadores no ensino.
 
Quando há preocupação com o ensino, as medidas apoiadas incluem qualificação da equipe acadêmica, reformas curriculares, desenvolvimento de habilidades para os estudantes, criação de ofertas de ensino a distância (EaD) ou o reforço da voz dos estudantes perante a gestão universitária Excelência e diversidade
Um olhar mais aproximado das descrições dos programas de excelência no ensino revela que as unidades financiadas e as medidas concretas para atingir e manter a excelência são muito diferentes entre si, mesmo dentro de uma mesma iniciativa. As unidades passíveis de serem beneficiadas podem ser departamentos, grupos de professores, programas de duração limitada ou redes inter-institucionais. Podem ser centros independentes, associados a unidades de ensino ou não. As medidas apoiadas incluem a qualificação da equipe acadêmica, reformas curriculares, o desenvolvimento de habilidades para os estudantes, a criação de ofertas de ensino a distância (EaD), ou o reforço da voz dos estudantes diante da gestão universitária. Isso forma um contraste com as iniciativas de excelência em pesquisa, para as quais as definições de excelência – e da melhor maneira de alcançá-la – são mais uniformes entre os diferentes países e iniciativas. Essa descoberta condiz com uma segunda justaposição: as iniciativas de excelência no ensino fazem do caráter exemplar dos conceitos propostos – ou seja, a possibilidade de serem transferidos a outras instituições e ambientes – um dos principais critérios de avaliação, além do caráter inovador do conceito em si. Um critério comparável é muito menos proeminente nas iniciativas de excelência em pesquisa como um todo. Parece portanto que as iniciativas de excelência em ensino desempenham em geral um papel diferente daquele que cabe às iniciativas de excelência em pesquisa. Enquanto na pesquisa os esquemas de excelência podem ser vistos como forma de identificar com precisão a criação de valor na ciência por meio de padrões operacionais testados e comprovados, nas iniciativas de ensino o caráter é mais de exploração: é preciso ajudar a esclarecer aquilo que pode ser definido como ensino excelente.
 
A hesitação em incluir o ensino e o aprendizado nas principais iniciativas nacionais de excelência descrita acima parece decorrer da falta de um acordo em relação aos processos, critérios e medidas para a excelência no ensino. Resta saber se um entendimento mais unificado da excelência no ensino vai surgir com o tempo, ou se a diversidade de abordagens observada atualmente vai permanecer – possivelmente como resultado da natureza contextual e múltipla da atividade de ensinar. Se não ocorrer o surgimento de um critério comum de excelência no ensino, é provável que a pesquisa siga determinando a definição da excelência geral no ensino superior – um foco que obscurece os imensos desafios enfrentados pela oferta do ensino superior às massas numa sociedade do conhecimento.