18/04/2012

Balanço

Formação interdisciplinar e inclusão social – o primeiro ano do ProFIS

Ana Maria Carneiro
Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp. Doutora em Política Científica e Tecnológica e mestre em Sociologia pela Unicamp. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás. Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (GEOPI/DPCT/Unicamp)

Cibele Yahn de Andrade
Pesquisadora do NEPP. Doutoranda em Economia do Setor Público pelo Instituto de Economia da Unicamp e graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp)

Mírian Lúcia Gonçalves
Professora tutora no curso de Ética, Valores e Cidadania na Escola (USP/Univesp). Mestranda em Educação Superior pelo Departamento de Práticas Culturais da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. Especialista em Educação em Saúde pela Unifesp e Pedagoga pela FE
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Introdução [1]
O programa de Formação Interdisciplinar Superior da Unicamp (ProFIS) completou um ano de existência, com uma primeira turma de alunos, muitos resultados positivos e vários desafios pela frente. O programa é uma das respostas da Universidade em relação à inovação curricular e à igualdade no acesso e permanência no ensino superior.
 
O objetivo do ProFIS é oferecer um curso interdisciplinar de nível superior, de dois anos de duração, com forte caráter de formação geral e que responde a uma política de inclusão social da Unicamp O objetivo do ProFIS é oferecer um curso de formação interdisciplinar de nível superior, de dois anos de duração, com um forte caráter de formação geral que responde a uma política de inclusão social da Unicamp. Para isso o projeto prevê entradas de 120 estudantes. Com início em 2011, foram selecionados dentre os inscritos por meio de um novo processo seletivo no contexto da Unicamp: a seleção dos melhores alunos das escolas públicas de Campinas a partir da nota no Enem. Após a conclusão dessa etapa, os alunos poderão escolher entre 61 cursos de graduação oferecidos na Unicamp, de acordo com seu desempenho e o número de vagas oferecido em cada curso.
 
O processo de criação e implementação do novo curso foi formulado no primeiro semestre de 2010 por um Grupo de Trabalho instituído pela pró-reitoria de graduação, apresentado e discutido em várias instâncias da universidade – administrativas e de ensino. O ProFIS foi aprovado pelo Conselho Universitário (Consu) em 9 de setembro de 2010 para início no ano letivo de 2011. A partir da aprovação, a composição do currículo foi organizada com o oferecimento de disciplinas pelas diferentes unidades da Unicamp. Um programa de Educação Geral na Universidade já havia sido pensado e vinha sendo discutido na Unicamp pelo menos desde 2001.
 
Dessa forma, o ProFIS foi elaborado, proposto, aprovado e implementado em um curto período, com uma coordenação bastante enxuta. A grade curricular foi montada a partir de uma proposta básica e da oferta de disciplinas pelas várias unidades. As disciplinas foram preparadas por vários professores que aceitaram o desafio de elaborar cursos inéditos, sem material didático previamente existente e para uma turma grande, de 120 alunos.
 
Com início em 2011, foram selecionados os melhores alunos das escolas públicas de Campinas a partir da nota no Enem A proposta de formação interdisciplinar do programa busca o desenvolvimento de habilidades básicas, a ampliação de conhecimentos nas áreas acadêmicas desenvolvidas nas Ciências Humanas e Ciências da Natureza, possibilitando a abordagem de problemas científicos de modo integrado e a compreensão da ciência como um modo de olhar o mundo (PRG, 2010b). Enfatiza as capacidades de ler, escrever, lidar com números, saber pensar e resolver problemas, trabalhar em grupo etc., e apoia a escolha da formação profissional e a formação de cidadãos críticos e preocupados com uma sociedade mais justa.
 
O programa baseia-se no princípio de que o acesso ao ensino público de nível superior de qualidade representa um dos mais eficientes mecanismos para a inclusão social. Como os professores Liz Reisberg e David Watson já apresentaram na Ensino Superior Unicamp (2010, ano 1, n.2), os estudos sobre o acesso à educação superior mostram, como impactos, que os egressos do ensino superior são mais propensos a ser mais felizes, saudáveis e democraticamente tolerantes; menos probabilidade de atividade criminosa; maior participação em eleições e inclinação para trabalho voluntário.
 
Entretanto, a expansão do ensino superior nos vários países não incluiu igualmente todos os setores da sociedade. Como resposta, foram criadas ações afirmativas incentivando o acesso dos grupos subrepresentados. A origem da desigualdade de acesso envolve a qualidade da preparação no Ensino Fundamental e ensino médio, a renda familiar e o nível de escolaridade dos pais, entre outras variáveis (Reisberg e Watson, 2010). Em geral, estas variáveis aparecem associadas (baixa qualidade da preparação na educação básica, com baixa renda familiar e pais com menor nível de escolaridade). Assim, estudantes que já apresentam desvantagem por algum motivo são preparados de forma inadequada. O que coloca um desafio para as Instituições de ensino superior de ampliar o acesso, mas também lidar com as deficiências de formação dos alunos. Como veremos, este é um duplo desafio particularmente para o ProFIS.
 
Um programa de Educação Geral já havia sido pensado e vinha sendo discutido na Universidade pelo menos desde 2001 Assim, não basta oferecer o ingresso em uma das melhores universidades do país, pois o acesso não é sinônimo de inclusão. É preciso buscar a permanência e a conclusão dos cursos. Para isso, o ProFIS, além de oferecer assistência estudantil (bolsas, auxílios e outros suportes), entende que é necessário acompanhar esses alunos desde o ingresso até a completa formação e inserção social. Para cobrir tal função, nós do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) montamos uma metodologia de avaliação institucional do programa e estamos acompanhando o desenvolvimento dos alunos e do programa desde seu início [2].
 
A avaliação do ensino superior brasileiro tem evoluído a passos largos, enfocando a qualidade do sistema. Entretanto, há ainda poucas experiências de avaliação de impactos desse nível de ensino que busquem avaliar os desdobramentos do curso superior na trajetória profissional dos formandos (Salvato et al, 2010). Fora do país é possível encontrar estudos sobre a avaliação de impactos do ensino superior nos seus beneficiários, especialmente dos impactos econômicos como um todo para a sociedade (Willians e Swail, 2005; Pascarella e Terenzini, 2005; Caffrey e Isaacs, 1971), quanto do impacto de uma universidade ou faculdade (Bluestone, 1993; Carr e Roessner, 2002).
 
A motivação para a avaliação desse programa de ensino superior justifica-se porque se trata de um programa piloto cuja viabilidade deve ser avaliada em termos institucionais para o planejamento de sua continuidade e eventuais ajustes. Dessa forma, é necessário avaliar se o desenho do programa é adequado para os objetivos a que se propõe. Isso envolve a avaliação no curto prazo, ao fim dos dois primeiros anos do programa, mas também no médio e longo prazo para acompanhar seus resultados e impactos. Nesse sentido a avaliação pretende auxiliar no aperfeiçoamento do ProFIS, na tomada de decisão em vários níveis, no aprendizado e na identificação das necessidades e dos ajustes necessários.
 
A avaliação tem três objetivos principais: a) avaliar a implementação e viabilidade do ProFIS como programa de formação geral para a Unicamp; b) avaliar o impacto do ProFIS na formação e trajetória profissional do aluno; e c) avaliar a alternativa de acesso à Unicamp, tanto no aspecto do processo de seleção quanto da promoção de equidade. A metodologia de avaliação está sendo desenvolvida junto com o programa, mesclando monitoramento e avaliação de impactos.
 
Este artigo procura discutir os resultados do primeiro ano do programa tendo em conta dois aspectos principais: o caráter de inclusão social no acesso e permanência ao ensino superior e a formação interdisciplinar. Para isso, além dessa introdução, o texto é formado por mais três seções. Inicialmente, apresenta-se o programa mais detalhadamente, para então tratar do perfil dos alunos da primeira turma com relação a algumas variáveis clássicas relacionadas com equidade. A última seção trata das dificuldades e desafios da formação interdisciplinar.
 
O ProFIS
O programa tem por objetivo oferecer um curso superior de complementação de estudos com três grandes inovações no contexto da Unicamp: 1) a proposta de formação geral; 2) o novo processo seletivo e 3) a proposta de ação afirmativa associada.
 
O ProFIS é um curso sequencial oferecido em período integral em quatro semestres, com disciplinas obrigatórias e eletivas oferecidas por várias unidades da universidade. O curso visa possibilitar uma formação geral, de caráter multidisciplinar, que proporcione uma base ampla nas principais áreas do conhecimento. Segundo o Projeto Pedagógico (PRG Unicamp, 2010b), os objetivos específicos são:
 

- Ampliação de conhecimentos nas áreas acadêmicas desenvolvidas nas Ciências Humanas e Ciências da Natureza, possibilitando a abordagem de problemas científicos de modo integrado e a compreensão da ciência como um modo de olhar o mundo;

- Ampliação de conhecimentos nas áreas de Artes e Humanidades, incluindo aspectos estéticos, possibilitando a participação de forma ativa no processo de apreciação e, possivelmente, de criação nessas áreas;

- Desenvolvimento do conhecimento dos métodos de pesquisa quantitativos e qualitativos;

- Compreensão das relações do conhecimento com o mundo do trabalho, tendo em vista uma definição mais segura de campo profissional futuro;

- Compreensão de si mesmo como indivíduo e como membro de uma sociedade diversificada, globalizada e em constante mudança.

Assim, a formação busca cobrir o conhecimento básico do mundo natural, social e artístico, oferecendo disciplinas básicas para desenvolver habilidades como solucionar problemas de forma cooperativa, comunicação, raciocínio lógico e pesquisa quantitativa e qualitativa. Busca também a formação de cidadãos críticos e a preparação para o mundo do trabalho no sentido do desenvolvimento das habilidades necessárias para qualquer formação profissional.
 
A grade curricular é composta por 28 disciplinas obrigatórias, totalizando 109 créditos, além de 8 créditos eletivos, sendo que 40% dos créditos correspondem a atividades práticas que ocorrem em sala de aula, laboratórios e em projetos de Iniciação Científica coordenados por professores e pesquisadores.
 
O projeto pedagógico do curso contemplou ações de apoio à permanência (auxílio transporte e alimentação e a bolsa de estudos) e também o apoio pedagógico com a participação de PADs[3] e PEDs[4] junto aos alunos.
 
Além de ser um programa especial, a forma de ingresso dos alunos representa uma inovação para a instituição. O curso busca trazer para a Unicamp os melhores alunos concluintes do ensino médio de escolas públicas do município de Campinas, selecionados por meio do Exame Nacional do ensino médio (Enem). São selecionados alunos com o melhor desempenho em cada uma das escolas, mas que se autoexcluem ou são excluídos dos processos seletivos usuais das universidades públicas. Um exemplo disso é que 55% das escolas públicas da cidade não tiveram nenhum aluno matriculado na Unicamp nos anos de 2008 e 2009. Essa inovação na forma de ingresso dos alunos sem passar pelo vestibular acontece em duas etapas: na entrada no ProFIS e na entrada nos cursos de graduação.
 
As disciplinas foram preparadas por vários professores que aceitaram o desafio de elaborar cursos inéditos, sem material didático prévio e para uma turma grande, de 120 alunos O programa piloto selecionou, no início do ano letivo de 2011, alunos advindos das escolas públicas de ensino médio da cidade de Campinas, que se inscreveram no ProFIS no final de 2010, utilizando a nota no Enem, composta pela média das cinco provas realizadas (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e redação). A primeira seleção teve 731 inscritos[5] (que representam cerca de ⅓ dos inscritos no Enem de Campinas), advindos de 88 escolas públicas de ensino médio de Campinas, que representam 95% dessas escolas no município. Destes, foram convocados 203 alunos e 120 matricularam-se. Estes vieram de 76 escolas da cidade, sendo que 44 escolas tiveram dois alunos matriculados e 32 escolas, um aluno na primeira turma.
 
Além de terem cursado o ensino médio completo em escola pública, o que é um pré-requisito do programa, 92,5% cursaram também o ensino fundamental na rede pública. E essa é a terceira inovação do programa, que se apoia no processo seletivo, ampliando a participação de alunos da escola pública na Unicamp, juntando esforços com o programa de Ação Afirmativa (PAAIS) e Inclusão Social. O programa denominado PAAIS+vestibular, inovador no contexto brasileiro, foi implementado em 2004 e fornece pontuação adicional na nota final do vestibular a candidatos oriundos de escolas da rede pública e/ou aos que se autodeclarem membros de minorias raciais. Em 2011, o programa representou 32,6% do número total de admissões pela via do vestibular na Unicamp (foram 1.134 de 3.477 alunos ingressantes). Se juntarmos com os ingressantes do ProFIS, o percentual de alunos provenientes de escolas públicas admitidos na Unicamp em 2011 chega a 34,8% (1.254 de 3.597). A promoção da equidade por via dessa ação afirmativa do ProFIS será aprofundada na próxima seção.
 
A promoção da inclusão social
Discutiremos os primeiros resultados do ProFIS em relação a dois aspectos intimamente relacionados: o novo processo seletivo e a busca da inclusão social. Os dois temas têm sido destacados nos últimos anos principalmente por causa das grandes transformações que ocorreram no setor de educação superior no Brasil. Com a passagem da universidade de elite em direção à massificação desse nível de ensino, houve o crescimento do número de instituições universitárias e não universitárias, incluindo a emergência do setor privado abrangente, e a expansão das matrículas (Krotsch, 2003). Paralelamente  ocorreu também a diversificação do público no ensino pós-secundário. A expansão das matrículas também tem representado uma mudança no perfil dos alunos: "um aumento de 87% da presença de não brancos e 67% da presença de indivíduos que compõem o terceiro, quarto e quinto quintis da distribuição de renda" (PRG Unicamp, 2010a). Entretanto, o crescimento tem ocorrido principalmente no ensino privado, acarretando um ônus adicional à parcela mais pobre da população.
 
Nesse sentido, as universidades brasileiras, especialmente as públicas, começaram a implantar ações afirmativas há cerca de dez anos. Segundo Heringer (2011), essas políticas inserem-se nas políticas de inclusão que têm por objetivo prover acesso ao ensino superior às pessoas que pertençam a grupos reconhecidamente em situação histórica de desvantagem. Segundo Chiroleu (2009), há três formas de promoção da equidade, quais sejam: a) apoio econômico a estudantes carentes; b) políticas de ação afirmativa realizadas através de cotas para certos grupos que sofrem ou sofreram algum tipo de discriminação; e c) criação de cursos especiais destinados a tais grupos. O ProFIS se encaixa na primeira e na última forma.
 
Não basta oferecer o ingresso em uma das melhores universidades do país, pois acesso não é sinônimo de inclusão; é preciso buscar a permanência e a conclusão dos cursos Como apontam Daflon et al (2011), as políticas de ação afirmativa em universidades públicas estão distribuídas por todo o território nacional de maneira bastante homogênea. Trata-se de uma realidade presente em mais de 70% das universidades públicas de nosso país, tanto em universidades federais quanto estaduais, sem contar as iniciativas das universidades privadas e de outros tipos de instituições (faculdades e centros universitários), além do programa Universidade para Todos (ProUni). A modalidade mais praticada é a que beneficia alunos oriundos da escola pública.
 
Segundo Heringer (2011), já é possível falar de uma "ação afirmativa à brasileira" se são contabilizados o número de instituições públicas de ensino superior e técnico adotando medidas nesse sentido, somados às bolsas do ProUni, e o contingente de jovens, principalmente de menor renda, pretos e pardos, que vêm sendo beneficiados. Há poucas pesquisas sobre os impactos das ações afirmativas, e ainda são consideradas controversas (Reisberg e Watson, 2010). É necessário avançar na avaliação dessas ações, o que é reforçado por Heringer (2011). Para ela, é preciso avaliar os programas em curso para analisar se as instituições de ensino estão contribuindo para a formação profissional dos jovens beneficiários, para que tenham chances ampliadas no mercado de trabalho:
 
Consideramos necessário dar continuidade às pesquisas neste campo, procurando compreender melhor os fatores relacionados às trajetórias dos estudantes que influenciam nas possibilidades de ingresso e sucesso no ensino superior. Cada vez mais é relevante conhecer mais sobre as aspirações, expectativas, motivações, condições de ingresso e permanência no ensino superior dos estudantes de menor renda e de grupos historicamente menos representados neste nível de ensino (Heringer, 2011, p.16).
 
Entretanto, como nos lembram Reisberg e Watson (2010), um maior acesso dos grupos sub-representados não é sinônimo de maior igualdade, sendo que os desafios continuam para manter os alunos até formatura: A verdadeira igualdade significa tornar o acesso disponível com os recursos e o apoio necessários para as pessoas obterem sucesso e tirarem proveito das novas oportunidades. São necessários novos serviços, que proporcionem acompanhamento acadêmico, apoio e orientação para auxiliar no que se refere à cultura social e acadêmica em nível universitário e apoio financeiro para amenizar as dificuldades econômicas (Reisberg e Watson, 2010, p.57).
 
Associado ao desafio da permanência na análise da inclusão social é necessário considerar as características com as quais os estudantes chegam ao ensino superior. Como colocam Pascarella e Terenzini (2005), nem todos os estudantes irão se beneficiar na mesma medida, ou na mesma direção, pelo ensino pós-secundário, haja vista a diversidade dos alunos.
 
As características próprias e específicas a cada estudante são classificadas como aspectos condicionais, que se relacionam direta e indiretamente com o impacto da educação superior, podendo direcioná-lo ou limitá-lo. Isso implica que os estudantes apresentem diferentes níveis de desenvolvimento ou de mudança mesmo experimentando as mesmas vivências acadêmicas. As variáveis condicionais apontadas pela literatura são gênero, idade, etnia, nível educacional dos pais, capital cultural dos estudantes, nível socioeconômico, dentre outras (Pascarella e Terenzini, 2005). Além disso, deve ser considerado que os impactos também variam dependendo do tipo de curso de nível superior.
 
49% dos alunos mudaram a opção de cursos para outra grande área do conhecimento O ProFIS apresenta alguns resultados bastante estimulantes em relação à busca de maior equidade no acesso ao ensino superior, trazendo um conjunto de alunos para a Unicamp com o perfil médio mais próximo do extrato da população do estado de São Paulo na idade de 18 a 24 anos, faixa etária que espera-se ter acesso ao ensino superior. Podemos observar, por exemplo, que a proporção de alunos que cursaram toda educação básica na rede pública é de 92,5% entre alunos do ProFIS e 85% entre os concluintes do ensino médio no Estado de São Paulo. Além disso, a primeira turma de alunos do ProFIS apresenta uma maior diversidade de perfil socioeconômico em relação aos ingressantes via vestibular, em termos de cor, nível de escolaridade dos pais e renda familiar.
 
Em relação à cor, 40% dos alunos do ProFIS são não brancos (pardos e pretos), um percentual 2,7 vezes superior ao percentual de matriculados através do vestibular e ligeiramente acima da distribuição de raça/cor da população de 18 a 24 anos do estado de São Paulo, que tem 36% de indivíduos não brancos (ver gráfico abaixo).

 

Gráfico 1 - Percentuais de inscritos (n=731) e matriculados (n=120) no ProFIS 2011 e nos vestibulares da Unicamp de 2008 a 2010 (média), segundo a raça/cor auto-declarada

Fonte:Questionário de inscrição no ProFIS 2011 e ComVest - Unicamp.

Com relação à escolaridade dos pais, 77% dos matriculados do ProFIS são a primeira geração no ensino superior em suas famílias, em comparação aos cerca de 46% dos matriculados via vestibular, considerando-se a maior escolaridades dos pais. Entre os pais dos alunos do ProFIS, 33% têm o ensino fundamental (completo ou incompleto), 44% têm o ensino médio (completo ou incompleto) e apenas 23 chegaram a cursar (ou se formar) no ensino superior. Segundo Reisberg e Watson (2010), a permanência é um desafio maior para os estudantes de primeira geração, pois estão menos preparados para lutar contra as desvantagens que os marcam.
 
Em relação à renda familiar per capita, os alunos matriculados do ProFIS apresentam uma renda média 3,6 vezes menor que a renda média da população de 18 a 24 anos do Estado de São Paulo com acesso ao ensino superior (ver tabela abaixo).
 
Tabela 1 – Renda familiar per capita dos inscritos e matriculados no profis, da população de 18 a 24 anos de são Paulo e da população de 18 a 24 com acesso ao ensino superior em são paulo, 2010 e 2009
 
Grupo
N
Média
DP
Mín.
Máx.
 
Matriculados no ProFIS
 
115
492
304
61
2.500
Inscritos na seleção do ProFIS
696
522
390
50
3.000
 
Pop. 18 a 24 anos SP com acesso ao ES em SP
(PNAD 2009)
41.327
1.800
2.312
0
85.000
 
População de 18 a 24 anos SP
(PNAD 2009)
270.015
720
1.229
0
94.670
 
Fonte: Questionário socioeconômico de inscrição e matrícula do ProFIS e PNAD IBGE 2009.
 
Dessa forma, em relação ao ingresso, os propósitos de inclusão social foram plenamente alcançados tendo em vista o perfil socioeconômico da primeira turma matriculada no programa. O processo de seleção do ProFIS parece capaz de contribuir para que o perfil dos alunos universitários se aproxime do da média da população de 18 a 24 anos do estado de São Paulo.
 
Como mencionado, à medida que o acesso ao ensino superior se expande, permanência e conclusão tornam-se tão importantes para o sucesso quanto aumentar o ingresso (Reisberg e Watson, 2010). Em relação à permanência, os dados do ProFIS são ainda bastante preliminares. O ingresso no ensino superior já fazia parte dos planos da maioria dos alunos, pois 97,5% deles declararam que já tinham a intenção de prosseguir seus estudos no ensino superior, mesmo antes de conhecer o programa. A maioria tentaria cursar uma universidade pública (70,4%), mas mesmo assim teria que trabalhar (54,8%) para manter-se estudando.
 
Tendo em vista que o período de inscrição no ProFIS 2011 (entre 8 de novembro a 3 de dezembro de 2010) foi posterior ao período de inscrição da maioria dos vestibulares, especialmente das universidades públicas, é interessante olhar a concretização dessa intenção inclusive na própria Unicamp. Dos 731 inscritos na primeira turma, 237 se inscreveram também no vestibular 2011 da Unicamp, sendo que apenas 74 (10,1%) chegaram à segunda fase do vestibular da Unicamp. Destes, 54 candidatos (73%) foram convocados pelo vestibular ou pelo ProFIS. Ao final da seleção, 27 estavam matriculados nos cursos a que se candidataram no vestibular e 9 ingressaram no ProFIS (dos 20 que foram convocados exclusivamente para esse curso). Tais dados mostram, por um lado, o grau de exclusão desses alunos dos processos seletivos de universidades públicas, mas, por outro lado, mostram também o bom desempenho alcançado por esse grupo de alunos.
 
Tomando-se apenas os matriculados, mais da metade prestou vestibular em 2011 (66,4%), a maioria destes na própria Unicamp, como apresentado na tabela abaixo. Ou seja, trata-se de um público que tinha o acesso ao ensino superior entre seus planos de trajetória.
 
Tabela 2 – Alunos matriculados no ProFIS 2011 que prestaram vestibular Segundo tipo de Instituição de ensino superior (n=79)
 
Tipo de IES
N
%
 
Unicamp
46
58%
Outras Universidades Públicas
36
46%
Privadas com fins lucrativos
29
37%
Privadas sem fins lucrativos
25
32%
Cursos Técnicos
3
4%
 
Fonte: Questionário socioeconômico de matrícula no ProFIS 2011.
 
No momento da matrícula, aplicamos um questionário com uma questão aberta sobre a motivação e expectativa quanto ao ProFIS. As respostas foram categorizadas segundo as principais motivações, sendo que cada resposta poderia conter mais de uma motivação (gráfico abaixo). A motivação principal para inscrição foi o currículo de formação geral do ProFIS (59%), entendido como oportunidade de aprimorar os conhecimentos obtidos no ensino médio pelo caráter interdisciplinar, fornecendo uma formação mais ampla para o futuro e a habilidade de aprendizado continuado ao longo da vida. Esse conjunto de respostas aponta para a compreensão da natureza de formação geral do programa, que é uma novidade na Unicamp e no país.
 
A segunda motivação mais frequente foi a oportunidade de acesso à Unicamp, expressa no desejo de ingressar em uma universidade pública e de qualidade reconhecida (52%); seguida pela motivação explícita de acesso a um curso de graduação posterior (43%). Outros 34% dos alunos matriculados mencionaram abertamente que o programa é uma grande oportunidade para os alunos das escolas públicas, que de outra forma teriam pouco sucesso no acesso à Unicamp. Essa afirmação é, de fato, comprovada acima (tabela 2), onde constam os dados de acesso desses alunos através do vestibular.
 
Para alguns alunos, o ProFIS representa uma preparação para o curso de graduação posterior (18%), tanto no sentido de nivelamento com outros alunos da Unicamp quanto de capacitação para conseguirem acompanhar o curso posterior. Chama a atenção também um pequeno número de alunos que esperam uma capacitação profissional para o mercado de trabalho (13%). Finalmente a opção "apoio na escolha da carreira" foi apontada por apenas 13% dos matriculados, apesar de ser um dos objetivos do programa.
 
Gráfico 2 – Motivação e expectativa quanto ao ProFIS 2011 (n=119)

Fonte: Questionário socioeconômico da matrícula do ProFIS 2011.
 
A maior parte dos matriculados já tinha uma ideia sobre a escolha do curso de graduação no momento da matrícula, pois 80,5% deles apontaram algum curso, mesmo com dúvida. Entre o fim de novembro e início de dezembro, aplicamos um novo questionário de acompanhamento dos alunos e perguntamos novamente sobre o curso desejado em três opções. Após o ProFIS, 81% dos alunos pretendem ingressar nas vagas reservadas para esses alunos nos cursos de graduação da Unicamp.
 
Dos alunos que responderam o questionário (num total de 99 alunos), 83% apontaram que o ProFIS tem ajudado a refletir sobre a escolha da carreira profissional, principalmente através da diversidade da grade curricular e aulas das disciplinas (83% do subtotal) e do contato com os professores das diversas áreas de conhecimento (54%). Em relação à opção de curso apontada inicialmente no questionário da matrícula, 49% dos alunos mudaram a opção de cursos para outra grande área do conhecimento. Essa migração pode reforçar que o ProFIS realmente tem contribuído para a definição vocacional de seus alunos. Ou pode ser uma adequação à real oferta de vagas ou até mesmo uma adequação frente ao desempenho (bom ou ruim) em disciplinas específicas, o que precisamos investigar melhor.
 
Como mencionado, a Unicamp implementou uma série de medidas de apoio à permanência, como ajuda de custo com o deslocamento e a alimentação dentro do campus para todos os alunos. Houve também concessão de bolsas de estudo para aqueles alunos em dificuldades financeiras, de acordo com os requisitos do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE). Além disso, no início do ano foi oferecida uma turma específica da Oficina de autorregulação da aprendizagem para os alunos desenvolverem habilidades de estudo[6], entre outras ações.
 
Dos 120 matriculados, 15 egressaram durante o primeiro ano (4 no primeiro semestre e 11 no segundo), o que significa uma taxa de evasão de 12,5%, o que estaria dentro dos níveis médios de evasão da Unicamp (entre 15% e 20%) (Alves Filho, 2011). No momento estamos investigando por que egressaram e que caminho esses jovens seguiram. Também estamos investigando a contribuição do curso e do ambiente da Unicamp nesse tempo em que passaram no campus, especialmente pela formação interdisciplinar ofertada, o que será discutido na próxima seção.
 
Os desafios da formação interdisciplinar
Segundo Claudio de Moura Castro (2011), o ensino superior tem sido historicamente uma composição de formação geral e formação para um ofício. Assim, a formação geral levaria a aprender a pensar e a especialista, a aprender a fazer. Atualmente, entretanto, observa-se um paradoxo. De um lado, há uma profissionalização precoce, pois o aluno é formado com alto grau de especialização. Mas, por outro lado, em grande parte das vezes não vai trabalhar no que se especializou, como mostram os dados do Observatório Universitário (Nunes, 2009).
 
O paradoxo se agrava na medida em que quanto mais os empregos se afastam da formação inicial, cada vez mais é necessário dar aos graduados uma base mais ampla de conhecimentos e habilidades que permita ajuste rápido às novas ocupações. Quanto maior é a chance de o indivíduo mudar de ocupação ao longo da vida, maior se torna a importância da formação de base, pois quem tem boa base consegue se atualizar mais rapidamente – seja voltando à escola, seja aprendendo por conta própria. Esse quadro mostra a necessidade de reforçar as habilidades básicas – como ler, escrever, saber pensar e resolver problemas complexos, lidar com números, lidar com gente, trabalhar em grupo, comunicar, liderar etc. (Castro, 2011).
 
O ProFIS enfrenta a realidade da má formação nas disciplinas de exatas, mas também em leitura, compreensão e produção de texto Além da questão da profissionalização precoce, outro desafio do ensino superior são as deficiências de formação, fruto da degradação da educação básica (Castro, 2011). Com a expansão das matrículas do ensino superior, esse nível de ensino tem recebido alunos com formação insuficiente, sem base sólida. Dessa forma, as IES se veem frente ao desafio de oferecer o reforço de habilidades que deveriam ter sido desenvolvidas nos níveis anteriores de escolaridade, o que pode ser feito com os programas de educação geral.
 
Não há uma definição consensual do termo formação geral, mas este pode ser entendido como a parte comum do currículo que é oferecida a todos os estudantes como aspecto prévio e primordial do desenvolvimento intelectual, que os prepara para ações cívicas e para a aquisição das competências profissionais, sendo também necessária para uma vida de contínua aprendizagem, por oferecer uma formação conceitual, e não prática utilitarista (Pereira, 2007).
 
A proposta do ProFIS é um processo em construção, pelas próprias características de um grupo interdisciplinar. Trata-se de um projeto inovador de formação geral. Os currículos de formação geral, não têm um modelo único, nem aqui nem no exterior. Mesmo nos EUA, onde há tradição de formação geral com os Colleges, a literatura reporta que as características dos cursos são bastante distintas dependendo da faculdade ou universidade que o implementa. A adoção da proposta de formação geral no ensino superior tem sido operacionalizada de formas diferentes, podendo gerar mudanças profundas em toda a estrutura da instituição, como uma reforma curricular, ou pode constituir um programa paralelo. No contexto brasileiro, podem ser citadas as experiências de dois ciclos da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que serão retomadas adiante.
 
Na Unicamp, o ProFIS busca oferecer uma formação geral com escopo de preparar profissionais de nível superior com conhecimentos que vão além daqueles normalmente oferecidos em formações mais específicas e profissionalizantes. Além disso, como também é uma proposta de ação afirmativa voltada para os alunos provenientes da escola pública, um desafio colocado para o programa desde o início foi como lidar com as deficiências de formação básica dos alunos, mesmo sendo os melhores alunos de cada escola pública da cidade de Campinas.
 
Segundo Schwartzman (Ensino Superior Unicamp, 2010b), o desempenho dos alunos no 3º ano do ensino médio tem sido inferior ao desejado para o último ano do ensino fundamental. Assim, o programa tem enfrentado alguns desafios relacionados, por um lado, à proposta de educação geral interdisiciplinar e, por outro, à formação deficiente de parte de seus alunos, dado que a turma é heterogênea em termos de bagagem educacional, tendo em vista a diversidade de qualidade de ensino das escolas públicas de Campinas. Esta é uma realidade que o ProFIS enfrenta como apontado por vários professores do programa, especialmente a má formação nas disciplinas de exatas – matemática, física e química –, mas também em leitura, compreensão e produção de texto.
 
A definição da grade curricular do ProFIS se deu a partir de uma proposta inicial que englobasse as habilidades consideradas essenciais para todas as áreas do conhecimento. A partir dessa proposta, houve negociação com as unidades de ensino para oferecimento de disciplinas. Foram convidados, então, os professores para prepararem e ofertarem as 16 disciplinas do primeiro ano da primeira turma. O conteúdo foi estabelecido pelos docentes, seguindo uma orientação inicial da coordenação do programa de utilizar ementas de disciplinas já existentes.
 
Das 16 disciplinas do primeiro ano, 63% dos créditos foram dados em aulas teóricas e 37% em aulas práticas. Dependendo da disciplina, os 120 alunos foram divididos em turmas menores nas aulas práticas, assistindo as aulas teóricas juntos, ou foram divididos em turmas de 30 alunos durante todo o tempo. Além disso, foram criados plantões de dúvida com apoio dos PEDs e PADs. Tais medidas foram fundamentais como estratégia de aprendizado para uma turma grande de alunos (120) e para enfrentar a questão da heterogeneidade de formação.
 
Os professores lançaram mão de diversas estratégias, extrapolando em muito suas funções específicas, tais como iniciar a produção de material didático específico Em algumas disciplinas os professores adotaram, desde o início, que o conteúdo trabalhado seria diferenciado em relação ao que oferecem tradicionalmente, levando em conta o caráter interdisciplinar do curso e, portanto, a variedade de interesses dos alunos. Esses professores partiram da constatação de que parte dos alunos não seguiriam a formação específica daquela área de conhecimento, de forma que o conteúdo a ser trabalhado no ProFIS não deveria ser a reprodução das disciplinas introdutórias de cada área. A opção foi, então, por um conteúdo mais abrangente, com a intenção de despertar o interesse do aluno, de expô-lo ao universo das diferentes áreas de conhecimento ou de levá-lo a experimentar as formas específicas de pesquisa de determinada área. Montaram um curso que não existe para os alunos da Unicamp. Essa opção foi adotada em algumas disciplinas, como, por exemplo, Textos Fundamentais de Literatura, Planeta Terra e Evolução.
 
Para outras disciplinas cujo objetivo é voltado ao desenvolvimento de habilidades mais básicas, das quais depende toda a construção do conhecimento, a situação foi diferente. O desenvolvimento dessas habilidades depende diretamente da formação anterior, no ensino fundamental e médio. Nessas situações o nível de heterogeneidade e as dificuldades de grande parte dos alunos ficaram bem mais evidentes. Isso pode ser observado claramente nas disciplinas de matemática e produção de texto. Ocorreram também em certa medida em outras disciplinas oferecidas no ProFIS, tais como química e física.
 
Frente a essas questões, os professores lançaram mão de diversas estratégias, extrapolando em muito suas funções específicas, tais como iniciar a produção de material didático específico, tentando cobrir uma lacuna de material adequado, e oferecer aulas extras. Assim, nota-se a sensibilidade e flexibilidade dos professores para ajustarem o conteúdo das disciplinas frente à diversidade de interesses dos alunos e, sobretudo, à heterogeneidade na formação do ensino fundamental e médio.
 
Tomando como exemplo a disciplina de matemática básica, inicialmente o professor, que é o coordenador do curso, pensou em duas alternativas para a definição do conteúdo – reforçar o conteúdo do ensino médio ou ministrar uma espécie de pré-cálculo. A opção foi pela segunda alternativa. Entretanto, após a primeira avaliação o professor percebeu que os alunos tinham deficiências anteriores inclusive ao conteúdo do ensino médio, referentes ao ensino fundamental. Dessa forma, teve que readequar o conteúdo e as estratégias de ensino. Além das aulas teóricas (com o docente) e práticas (com PEDs), foram organizados plantões com os PADs e PEDs em horários sem aula, especialmente no horário do almoço. Mesmo assim, 53% dos alunos foram reprovados na disciplina, que está sendo oferecida como disciplina de verão de 2012 para os alunos conseguirem manter-se no fluxo.
 
Em consonância com a proposta de interdisciplinaridade, os professores tentaram restabelecer as ligações entre as disciplinas. O conceito de evolução, por exemplo, perpassou várias disciplinas, tais como Evolução, Planeta Terra e Química. Isso deverá se intensificar quanto mais consolidadas forem as disciplinas em termos de conteúdo e formato. Busca-se, assim, a construção da interdisciplinaridade, que se refere à oferta do conhecimento não através de disciplinas separadas, mas enfocando a relação que existe entre as diferentes áreas.
 
Além da adaptação do conteúdo, os professores adaptaram também a linguagem habitualmente utilizada em sala de aula porque os alunos do ProFIS demonstraram não ter familiaridade com determinados termos e vocabulário. Além disso, os professores se esforçaram também em suprir a falta de determinados conhecimentos anteriores necessários à adequada contextualização das ideias, durante as próprias aulas expositivas. Essas foram estratégias que facilitaram muito a compreensão de conceitos e a transmissão de novas ideias que puderam ser captadas pelos alunos do ProFIS, mesmo com lacunas em conhecimentos anteriores.
 
Os alunos também tiveram que rapidamente adaptar-se à nova realidade acadêmica. A adaptação foi em relação às aulas em tempo integral e ao nível de exigência muito superior ao que a maioria estava acostumada, comparando-se com o ensino médio. Os alunos relataram, em algumas ocasiões, o grande esforço que tiveram que mobilizar para conseguir acompanhar todas as disciplinas e lidar com as deficiências de formação. Como em qualquer turma, alguns tiveram mais sucesso que outros.
 
Em termos do desenvolvimento das habilidades básicas, o saldo foi bastante positivo. No questionário de acompanhamento, perguntamos sobre a contribuição do ProFIS no desenvolvimento dessas habilidades (ver gráfico a seguir). É interessante notar que as maiores médias de notas, entre zero e quatro, são nas competências mais diretamente ligadas aos objetivos do programa – pensar de forma crítica e analítica, comunicar-se (escrita e fala) e aprender a aprender. Os alunos também avaliam que o programa tem contribuído muito para o desenvolvimento de uma educação geral ampla.
 

Gráfico 3 – Contribuição do ProFIS para o desenvolvimento de habilidades (nota média) (n=99)
 
No questionário de acompanhamento, os alunos do ProFIS expressaram que consideram a carga horária do programa muito alta e pouco flexível, apontando que gostariam de poder selecionar mais disciplinas, transformando algumas das disciplinas obrigatórias em eletivas. Em resumo, apontaram que gostariam de ter mais flexibilidade de montar sua grade de acordo com a área em que pretendem cursar a graduação depois.
 
Tais comentários podem estar relacionados, em parte, à dificuldade de adaptação ao turno integral de estudos, às grandes deficiências da educação básica e às dificuldades de acompanhar tantas disciplinas com um nível de exigência muito maior ao que estavam acostumados. Mas também chamam a atenção para a discussão do formato do programa, ou para o devido entendimento dos objetivos do ProFIS.
 
Em sua versão atual, há muito mais créditos obrigatórios (109), no mínimo 1.605 horas[7], do que disciplinas eletivas (8). Há que se descontar dos créditos obrigatórios 16 créditos que são de Introdução à Prática de Ciências e Artes, correspondentes a duas disciplinas nos terceiro e quarto semestres do curso. Nelas, o aluno fará uma iniciação científica, com bolsa do CNPq, em projetos coordenados por docentes e pesquisadores das várias unidades da Unicamp. Dependendo da oferta desses projetos, os alunos poderão escolher temas mais próximos da área de interesse.
 
Considerações finais
A avaliação de meio-termo do ProFIS aponta um saldo positivo do programa em relação à implementação do curso e da primeira turma. Dois objetivos foram plenamente alcançados. O primeiro foi a própria implementação do programa num prazo exíguo. Isso só foi possível com a dedicação irrestrita da coordenação, dos professores e dos PEDs e PADs, que assumiram diretamente a implementação e a condução das aulas para viabilizar o curso nesse curto período de tempo. Também deve ser notada a colaboração das diversas unidades de ensino, que ofereceram docentes e laboratórios para a realização das aulas, e o esforço da Pró-Reitoria de Graduação para mobilizar os recursos da universidade a fim de colocar o curso em funcionamento e resolver os problemas que foram aparecendo.
 
O segundo grande objetivo, o de inclusão social no ingresso ao ensino superior, foi plenamente alcançado. O perfil da primeira turma matriculada no programa aproxima-se do perfil médio observado na população de São Paulo na idade de 18 a 24 anos, trazendo uma diversidade maior para a Unicamp em termos de raça/cor, background escolar familiar e situação socioeconômica.
 
No balanço da avaliação do primeiro ano do programa, destacamos quatro desafios que já começaram a ser enfrentados e que iremos acompanhar no processo de avaliação do ProFIS: a) a permanência e conclusão do ensino superior; b) a consolidação da proposta de interdisciplinaridade; c) como lidar com as deficiências de formação dos alunos e d) o próprio projeto de avaliação do programa.
 
A inclusão social no ingresso é um grande passo no caminho da promoção da equidade, mas que precisa ser concretizado também em termos de permanência dos alunos no ensino superior e conclusão dos cursos. É um tema que necessita de acompanhamento no médio e longo prazo, pois o aproveitamento do ensino superior pode variar tendo em vista a diversidade dos alunos em termos de nível educacional dos pais e nível socioeconômico, além de interesse e aproveitamento do curso de formação geral. Até o momento, há bons indicativos nesse sentido. Os alunos têm demonstrado que desejam continuar seus estudos de nível superior na trajetória apontada pelo programa, ou seja, seguir num dos 61 cursos da Unicamp que ofereceram vagas para os alunos do ProFIS. Além disso, há indicações preliminares de que o ProFIS tem contribuído para a escolha da carreira profissional. Há que se lembrar também das medidas complementares de apoio à permanência que foram implementadas pela PRG.
 
A interdisciplinaridade do ProFIS é um processo em construção, que envolve a composição da grade curricular, o conteúdo de cada disciplina, a ligação entre as disciplinas e atividades de pesquisa. Como apresentado, a orientação inicial de utilizar disciplinas existentes foi abandonada e todas as disciplinas foram estruturadas e desenvolvidas atendendo às especificidades do curso, resultando na oferta de disciplinas novas no contexto da Universidade – as quais têm sido cobiçadas por alunos de outros cursos. À medida que essas disciplinas se consolidarem, ficará mais fácil estabelecer as ligações entre os conteúdos, incluindo as atividades de pesquisa.
 
Durante o primeiro ano, foram desenvolvidas diversas estratégias para lidar com as dificuldades dos alunos devido à formação anterior. Dentre elas destacamos a definição do conteúdo das disciplinas,a adaptação de linguagem nas aulas, a criatividade na utilização de materiais e oferecimento de atividades extras (além da aulas teóricas e práticas). Todos os professores comentaram que os alunos evoluíram ao longo das disciplinas, inclusive com a constatação de saltos ao longo da convivência e imersão no cotidiano das atividades acadêmicas. A efetividade dessas estratégias também precisa ser acompanhada ao longo das turmas do ProFIS e na evolução do desempenho dos alunos nos cursos de graduação.
 
Por fim, paralelamente ao desenvolvimento do programa, temos o desafio de desenvolver a metodologia de avaliação, planejada para ser continuada e acompanhar os resultados e impactos de curto, médio e longo prazo. Para isso montamos uma proposta que inclui o acompanhamento dos alunos das turmas do ProFIS, mas também de outros grupos de perfil semelhante para checar em que medida os impactos estão relacionados ao programa ou a outros fatores. Esse aspecto aponta para a dificuldade de atribuir impactos à realização do ensino superior, pois as mudanças observadas em grande parte podem ser atribuíveis também às transformações da passagem da adolescência para a juventude e para a vida adulta devido à faixa etária dos beneficiários do programa. Outro grande desafio em relação à atribuição dos impactos e causalidades é o fato de o programa conter duas inovações simultâneas – a proposta de inclusão social e o formato inovador do curso. E, finalmente, o desafio é manter a participação, envolvendo os interessados e envolvidos no desenvolvimento, interpretação e revisão dos indicadores, além dos beneficiários e grupos de controle na coleta dos dados.
 
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[1] Agradecemos à revisão da professora Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira, cujos comentários permitiram significativas melhorias neste artigo.
 
[2] A equipe de avaliação é composta atualmente pelas pesquisadoras do NEPP Ana Maria Carneiro (coordenadora), Cibele Yahn Andrade e Stella Maria Barberá da Silva Telles, pelos alunos Mírian Lúcia Gonçalves (mestrado em Educação), Sarah Marconatto (graduação em Matemática) e Pedro Casagrande (graduação em Ciências da Terra). O projeto de avaliação conta com o apoio de alguns especialistas em avaliação e ensino superior: Adriana Bin (FCA), Camila Zeitoum (Doutoranda DPCT), Celma Domingues (SAE), Elizabeth Mercuri (FE), José Roberto Rus Perez (NEPP) e Soely Polydoro (FE). Além da equipe e dos especialistas, o projeto contou com a contribuição de um conjunto de professores, pesquisadores e estudantes no 1º Painel de Especialistas para validação da Metodologia de Avaliação, ocorrido em junho de 2010.
 
[3] Graduandos participantes do Programa de Apoio Didático – PAD.
 
[4] Pós-graduandos participantes do Programa de Estágio Docente – PED.
 
[5] Das 731 inscrições, 705 foram consideradas válidas. As inscrições desconsideradas referem-se a algum problema com a nota do Enem, como ter zerado alguma das provas, por exemplo.
 
[6] Oficina "Como estudar melhor agora que estou na Universidade?", voltada para alunos ingressantes composta de 6 encontros semanais de 1h20 de duração. No total, 31 alunos do ProFIS frequentaram a oficina.
 
[7]A carga horária do curso é uma exigência do MEC para regulamentação dos cursos sequenciais.
 
capa da edição impressa nº 5 | abril de 2012