08/08/2014

International Higher Education

"Enem" da Ucrânia tenta reduzir corrupção no vestibular, e por isso mesmo está em risco

Nas universidades ucranianas, "taxas informais" compensavam a ausência de financiamento público e se tornaram institucionalizadas. Em certas universidades de prestígio, subornos de até US$ 10 mil foram exigidos para confirmar matrícula.

Eduard Klein
Candidato ao PhD no Research Centre for East European Studies, Universidade de Bremen, Alemanha. E-mail: eklein@uni-bremen.de
Universdade Shevchenko, Kiev
Como a maioria dos Estados pós-soviéticos, a Ucrânia introduziu um novo sistema de avaliação dos alunos na última década. Desde 2008, todos que querem ingressar em universidades têm de se submeter ao Exame Independente Externo (EIT). Foi uma mudança fundamental do legado soviético de vestibulares corruptos, que são substituídos por um procedimento objetivo de teste. Os principais objetivos do EIT foram combater a corrupção, aumentar a igualdade de oportunidades, proporcionar igualdade de acesso ao ensino superior de alta qualidade e criar um sistema nacional de avaliação para monitorar a qualidade da educação.
 
A introdução do EIT
Em tempos de transição e crise econômica da década de 1990 e início de 2000, os orçamentos de ensino superior público foram radicalmente cortados; salários de professores diminuíram abaixo do nível de subsistência e os atrasos salariais eram comuns. Pagamentos e "taxas informais" compensavam a ausência de subsídios e se tornaram institucionalizados em muitas universidades. Em certas instituições de prestígio, subornos de até US$ 10 mil foram exigidos para a admissão, perfazendo um volume de corrupção anual para admissão de cerca de US$ 200 milhões. Como a seleção de novos alunos tornou-se cada vez mais baseada no dinheiro em vez do mérito, mesmo as famílias de classe média não podiam se dar ao luxo de mandar seus filhos para as universidades de alta qualidade.
 
Entretanto, com o EIT parece que, em certa medida, a corrupção apenas se deslocou: mais e mais estudantes se queixam de que agora não têm de pagar para entrar na universidade, mas são extorquidos para não serem expulsos Cada universidade tinha o seu próprio processo de admissão. Em sua maior parte eram testes orais não transparentes, propensos à corrupção. Em 2008, Viktor Yushchenko, de orientação ocidental e reformista, apresentou um sistema de avaliação e admissão independente, semelhante ao americano Scholastic Aptitude Test (o famoso SAT). O Centro Ucraniano de Avaliação da Qualidade da Educação foi criado para desenvolver e controlar o novo exame. Ele introduziu um teste padronizado escrito que coloca os alunos nas mesmas condições e reduz as oportunidades para a corrupção. Em contraste com outros países pós-comunistas, onde as reformas análogas parecem ter falhado, o EIT foi colocado em prática com sucesso. (Por exemplo, na Rússia, apenas 16% da população acredita que o Exame Unificado do Estado reduziu a corrupção no vestibular.) Especialistas, bem como a sociedade, a consideram a reforma educacional mais eficaz desde a independência da Ucrânia. Isso é notável, uma vez que o contexto político depois da Revolução Laranja foi dominado pela instabilidade e inatividade; mas a reforma foi realizada com cuidado e apoiada por uma ampla coalizão do então presidente Yushchenko, pelo Ministério da Educação, pela comunidade internacional de doadores, e pela sociedade civil nacional.
 
Efeitos sobre a corrupção e a opinião pública
O EIT diminuiu significativamente a corrupção nos exames vestibulares. Antes de sua implementação, até um terço dos estudantes era afetado pela corrupção no vestibular; hoje em dia apenas 1% dos estudantes ucranianos relatam corrupção durante o teste de admissão. Isso leva a uma melhora na mobilidade social e geográfica dos alunos. Pelo fato de a admissão ter se baseado no mérito em vez de dinheiro ou relações informais, as universidades começaram a registrar significativamente mais estudantes de famílias de baixa renda e de áreas distantes. Nas universidades líderes de Kiev, por exemplo, a participação dos kievitas antes da reforma foi de até 75% devido à corrupção e acordos informais. Após a colocação em prática do EIT, sua participação caiu para 25-30%, e os estudantes de todo o país e classes sociais tiveram a oportunidade de estudar nas melhores universidades da capital.
 
As melhorias são reconhecidas pela maioria da sociedade, como mostra um levantamento de outubro de 2013: enquanto em 2008 (ano de sua introdução) a participação dos defensores do EIT foi de 42% (contra 34% que não apoiavam a reforma), em 2013 já 53% eram favoráveis ao novo exame (o número de adversários diminuiu para 25%). A aceitação é ainda maior no grupo-alvo (alunos e seus pais), onde 65% aprovam o novo sistema (24% se opõem ao EIT). Questionados sobre suas experiências pessoais com o novo teste, 68% do grupo-alvo diz que estão satisfeitos com a aplicação do exame. Além disso, 58% acreditam que o novo sistema de admissão reduz a corrupção. Os alunos atuais, que entraram na universidade após o processo de reforma, já consideram o sistema de admissão com base no EIT completamente normal.
 
Entretanto, com o novo sistema parece que, em certa medida, a corrupção apenas se deslocou: mais e mais estudantes se queixam de que agora não têm de pagar para entrar na universidade, mas são extorquidos para não serem expulsos. Como esse problema pode ser resolvido, é algo que ainda permanece incerto.
 
O futuro do EIT  
Após as eleições presidenciais de 2010, as forças políticas do país mudaram. O adversário do EIT, Viktor Yanukovych, que havia prometido em sua campanha eleitoral abolir o exame, tornou-se presidente. O novo ministro da Educação, Dmytro Tabachnyk, também era um forte opositor do EIT. Portanto, não foi nenhuma surpresa quando o novo governo diminuiu o papel do EIT. Novas brechas para a corrupção e procedimentos informais no processo de admissão foram a consequência. Os alunos que temem o retorno de práticas de corrupção iniciaram uma campanha "admissão sem subornos".
 
No entanto, a fim de obter mais controle, o Ministério da Educação está tentando diminuir ainda mais o papel do EIT. No conflito atual em torno de uma nova lei sobre o ensino superior, o ministério e o governo apoiam os mais reacionários dos três projetos. Eles planejam se desfazer do EIT em relação a programas universitários pagos e permitir que "universidades nacionais" (atualmente são 116) reintroduzam os seus próprios exames de admissão. Este projeto levaria a uma retomada de práticas de corrupção. Dois projetos de lei mais progressistas estão em discussão: um proposto pela oposição, o outro por um grupo de peritos acadêmicos e membros da sociedade civil. Em contraste com o projeto de lei do governo, estes projetos pretendem fortalecer o EIT. Por ora, a oposição concordou em apoiar o projeto do grupo de peritos, esperando que o governo também faça concessões e concorde com o projeto dos especialistas independentes.
 
Até agora, a disputa considerando a nova lei está em andamento há cinco anos, mas um acordo ainda não está à vista. Novas questões políticas – tais como a rejeição do acordo de associação com a União Europeia e os protestos de massa – ofuscam a agenda política atual. Assim, o futuro do EIT permanece incerto.