20/05/2013

International Higher Education

A questão do lucro no ensino superior

Qual é o efeito líquido da busca pelo lucro, com base no quanto resta para o financiamento do ensino de qualidade?

Andrés Bernasconi
Professor do ensino superior na Faculdade de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Chile. E-mail: abernasconi@uc.cl
Os grandes protestos estudantis vistos no ano passado no Chile tiveram como um de seus principais alvos a busca do lucro no ensino. A argumentação defendida pelos manifestantes e partilhada – de acordo com pesquisas de opinião – por uma expressiva maioria da sociedade chilena era a de que a busca por ganhos financeiros com a educação é algo moralmente ilegítimo que deve ser proibido pela lei. Sob nenhuma circunstância o ensino pode se tornar um empreendimento de negócios, de acordo com aquilo em que a maioria parece acreditar.
 
Uma das perguntas que devemos fazer envolve a real situação da qual os estudantes estavam se queixando. As escolas no Chile podem operar como firmas de fins lucrativos em todos os níveis do ensino básico, fundamental e médio e também no setor não universitário do ensino superior. Somente as universidades são obrigadas a se organizar como instituições de caridade sem fins lucrativos. Entretanto, tal regra é desconsiderada por muitas das universidades particulares do país – talvez a maioria delas –, que se valem de uma inteligente triangulação envolvendo empresas pertencentes aos proprietários das universidades, tornando o lucro disponível para os fundadores ou donos dessas instituições de ensino.
 
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Do ponto de vista da elaboração de políticas públicas, acomodar as demandas dos estudantes mobilizados foi tecnicamente mais fácil no caso das universidades, pois tratou-se apenas de fazer valer a lei conforme consta nos códigos. Ao passo que, nos outros níveis de ensino, os atuais provedores de serviços que operam com fins lucrativos teriam de ser expropriados de seus empreendimentos legítimos por parte do governo, um atoleiro constitucional e também um paraíso de disputas legais para os advogados.
 
Politicamente, uma mudança no estado atual do ensino envolveria uma proposta inaceitável para o governo direitista de coalizão, que dá muito valor ao ensino privado e à liberdade de empreendimento, individualmente ou juntos, bem como à estabilidade das regras de jogo pelo bem dos investidores.
 
Além do caso do Chile, pode ser um exercício válido considerar, em termos abstratos, os prós e os contras dos fins lucrativos no ensino superior. Pode o ensino superior se tornar um empreendimento lucrativo legítimo? Seria ele um empreendimento necessário?
 
A questão não é se é verdade que as instituições públicas ou sem fins lucrativos operam com menos eficiência, e sim, mais importante, se a vantagem da eficiência supostamente obtida pelas instituições de fins lucrativos é maior do que a parcela da renda que remunera executivos e proprietários Alvo legítimo de empreendimentos em busca do lucro?
Durante muito tempo, todo o ensino superior no mundo foi público, particular-filantrópico ou afiliado a instituições religiosas. Mas a participação dos provedores com fins lucrativos está crescendo, não apenas nos Estados Unidos como na América Latina. Há estimativas segundo as quais o setor com fins lucrativos já recebe mais de 30% do total de matrículas do ensino superior no Brasil, somados os setores público e privado, por exemplo. Mas, assim como Peru e Costa Rica, o Brasil permite o lucro no ensino superior. Além disso, há talvez alguns milhões de estudantes em todo o mundo matriculados em instituições declaradamente sem fins lucrativos cujos gestores ignoram a restrição ao lucro recorrendo a negociatas por baixo dos panos.
 
Por que não deveria haver espaço para o ganho econômico no ensino? Uma linha de raciocínio sublinha a natureza com base na confiança que define as relações no ensino. Tal conformação é subvertida quando a meta dominante da atividade deixa de ser a oferta de ensino às pessoas, passando a ser ganhar dinheiro com a oferta de ensino às pessoas. Aqueles que recebem o ensino podem se indagar se os proprietários estão de fato investindo tudo aquilo que podem ou devem na instrução, em lugar de buscar atalhos para ampliar a própria renda. O contra-argumento neste caso diz que, para que um empreendimento de ensino se mantenha no mercado, precisa oferecer ensino de boa qualidade. Caso contrário, os fregueses vão procurar outro provedor do serviço. A pressão pelo desempenho cria um efeito virtuoso exógeno, mesmo nos casos em que a motivação virtuosa endógena não exista. Evidentemente, para que tal resultado competitivo benéfico se materialize, assim como ocorre em qualquer outro mercado, informações de boa qualidade relativas ao desempenho são necessárias para os consumidores.
 
Uma questão adicional surgiu com a concentração das matrículas num pequeno número de provedores de larga escala dentro do universo das instituições de fins lucrativos – fenômeno observado nos Estados Unidos, Brasil, México e Chile – possivelmente fomentado por economias de escala na gestão, no projeto de instrução e na sua entrega: o ensino superior de fins lucrativos parece mais bem adaptado à formação de grandes instituições (ou conglomerados) do que as organizações privadas sem fins lucrativos e o setor público. O fato de isso ser bom ou ruim depende da opinião individual em relação à concentração no mercado e à diversificação.
 
Os proponentes do ensino enquanto empreendimento comercial costumam apontar para os ganhos de eficiência derivados do foco na maximização de lucro. Se o empreendimento pretende trazer ganhos econômicos para seus proprietários, o desperdício deve ser controlado, o tempo de inatividade reduzido, os investimentos cuidadosamente calculados e aprovados em função do retorno esperado, e os incentivos ajustados de maneira inteligente de modo a fazer todos os membros da organização produzirem o seu melhor. Além de beneficiar os fregueses, tais medidas não costumam ser observadas nas instituições públicas ou sem fins lucrativos. A estrutura legal das instituições de fins lucrativos pode ser considerada melhor adaptada para o ambiente implacável e competitivo do ensino superior atual, diferentemente da configuração desajeitada das fundações e outros modelos filantrópicos existentes no domínio privado sem fins lucrativos. Esse profissionalismo mais acentuado na gestão e na mobilização de recursos financeiros, encontrado na forma de organização com fins lucrativos, é a tendência observada nos últimos anos no sentido de maiores investimentos nas instalações de ensino e no equipamento por parte dos proprietários dessas instituições, valendo-se do dinheiro captado com os acionistas na ocasião da oferta pública inicial, com instituições financeiras ou fundos de investimento – um cenário que não chega a ser inimaginável para as instituições sem fins lucrativos, mas talvez menos frequente e mais difícil de se obter.
 
Efeitos na qualidade
Mas a questão empírica que emerge desse arranjo não é simplesmente se é verdade ou não que as instituições públicas ou sem fins lucrativos operam com menos eficiência, e sim, mais importante, se a vantagem da eficiência supostamente obtida pelas instituições de fins lucrativos em relação às entidades públicas e assistidas pela filantropia seria maior do que a parcela da renda que remunera os executivos e proprietários, sendo portanto afastada do reinvestimento no ensino. Em outras palavras, qual é o efeito líquido da busca pelo lucro, com base no quanto resta para o financiamento do ensino de qualidade? Os opositores sublinham que os mecanismos organizacionais, as recompensas individuais e a cultura geral de maximização da eficiência é deletéria para a integridade acadêmica: cursos em áreas pouco procuradas no setor das humanidades podem ser fechados por causa do pequeno número de estudantes, que não permitem que tais cursos paguem o próprio custo, independentemente de sua qualidade. Além disso, um exagerado tamanho mínimo para as turmas pode ser bom do ponto de vista econômico, mas é ruim para o contato entre estudantes e professores; membros caros do corpo docente podem também ser preteridos por colegas inferiores de salário mais baixo, que podem ainda assim oferecer o básico, e assim por diante.
 
Com base na questão da qualidade, mesmo direcionando parte de sua renda aos acionistas, pode uma instituição de fins lucrativos oferecer mais qualidade – medida, por exemplo, pela adequação dos formandos ao mercado de trabalho, que costuma ser a principal promessa de retorno feita pelas instituições de fins lucrativos – do que instituições comparáveis sem fins lucrativos, que têm liberdade para investir toda a sua renda nos requisitos do ensino? Assim sendo, uma questão empírica inclui o problema da magnitude do prêmio pago pela eficiência nas instituições de fins lucrativos em relação à remuneração proporcionada aos seus proprietários. Observadores na América Latina afirmam que as instituições locais no Chile e na Costa Rica melhoraram depois de terem sido adquiridas por empresas internacionais do setor de ensino. Conforme o Brasil, líder mundial no teste dos formandos, continua a expandir seu programa nacional de testes para todos os formandos das instituições de ensino superior em todas as disciplinas e profissões, teremos à disposição dados para abordar essa questão. Análises preliminares das notas médias por tipo de instituição mostram resultados mistos e inconclusivos.
 
Será o ensino superior de fins lucrativos necessário?
Mesmo que a busca pelo lucro no ensino superior levasse a mais contras do que prós, ela ainda seria uma espécie de “mal necessário”, levando à oferta de acesso num período de massificação mundial do ensino superior em que o Estado não é financeiramente capaz de sustentar o crescimento do setor público. Além disso, a filantropia é escassa – por uma combinação de fatores que praticamente descreve a totalidade do mundo em desenvolvimento. De fato, não parece muito arriscado dizer que o lucro legal ou ilícito é mais prevalente no sul em desenvolvimento do que no norte industrializado. Se nessas latitudes o ensino superior não for oferecido enquanto empreendimento lucrativo, argumenta-se que o sistema simplesmente não será oferecido. Entretanto, a defesa dessa proposição exigiria um levantamento preciso daquilo que tem fins lucrativos e aquilo que não tem – uma tarefa difícil no atual ambiente carente de informações.
 
Finalmente, por que as pessoas deveriam ser impedidas de solicitar seu ensino de um provedor que almeja lucrar com o serviço? Independentemente da resposta a essa pergunta, há apenas uma condição de plausibilidade para esse argumento que não pode ser negada por ninguém: informação. Os consumidores precisam saber se a instituição com a qual estão lidando tem fins lucrativos; e o desempenho financeiro de todas as instituições, independentemente de sua forma corporativa, deve estar prontamente disponível. Mas a relutância mundial das instituições de fins lucrativos em fazer dessa condição um elemento central de sua representação pública deve nos levar a pensar na legitimidade social atribuída aos empreendimentos de ensino nas nossas sociedades.