27/08/2013

International Higher Education

Os desafios de manter um sistema de empréstimos estudantis na Colômbia e no Chile

Poucos sabem que a primeira agência de empréstimos estudantis de todo o mundo foi criada em 1951 na Colômbia

Jamil Salmi
Salmi é consultor de ensino terciário e ex-gerente de ensino terciário do Banco Mundial. E-mail: jsalmi@tertiaryeducation.org
O governo chileno quase foi derrubado no ano passado por causa de protestos estudantis contra o sistema de empréstimos a eles destinado. Como resultado da crise de financiamento estudantil no Chile, os estudantes da Colômbia reivindicaram ensino superior gratuito para todos – tornando irrelevante qualquer empréstimo estudantil. Será que o fim dos empréstimos estudantis se aproxima na América Latina, ecoando a crescente preocupação dos Estados Unidos, onde o montante de US$ 1 trilhão em dívidas foi usado para denunciar os empréstimos estudantis como sistema e abordagem fracassados? Em coluna publicada pelo New York Times, Charles Blow descreveu o nível de endividamento nos EUA como "impressionante", além de "trazer implicações de longo prazo para nossa sociedade e nossa economia, conforme este endividamento começa a afetar decisões como constituir família ou entrar no mercado imobiliário" (8 de março de 2013). Nesse contexto de crises e afirmações apocalípticas envolvendo os empréstimos estudantis nas Américas, o propósito desse debate é compartilhar, com os leitores, lições dos desenvolvimentos recentes no Chile e na Colômbia.
 
O caso do Chile
A demanda dos secundaristas começou com a extensão do seu passe-livre de 10 meses para o ano inteiro. Ironicamente, o governo rejeitou essa pauta inicial, citando o alto custo para o orçamento, mas aprovou um pacote de reformas de custo 20 vezes superior ao do pedido inicial dos estudantes, que evoluiu para um confronto em oposição às organizações de estudantes secundaristas e universitários e todo o governo. As principais facções de estudantes universitários chegaram ao ponto de exigir uma emenda constitucional garantindo ensino de alta qualidade gratuito e público em todos os níveis, incluindo o ensino superior.
 
É verdade que as queixas dos estudantes eram legítimas. Durante décadas o Chile teve um sistema de ensino segregado, com dois grupos de universidades oferecendo diferentes benefícios aos estudantes. O primeiro, composto por 16 universidades públicas e as 9 universidades privadas, recebe subsídios do governo, e seus estudantes têm direito a se candidatar a bolsas generosas e ter acesso a um sistema altamente subsidiado de empréstimos proporcionais à renda. O segundo, formado por 36 universidades privadas, não recebe financiamento público mas atende a 53% de todos os estudantes de nível universitário. Tais estudantes têm acesso limitado às bolsas, mas podem participar dos esquemas de empréstimo operados por bancos comerciais com garantias do governo, de acordo com modelo estabelecido em 2005. O novo esquema teve muito sucesso em termos de procura e apresentava um bom sistema de metas. Já em 2011, 75% de todos os estudantes do primeiro e segundo quintis com direito aos empréstimos receberam esse benefício. Mas o esquema começou a enfrentar sérias dificuldades quando chegou o momento de quitar a primeira parcela de pagamentos, com alguns dos formandos enfrentando altos níveis de endividamento e uma capacidade limitada de quitar dívidas por causa da natureza do empréstimo, não proporcional à renda. A proporção dos encargos mensais da dívida em relação à renda mensal estava em 18%, ante 4% na Austrália, 6,4% na Nova Zelândia, 2,9% na Grã-Bretanha e 2,6% na Holanda. Como resultado, a proporção de inadimplência saltou rapidamente para 36%, número bastante alto se levarmos em consideração o pouco tempo que o programa de empréstimos para estudantes esteve em funcionamento. Não surpreende que uma das principais demandas dos estudantes manifestantes fosse a abolição do programa de empréstimos estudantis.
 
Alguns meses atrás, o governo anunciou sua intenção de fundir os dois esquemas existentes de empréstimos estudantis, aplicando os termos e condições do primeiro grupo ao sistema inteiro. Isso significa, entre outras coisas, que o pagamento da dívida passa a depender da renda, permitindo aos estudantes que escolham a carreira de sua preferência e paguem por seus diplomas com uma proporção fixa da renda futura, garantindo assim um fardo de endividamento dentro do razoável. Os pagamentos mensais oscilarão entre 5% e 15% da renda mensal, dependendo do nível de renda dos formandos. A quitação da dívida será feita pelo sistema fiscal, embora o ministério das finanças tenha inicialmente se mostrado relutante em se envolver na gestão do pagamento de empréstimos estudantis.
 
O caso da Colômbia
No mundo, poucos sabem que a primeira agência de empréstimos estudantis de todo o mundo foi criada em 1951 na Colômbia. A Agência Colombiana de Empréstimos Estudantis – Instituto Colombiano de Crédito Educativo (Icetex) – foi o sonho de um colombiano jovem e idealista, Gabriel Bettencourt, que, depois de ser beneficiado com um empréstimo para obter seu mestrado nos Estados Unidos, convenceu o presidente da República a criar uma agência que oferecesse o mesmo tipo de serviço aos colombianos necessitados.
 
Depois de várias décadas de desenvolvimentos desequilibrados, a Icetex se tornou uma das maiores e mais bem sucedidas agências de empréstimos estudantis semelhantes a hipotecas. Sob a liderança de um presidente visionário e com o apoio de dois empréstimos sucessivos do Banco Mundial desde meados dos anos 2000, a Icetex expandiu sua cobertura para 19% dos estudantes, concentrando-se naqueles provenientes de contextos sociais menos favorecidos. Essa é a maior cobertura proporcional de toda a América Latina. A Icetex também melhorou sua marca em se tratando de cobrança – reduzindo a inadimplência de 22% em 2007 a 13% em 2009, e modernizou suas práticas administrativas, reduzindo o custo operacional de 12% em 2002 para 3% atualmente. A agência também estabeleceu parcerias com universidades participantes para oferecer auxílio não apenas financeiro, mas também acadêmico e psicológico para os devedores, reduzindo muito entre os devedores a proporção de estudantes que abandonam o curso.
 
Entretanto, essa situação se viu ameaçada por dois tipos de problema nos últimos anos. Primeiro, com a crise econômica, um crescente número de formandos enfrentou dificuldade para cumprir as obrigações do empréstimo. A proporção de formandos em situação de inadimplência nos pagamentos chegou a 17%. Segundo, a crise chilena chegou à Colômbia. Estudantes tanto das universidades públicas quanto das privadas exigiram a abolição das taxas em todo o espectro do ensino superior, mais recursos para o ensino terciário público e a transformação dos empréstimos estudantis em bolsas de estudos. Certa tarde, há alguns meses, os estudantes foram protestar diante da Icetex e acabaram quebrando algumas das janelas do edifício. A constante pressão vinda das ruas, por meio de manifestações geralmente pacíficas aproximando estudantes e professores, obrigou o governo a retirar da pauta do congresso a Lei de Reforma do Ensino Superior.
 
Lições e conclusões
Muitos anos atrás, meu orientador de empréstimos estudantis – professor Bruce Chapman – partilhou comigo os três segredos para administrar com sucesso um esquema de empréstimos estudantis: o primeiro é a cobrança, o segundo é cobrança e o terceiro é a cobrança. No fim, na ausência de um mecanismo adequado de cobrança, o sistema de empréstimos estudantis de um país se verá falido independentemente do seu tipo.
 
Esquemas tradicionais de empréstimos estudantis, semelhantes a hipotecas, são vulneráveis por definição, como foi ilustrado pelos casos chileno e colombiano. Sem uma provisão que associe o pagamento à renda, períodos de crise econômica sempre criarão dificuldades conforme o desemprego aumenta e a renda permanece estagnada.
 
Obviamente, sistemas de empréstimos com pagamento vinculado à renda apresentam mais chance de sucesso. Mas a necessidade de ter um sistema de cobrança infalível é um desafio para a maioria dos países em desenvolvimento. Me parece que o Chile está mais bem posicionado do que a Colômbia para usar a gestão dos impostos sobre a renda para cobrar os empréstimos estudantis de maneira eficiente. Trata-se de uma das consequências positivas da crise recente, que obrigou os chilenos a criar abordagens mais racionais e eficientes para a oferta e cobrança de empréstimos estudantis. Torço para que a Colômbia não precise de uma crise tão grave para encontrar maneiras de fazer a transição para um modelo de empréstimos estudantis com cobrança vinculada à renda, permitindo à Icetex que consolide ainda mais o avanço recente. Na verdade, a Icetex já abriu para os pós-graduandos a possibilidade de mudar para um esquema de cobrança vinculada à renda. Duzentos formandos se valeram dessa opção em 2012. Se essa abordagem demonstrar sucesso em facilitar os pagamentos, a Icetex talvez possa expandi-lo para todos os beneficiados por empréstimos desse tipo.