14/01/2014

Valor Econômico

Jornalista e acadêmica escreve sobre ensino superior privado, negócios e corrupção no Chile

"Os estudantes pagam mensalidades muito altas porque os controladores das universidades fazem grandes edifícios, grandes instalações e cobram por isso. Então, criam um mecanismo operacional para retirar esse lucro e transferi-lo para outros negócios", diz María Olívia Mönckeberg

Jorge Felix, do Valor Econômico
Jesús Instroza / divulgação
María Olívia Mönckeberg
Con Fines de Lucro - La Escandalosa Historia de las Universidades Privadas en Chile
María Olívia Mönckeberg. Editora: Random House Mondadori. 455 págs.
 
O jornalista Jorge Felix, do Valor Econômico, entrevistou María Olívia Mönckeberg, 69 anos, professora do Instituto de Comunicação e Imagem da Universidade do Chile, sobre seu mais recente livro, Con Fines de Lucro - La Escandalosa Historia de las Universidades Privadas en Chile, lançado este mês. "Seu trabalho foi mostrar como, apesar de terem nome de universidade, prédio de universidade, alunos e professores, as instituições educacionais surgidas após a liberalização do setor promovida pela ditadura militar em 1981 desrespeitam a lei que proíbe o lucro na educação", escreveu o repórter na edição desta terça-feira (14) do diário. As duas obras anteriores que tratam do tema são La Privatización de las Universidades: Una Historia de Dinero, Poder e Influencias (2005) e El Negocio de las Universidades en Chile (2007).
 
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Leia também:
 
Por Helena Sampaio, Faculdade de Educação da Unicamp
 
Leia seguir alguns trechos selecionados da entrevista.
 
O que ocorre no Chile é que, como há uma grande desigualdade social, quem deveria pagar mais impostos é um grupo muito pequeno da população. O que ocorre é que as empresas pagam alíquotas de impostos reduzidas, se comparadas a outros países, e na comparação com o que pagam as pessoas físicas Valor: Michelle Bachelet foi eleita com a promessa de ampliar o ensino universitário gratuito. Será possível cumprir o prometido?
María Olívia Mönckeberg: Ainda não há detalhes sobre o financiamento da educação gratuita proposta por Michelle Bachelet, mas a futura presidente tem enfatizado duas coisas: reiterou sua vontade de fazê-lo e que os recursos para o financiamento serão obtidos com a reforma tributária, que será feita de forma gradual. A possibilidade de que leve a reforma a cabo tem muito a ver com o forte respaldo que Bachelet teve na campanha e com o apoio parlamentar, já que o tipo de parlamento que assumirá em março marca uma diferença em relação ao atual, pois ela terá maioria clara em ambas as câmaras. Além disso, todas as pesquisas indicam que a demanda por mudanças profundas na educação que visa o lucro e na educação pública gratuita tem apoio amplamente majoritário da cidadania.
 
Valor: A sociedade chilena aceitará pagar mais impostos para ampliar a universidade gratuita?
María Olívia: Este é outro ponto. Por ora, digo que é preciso observar que, desde 2011, as pesquisas são favoráveis às demandas estudantis. Uma média de apoio de 70%, às vezes de 80%. A reforma tributária, que foi bastante estudada pela equipe de Bachelet, não provoca resistência na maioria da população. Pode ser que tenha um problema aqui ou ali, em alguns setores. O que ocorre no Chile é que, como há uma grande desigualdade social, quem deveria pagar mais impostos é um grupo muito pequeno da população. O que ocorre é que as empresas pagam alíquotas de impostos reduzidas, se comparadas a outros países, e também na comparação com o que pagam as pessoas físicas. A questão é ver como se dirigem esses recursos para uma educação pública que seja de qualidade.
 
Valor: Em seus livros, é muito destacado o problema da "venda de ilusões" para os universitários, pois, a qualidade do ensino é ruim. Como é a fiscalização no setor?
María Olívia: O sistema é muito frouxo. Este é o problema que temos e a explicação para se chegar ao ponto que chegamos. Uma lei de fiscalização só foi aprovada em 2006, mas com muitos problemas, porque a comissão designada para isso é constituída por pessoas das mesmas universidades que representam os interesses corporativos. É uma situação, que retrato no livro, de caso de corrupção muito forte – inclusive, na própria comissão, que em 2009 e 2010 facilitou autorizações para funcionamento e abertura de cursos. Não existe uma entidade, uma superintendência para fiscalizar. É uma das reivindicações para o futuro.
 
Valor: Enquanto isso, o setor vive uma espécie de autorregulamentação.
María Olívia: Sim, uma espécie, pois há, inclusive, prisões de pessoas, ex-reitores, integrantes da comissão de acreditação. Mas uma universidade, do grupo internacional Laureate, está tentando obter a renovação da acreditação, e não consegue. A acreditação é importante, porque permite o acesso a subsídios, inclusive o crédito estudantil, com aval do Estado. Esse tipo de crédito é que permitiu o crescimento significativo do setor privado, de 2006 até hoje. A universidade não tem risco. A pergunta é: se o Estado tem fundos para isso, por que não os destina primeiro às suas próprias universidades? Não é como no Brasil, onde se continua a abrir universidades públicas.
 
Valor: Desse modo, as univerisdades com fins lucrativos têm menos concorrência e podem cobrar mensalidades mais altas?
María Olívia: Exato. O que ocorre é que essas instituições privadas, surgidas depois de 1981, retiram o dinheiro de seus caixas e levam para outras sociedades, organizações, principalmente imobiliárias, das quais os donos são os mesmos, são sócios. Os estudantes pagam mensalidades muito altas porque os controladores das universidades fazem grandes edifícios, grandes instalações e cobram por isso. Então, criam um mecanismo operacional para retirar esse lucro e transferi-lo para outros negócios. Portanto, o sistema educacional do Chile criou empresas chamadas de universidades. As universidades no Chile são como dutos pelos quais passa o dinheiro pago pela sociedade, que vai para os donos dos negócios.
 
Valor: Neste momento, 12 universidades são investigadas, ministros caíram, reitores foram presos. Qual a perspectiva, com essas investigações?
María Olivia: Três das universidades são do grupo Laureate. Há ainda a Universidad de las Americas, a Autónoma de Chile e a Andrés Bello, que teve a nota rebaixada. A Autónoma é da família do ex-ministro da Justiça de Piñera. Várias outras deveriam ser investigadas. Creio que estão atuando com rigor. A polícia começa a detectar junto à Receita Federal o que poderiam ser saídas ilegais de dinheiro do grupo Laureate para o exterior. Falta regulamentação do sistema. A Lei Orgânica Constitucional da Educação é uma lei da ditadura, nunca mudada, e diz claramente que não pode haver lucro no setor. Há dificuldades, no entanto, para enquadrar efetivamente o lucro como lucro. Estão sendo procuradas ligações com o setor imobiliário, os empréstimos entre empresas de mesmos sócios sem taxa de juros, uma série de coisas. As universidades atuam como instituições financeiras.