14/10/2011

Clark Kerr

Comissão e Conselho Carnegie para o Ensino Superior: uma retrospectiva

Texto publicado em novembro de 2005 no Research & Occasional Paper Series (Center for Studies in Higher Education da Universidade da Califórnia, Berkeley)

John Douglass
Pesquisador do CSHE/Berkeley
Fundador e coordenador do Student Experience in Research University (SERU)
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Repórter – "Dr. Kerr, sei que ainda é cedo para que o senhor anuncie planos para o futuro, mas gostaria de perguntar se tem ideia do que gostaria de fazer a seguir. Teria interesse em administrar outra universidade?"
 
Clark Kerr – "Na verdade preciso pensar no assunto. Tive algumas oportunidades no decorrer dos últimos anos; não estou atualmente sem oportunidades em vista. Gostaria de avaliá-las com calma. Não acredito que ficarei desempregado por muito tempo."
 
Há mais de 40 anos, Clark Kerr foi incumbido de criar e chefiar a Comissão Carnegie para o Ensino Superior, iniciativa sem precedentes tanto em alcance quanto em termos de liberdade concedida ao seu diretor O trecho acima é da entrevista coletiva concedida por Clark Kerr em 1967 após a decisão do Conselho Regente da Universidade da Califórnia de demiti-lo da presidência. Trata-se de um dos capítulos mais famosos da história do ensino superior americano. No fim de 1966, o republicano Ronald Reagan tornou-se governador da Califórnia, derrotando Pat Brown, um importantíssimo defensor do pioneiro sistema público californiano de ensino superior. A campanha de Reagan concentrou boa parte de sua energia retórica na necessidade de "arrumar a bagunça em Berkeley". Ao ser eleito governador, uma de suas primeiríssimas medidas foi pressionar com sucesso o Conselho a encerrar o mandato de Kerr na presidência da universidade.
 
Depois de quase nove anos à frente do sistema da Universidade da Califórnia, liderada por ele numa era de rápida expansão tanto de matrículas quanto da abrangência dos programas – incluindo sua significativa participação na condução do famoso Plano Mestre para o Ensino Superior do Estado e na inauguração de três novos campi – Kerr destacou-se como um dos grandes astros do ensino superior americano. Mostrou-se um exímio líder das maiores universidades públicas de pesquisa do país – e mais. Kerr era um importante pensador do papel desempenhado pelas universidades e faculdades num mundo moderno. Sua participação no Godkin Lecture[*] de 1963, sobre um tema que ele chamou de "multiversidade", foi uma tour de force, uma atenciosa observação das condições, méritos e pontos fracos das florescentes universidades americanas.
 
Mas, em 1967, já tinha se tornado o alvo de ataques constantes tanto da esquerda quanto da direita. A esquerda o acusava de estar a serviço do complexo militar-industrial. A direita o criticava por seus esforços para apaziguar manifestantes radicais e simpatizantes do comunismo.
 
Apesar da pressão de um contingente significativo de membros do Conselho Regente que pediam sua renúncia – tanto para agradar ao novo governador quanto para acertar antigas contas –, recusou-se a deixar o cargo. A 20 de janeiro de 1967, o Conselho Regente aprovou o fim da presidência de Clark Kerr por 14 votos favoráveis e 8 contrários, encerrando seus 38 anos de vínculo com a Universidade – que tiveram início quando ele era estudante de Economia concentrado na área das relações do trabalho, depois como membro da faculdade, então como chanceler em Berkeley (1952-1958) e finalmente como presidente do sistema (1958-1967). Kerr manteve uma posição na faculdade em Berkeley, mas isso não parecia ser grande conforto.
 
Em entrevista coletiva concedida horas após a votação, Kerr foi generoso, mas também incisivo. "Não acredito no princípio segundo o qual a posse de um novo governador do Estado deva acarretar também um novo presidente para a universidade", afirmou ele. Posteriormente, fez o famoso comentário: "I leave the university as I entered it, fired with enthusiasm."
 
Kerr não tinha pensado muito em qual seria o seu destino após a votação do conselho. Mas outros o fizeram. Na véspera do seu afastamento da presidência, recebeu telefonemas de encorajamento. Um deles foi feito por Nathan Pusey, presidente de Harvard. Wallace Sterling, de Stanford, e Courney Smith, de Swarthmore, também telefonaram. Cada um deles ofereceu a Kerr algum tipo de posição acadêmica nas suas respectivas instituições. Mas o telefonema mais importante foi o de Alan Pifer, presidente da Corporação Carnegie e da Fundação Carnegie para o Avanço do Ensino (Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, CFAT).
 
Doze anos antes, o predecessor de Pifer, John W. Garner, trabalhou com o então presidente da Universidade da Califórnia, Robert Gordon Sproul, e com Kerr, então chanceler de Berkeley, na tentativa de estabelecer em Berkeley um centro de pesquisas sobre o ensino superior usando os recursos da Corporação Carnegie. Gardner deu sequência à iniciativa concedendo recursos a uma série de outras grandes universidades para que criassem centros similares. Sua tarefa: analisar e documentar a organização e as potenciais reformas dos sistemas de ensino superior dos Estados Unidos, cada vez mais complexos e em rápida expansão, que vinham sendo alvo de reorganizações na maioria dos Estados conforme faziam planos para expandir em larga escala o número de matrículas.
 
Com o auxílio da Corporação Carnegie, teve início uma onda de pesquisas envolvendo os sistemas estaduais de ensino superior. Seus resultados alimentaram o crescente interesse de legisladores federais e estaduais, além de funcionários do governo, no sentido de organizar, coordenar e promover o acesso ao ensino pós-secundário.
 
O ESTABELECIMENTO DA COMISSÃO
Quando Kerr foi demitido, Pifer propôs a ideia de promover a pesquisa e a reflexão sobre o ensino superior e o seu papel na sociedade. Pediu a Kerr que o ajudasse a criar e dirigir aquilo que se tornaria a Carnegie Comission on Higher Education.
 
Kerr e seus colegas criam que o ensino superior maciço e o aproveitamento da vasta mistura de universidades e faculdades públicas e particulares seriam vitais para o futuro dos EUA Pifer tornou-se presidente da Corporação Carnegie e da CFAT em 1965, depois de atuar como vice-presidente da empresa; foi o sucessor de John W. Gardner, que tornou-se secretário de Saúde, Educação e Bem-Estar Social no governo Lyndon Johnson. Pifer, Gardner e o conselho da corporação tinham cogitado fechar a CFAT. Para Pifer, a instituição não tinha feito muita coisa desde o início dos anos 50. Mas a oportunidade de contar com Kerr na função de líder de um amplo estudo do ensino superior mostrou ser um momento crítico que justificou a continuidade da existência da CFAT. A comissão, e posteriormente o conselho, tornaram-se as únicas atividades da CFAT entre 1967 e 1979.
 
A Comissão deveria ser um empreendimento nacional, sem precedentes tanto no seu alcance quanto na liberdade concedida ao seu diretor – Clark Kerr – para guiar suas pesquisas e sua produtividade. Pifer prometeu substanciais recursos financeiros por um período mínimo de cinco anos – não seria necessário buscar outras fontes de sustento. E Kerr poderia comandar a iniciativa a partir de Berkeley, estabelecendo um escritório perto do campus, contratando funcionários e atraindo estudiosos e pesquisadores para o âmbito da comissão. Pifer atuaria como presidente da Comissão.
 
Para definir sua pauta, Kerr trabalhou com Pifer, além de Alden Dunham e David Robinson, ambos da Corporação Carnegie. Eles planejaram investigar e elaborar recomendações para os temas mais vitais com os quais o ensino superior americano deparava-se na última parte do século vinte. Ao fazê-lo, a comissão não estaria falando em nome da comunidade do ensino superior, "e sim sobre do ensino superior, bem como suas necessidades e contribuições".
 
A visão de mundo de Kerr, Pifer e seus colegas era temperada pela crença de que o ensino superior maciço e o aproveitamento e aprimoramento da vasta mistura de universidades e faculdades públicas e particulares seriam vitais para o futuro social e econômico do país. Eles também afirmavam que um maior papel desempenhado pelo governo federal seria essencial e talvez inevitável no sentido de sustentar a aposta dos Estados Unidos no ensino superior.
 
UMA AMBICIOSA PAUTA DE PESQUISA
Kerr e seus colegas estabeleceram uma pauta de pesquisas que acabou englobando seis áreas gerais de políticas públicas – embora o trabalho da comissão (1967 a 1973) e do seu sucessor, o Conselho Carnegie para o Ensino Superior (1973-1979), tenha sido tão amplo e pródigo que sua pesquisa tenha com frequência ido além desses temas.
 
As seis áreas de políticas públicas eleitas como alvo foram:
 
·                    Justiça social;
·                    Oferta de capacitação avançada e conhecimento novo;
·                    Eficácia, qualidade e integridade dos programas acadêmicos;
·                    Adequação da governança;
·                    Recursos humanos e financeiros disponíveis para o ensino superior;
·                    Propósito e desempenho das instituições de ensino superior.
 
Ao fim, a comissão e o conselho produziram 37 relatórios sobre as políticas públicas e 137 relatórios técnicos e de pesquisa, todos patrocinados. Os dois primeiros estudos patrocinados foram brilhantes: As finanças do ensino superior, de Howard R. Bowen, e A economia das grandes universidades particulares, de William G. Bowen, ambos publicados em 1968. Apesar de partilharem o mesmo sobrenome, os autores, ambos renomados no meio do ensino superior americano, não eram parentes.
 
Howard Bowen, economista, fez no seu estudo uma observação famosa: na busca pela qualidade e pela excelência, universidades e faculdades gastarão cada dólar que chegue às suas mãos. Assim sendo, seu apetite é inesgotável. E Earl Cheit foi o autor de um estudo que apontava a precária posição fiscal de muitas universidades e faculdades, afirmando que o ensino superior americano estaria entrando numa "nova depressão", caracterizada por um quadro sustentado de reduções na sua receita.
 
Também afirmavam que um maior papel desempenhado pelo governo federal seria essencial para sustentar a aposta dos EUA no ensino superior Entre os primeiros relatórios da comissão trazendo recomendações formais estavam Qualidade e igualdade: novos níveis de responsabilidade federal no ensino superior, publicado em 1968 e revisado e ampliado em 1970; e Uma chance de aprender: uma pauta ativa para a igualdade de oportunidades no ensino superior. A maioria dos grandes relatórios não foi publicada até 1970, quase três anos após a criação da comissão, refletindo o processo deliberado e os cuidadosos esforços de pesquisa dedicados a cada estudo.
 
O grande número de relatórios que foi publicado logo no início dos anos 70 refletia a meta de Kerr e da comissão, que pretendiam informar e influenciar a revalidação da Lei do Ensino Superior, finalmente aprovada em 1972.
 
Inicialmente, Allen Pifer ofereceu à comissão um período de atividades de cinco a seis anos, que acabou chegando a sete. Ao término desse período, muita coisa tinha mudado. O entusiasmo em relação às abordagens para os problemas nacionais da época da Great Society de Lyndon Johnson tinha desaparecido; o financiamento federal para o ensino tinha se dissipado; e as projeções de matrícula indicavam um achatamento de longo prazo na demanda pelo ensino superior.
 
Kerr desejava dar continuidade ao ímpeto da comissão sob uma nova forma – via Conselho Carnegie para Estudos de Políticas de Ensino Superior, atuando principalmente como patrocinador de investigações sobre o "estado consolidado" do ensino superior americano, além de acompanhar e complementar muitos dos principais relatórios elaborados pela comissão. O conselho tomou forma em 1973 e atuou até 1979, quando Kerr decidiu que se "aposentaria", depois de concluir sua trajetória com um último estudo, Três mil futuros: os próximos vinte anos do ensino superior, publicado em 1980.
 
Foi mais ou menos nesta época que Pifer se aposentou da presidência da Corporação Carnegie e da CFAT. Ernest Boyer tornou-se presidente da CFAT (mas não o presidente da Corporação, algo que marcou uma mudança organizacional que separou mais claramente as duas entidades). Boyer decidiu não dar continuidade ao Conselho e buscou deixar sua própria marca no setor da educação.
 
AVALIAÇÃO DA INFLUÊNCIA
A área do ensino superior mudou substancialmente desde os primeiros esforços da Comissão (posteriormente Conselho) de Kerr, algo que se refletia no crescimento das pesquisas e dos níveis intermediários de administração nas instituições, e na proliferação das publicações especializadas e voltadas para o público acadêmico. Ainda assim, muitos dos estudos e relatórios elaborados na época mantêm sua relevância hoje. E, desde então, não houve iniciativa coordenada comparável àquela. O próprio volume dos estudos patrocinados pela Comissão e pelo Conselho e do material publicado impressiona, bem como a sua qualidade.
 
Qual foi a influência exercida por essa iniciativa substancial?
 
Em certo número de instâncias, a influência da comissão e do conselho e do grupo de estudiosos a eles associados foi substancial; em outras áreas, é difícil identificar resultados diretos nas políticas públicas. Mas a existência e a amplitude do trabalho de Kerr e seus muitos colegas produziram outros efeitos benéficos, apesar de nem sempre provocarem mudanças claras em práticas e políticas.
 
A comissão e o conselho criaram, por exemplo, um riquíssimo repertório de pensamentos detalhados e ousados em relação ao funcionamento e financiamento das universidades e faculdades americanas, bem como ao papel desempenhado por elas na sociedade. Esse investimento produziu um acúmulo de conhecimento que certamente ampliou a forma de pensar o ensino superior nos Estados Unidos.
 
Os 19 membros da comissão produziram 37 relatórios sobre políticas públicas e 137 textos técnicos, todos patrocinados. Muitos mantêm sua relevância hoje. Desde então não houve iniciativa coordenada comparável àquela Além disso, em um aspecto relacionado ao primeiro exemplo, a amplitude do trabalho da comissão e do conselho ajudaram a construir uma comunidade do ensino superior interessada na autorreflexão e no próprio discurso. Havia apenas um pequeno número de publicações acadêmicas especializadas antes do trabalho da comissão, entre eles The Journal of Higher Education, criado em 1930. Mas, na década de 70, novas organizações e publicações já tinham surgido. A Associação Americana de Ensino Superior foi criada em 1969 e logo lançou a Change Magazine. A Associação para Estudo do Ensino Superior começou suas atividades em 1976 e logo passou a publicar The Review of Higher Education.
 
Em terceiro lugar, o trabalho apoiado pela Corporação Carnegie ajudou a aprofundar os interesses e as opções de carreira de uma nova geração de líderes do ensino superior e daqueles que trabalham na área.
 
Em quarto lugar, o trabalho da comissão e do conselho proporciona aos governantes contemporâneos e aos observadores do ensino superior americano um marco referencial para medir o progresso e os problemas enfrentados hoje, funcionando como uma fonte de informações de valor incalculável. Um relato mais detalhado do trabalho da comissão e do conselho pode nos informar melhor quanto àquilo que é politicamente possível na nossa própria época.
 
O que se segue é um breve debate que reflete cada um desses pontos, com ênfase num conjunto de relatórios específicos que tiveram impacto substancial ou, por vários motivos, tiveram um impacto menor e até imperceptível.
 
Um fator crucial para a produtividade da comissão e do conselho foi sua independência financeira. A Corporação Carnegie ofereceu cerca de US$ 1,8 milhão à comissão, soma expressiva na época Um fator crítico para a produtividade da comissão e do conselho foi a sua independência financeira. Ao todo, a Corporação Carnegie ofereceu aproximadamente US$ 1,8 milhão à comissão – uma soma particularmente expressiva na época. A Fundação Ford e o Commonwealth Fund também ofereceram recursos para certo número de grandes projetos na área da educação em profissões relacionadas à saúde, e o Conselho Americano para a Educação cooperou numa série de pesquisas que tinham como objetivo medir as mudanças institucionais.
 
Um segundo fator crítico incentivando a produtividade da comissão e do conselho foi a inclusão de líderes acadêmicos e estudiosos que tiveram a oportunidade, e até a autoridade, para pensar além dos limites tradicionais. Kerr deu as boas-vindas a antigos e novos amigos, recebendo-os entre os 19 membros da comissão, incluindo os presidentes e ex-presidentes universitários Nathan M. Pusey (Harvard), Eric Ashby (Cambridge), William Friday (Carolina do Norte), Katherine McBride (Bryn Mawr), David Henry (Universidade de Illinois) e Theodore M. Hesburgh (Notre Dame), além de acadêmicos como Carl Kaysen (Instituto de Estudos Avançados, Princeton) e David Riesman (Harvard).
 
Com apoio e orientação de seus colegas, Kerr teve a oportunidade única de selecionar uma grande variedade de projetos de pesquisa e estudos patrocinados de especialistas, sem a necessidade de captar recursos financeiros adicionais nem buscar a aprovação de legisladores, burocratas do governo ou grupos de lobby da área de educação.
 
ENTRE OS SUCESSOS
No fim da primeira encarnação da iniciativa financiada pela Carnegie, e depois de 21 relatórios especiais e 80 estudos patrocinados publicados em série – primeiro pela McGraw-Hill e depois pela Jossey-Bass –, Kerr e seus colegas enfrentaram críticas, um desfecho natural para uma iniciativa tão abrangente de avaliar e redefinir os contornos do ensino superior americano. Kerr e as várias encarnações do conselho não foram tímidos. Assumiram riscos num mundo no qual eram cada vez mais escassos os recursos para o ensino superior e havia um endurecimento dentro da academia contra novos experimentos e ideias reformistas.
 
Kerr teve a oportunidade única de selecionar uma grande variedade de projetos de pesquisa sem ter de captar recursos adicionais nem buscar aprovação de legisladores, burocratas ou grupos de lobby Ainda assim, muitos na comunidade do ensino superior compreenderam a grande valia do projeto e sua abrangência, até hoje não superada, mesmo que discordassem de muitas das recomendações da comissão. A opinião manteve-se relativamente equilibrada porque, como escreveu Harold Enarson no Journal of Higher Education em 1973, em todos os relatórios e estudos produzidos pela Carnegie, "a Comissão é absolutamente pragmática. Começamos com o sistema, as inconstantes necessidades da nossa época, os problemas visíveis que nos afetam, e então são propostas medidas e soluções no limite do possível".
 
Uma das primeiras grandes questões enfrentadas pela comissão e influenciadas por ela foi o futuro do auxílio federal, especificamente o crescente desejo manifestado por faculdades e universidades, tanto públicas quanto privadas, de receber financiamento institucional direto. O padrão inaugurado pela lei conhecida como G.I. Bill tinha sido criado para permitir aos estudantes que fizessem suas próprias escolhas, concedendo-lhes diretamente financiamentos e recursos federais.
 
Outro fator crítico incentivando a produtividade do colegiado foi a inclusão de líderes acadêmicos e estudiosos que tinham autoridade para pensar além dos limites tradicionais O fluxo de recursos federais com destino a Estados e instituições do ensino superior cresceu constantemente nos oito anos que se seguiram ao lançamento do Sputnik – recursos para financiar bolsas, pesquisa básica e, durante certo período, para sustentar a formação de capital. Entretanto, a maneira pela qual tais recursos foram dissipados gerou desacordo: certos Estados e instituições, em geral as particulares e aquelas que formavam a elite das instituições públicas, recebiam a maior parte dos recursos dos cofres federais. Em Washington, alguns legisladores desejavam alocar uma parte – ou o total – dos recursos de auxílio financeiro e financiamento à pesquisa para os Estados de acordo com critérios proporcionais, ou diretamente às instituições com base no seu tamanho ou outros cálculos semelhantes.
 
No seu primeiro relatório, a Comissão Carnegie concentrou-se na questão da "Qualidade e Igualdade", combatendo com ardor essa proposta de financiamento em bloco e sustentando que os programas federais de auxílio financeiro deveriam manter o foco principal nas bolsas e empréstimos concedidos diretamente a indivíduos em situação de necessidade. Kerr e seus colegas defendiam que uma das "mais urgentes prioridades nacionais é a remoção das barreiras financeiras que atrapalham os jovens matriculados nas nossas diferentes universidades e faculdades, seja em programas acadêmicos ou profissionalizantes".
 
Como escreveu Harold Enarson em todos os relatórios e estudos produzidos pela Carnegie, a Comissão foi absolutamente pragmática, propondo medidas e soluções no limite do possível Kerr argumentou que avançar no sentido de um financiamento em bloco faria com que instituições e Estados concorressem entre si, tornando a concessão de recursos federais ou ajuda financeira um processo abertamente político cujo funcionamento sofreria com a interferência dos interesses especiais. O financiamento dos estudantes, e não das instituições, evitaria ou amenizaria essa possibilidade, ao mesmo tempo concedendo aos estudantes a autonomia para escolher a instituição que mais correspondesse às suas necessidades acadêmicas. O programa delineado pela comissão em relatórios de 1967 e 1968 acabou levando à Bolsa Básica de Oportunidade Educacional (BEOG) e às Bolsas Estatais de Incentivo ao Estudante (SSIG), posteriormente convertidas nas Pell Grants e nos Perkins Loans.
 
Mas Kerr e a comissão receberam mal o início de um processo gradual de transferência das bolsas para os empréstimos, iniciado pelo governo Nixon no início dos anos 1970.
 
Um segundo projeto influente da comissão foi o desenvolvimento de um método de classificação da vasta rede de faculdades e universidades americanas, que se tornou posteriormente a Classificação Carnegie das Instituições. Antes do trabalho da Comissão, a maioria das tentativas de categorização das faculdades e universidades simplesmente indicava o seu status enquanto instituições públicas ou particulares, o nível de graduação oferecido (cursos de dois anos, quatro anos, mestrado etc.) e se eram credenciadas ou não.
 
Para ajudar na coleta de dados quanto às matrículas, os orçamentos e as graduações, o governo federal estabeleceu em 1968 o Levantamento de Informações Gerais sobre o Ensino Superior (HEGIS, posteriormente IPEDS). Mas o agrupamento forçado de uma gama tão variada de instituições prejudicou a análise. A criação de uma estrutura conceitual mais nuançada para a classificação foi um passo importante para a compreensão integral do universo do ensino superior nos EUA.
 
Após anos de estudos e debates, a Classificação Carnegie foi divulgada numa publicação em 1973. E continua a influenciar a maneira com a qual encaramos o ensino superior nos EUA. Um total de seis categorias e certo número de subcategorias – criando dezenove categorias no geral – dividiram as universidades e faculdades do país, com base principalmente na sua produção dos mais variados níveis de graduação.
 
Mais uma vez, a Comissão enfrentou uma oposição formidável. Muitas instituições resistiram a ser categorizadas, principalmente aquelas com a ambição de expandir os níveis de graduação de seus programas ou que temiam a possibilidade de tal classificação restringir seu acesso a recursos estaduais ou federais.
 
Na época, os estudantes de graduação pagavam em média por 24% da educação no setor público; no setor privado, cerca de 62% Quase quatro décadas depois, a Classificação Carnegie (de modo semelhante à Unidade Carnegie) continua a ser uma ferramenta valiosa e frequentemente criticada. Uma crítica feita recentemente chamou-a de "grande passo adiante no sentido de descrever a diversidade do ensino superior nos Estados Unidos", ao mesmo tempo observando que a sua "ampla aceitação pode representar sua principal vulnerabilidade, pois o uso atualmente feito das suas informações vai muito além do seu propósito original". Como temiam alguns, ela deixou de ser apenas uma maneira de descrever o ensino superior nos EUA e tornou-se uma influência inequívoca na maneira com a qual os Estados abordam a administração e o apoio financeiro às instituições públicas.
 
Numa era cada vez mais fascinada com rankings de todo tipo, o público parece enxergar esse tipo de coisa como uma forma de prestígio hierárquico e referência de qualidade. E tal tendência influenciou o comportamento institucional. No seu volume sobre a história do ensino superior americano, John Thelin destaca que a classificação "deu início a um surto competitivo entre as instituições no sentido de atender aos critérios operacionais" para subir posições na lista.
 
Por esses e outros motivos, a Fundação Carnegie para o Avanço do Ensino, que herdou a responsabilidade de atualizar a classificação, está atualmente revisando as categorias e a metodologia [clique aqui para ler artigo de Chun-Mei Zhao sobre desdobramentos dessa iniciativa].
 
Um dos relatórios propôs a substituição do sistema indireto de financiamento estudantil no qual os bancos eram intermediários, embolsando lucros, enquanto o governo federal assumia o risco de inadimplência Uma terceira área da influência direta da comissão e do conselho na elaboração das políticas públicas concentrou-se em melhorar o currículo e a produção de diplomas em áreas profissionais, especialmente aquelas relacionadas à saúde. Margaret S. Gordon foi a responsável por boa parte do trabalho que levou a comissão a recomendar, em Ensino Superior e a Saúde Nacional (1970), que o governo federal deveria desempenhar um papel ativo na expansão da capacidade das faculdades de medicina, oferecendo bolsas a residentes e interinos, e apoiando programas comunitários de saúde organizados por universidades. O relatório influenciou a subsequente aprovação da Lei de Mão de Obra para a Saúde de 1971, que deveria sustentar um aumento de 50% no número de estudantes nas escolas de medicina.
 
Um quarto impacto está relacionado a uma série de relatórios da comissão sobre financiamento e organização do ensino superior. O relatório As Faculdades de Portas Abertas, de 1971, concentrou-se na necessidade de expandir o apoio federal, estadual e local às faculdades comunitárias, à melhoria nos currículos, à governabilidade e aos critérios para a concessão do status de faculdade. Subsequentemente, muitos Estados dedicaram mais atenção ao papel fundamental desempenhado por essas faculdades locais. O Capitólio e o Campus (1971) e O Campus e a Cidade (1972) influenciaram o planejamento estadual e as suas tentativas de reorganizar a governança dos distritos universitários das faculdades locais.
 
RECOMENDAÇÕES CUJO MOMENTO AINDA NÃO CHEGOU?
A comissão defendeu a expansão das oportunidades posteriores ao ensino médio para os jovens americanos e para alunos adultos e sustentou que a criação de um sistema de auxílio financeiro mais robusto e, nesse processo, o encorajamento às instituições públicas e particulares para que pensem de maneira ampla suas políticas de admissão era o rumo para buscar o cumprimento desse objetivo.
 
Sob o programa de empréstimos diretos, as poupanças permitiriam uma expansão na base estudantil com acesso a tais financiamentos e estabeleceriam um cronograma de quitação mais flexível Ao mesmo tempo em que propunha ao governo federal que concentrasse uma parcela maior dos recursos destinados ao auxílio financeiro a estudantes individuais sob a forma de bolsas, a comissão defendeu também a concessão de "bolsas proporcionais" federais e suplementares às instituições, com o objetivo de "incentivar o encaminhamento" de recursos de fontes particulares e dos governos estaduais e locais. Se um estudante que recebesse uma bolsa federal de oportunidade educacional procurasse uma instituição particular, esse dispositivo concederia à instituição uma injeção de recursos equivalente a 10% do total da bolsa, quantia que a instituição de ensino superior poderia destinar a estudantes necessitados.
 
A proposta foi uma das muitas apresentadas pela comissão no sentido de destinar recursos a estudantes necessitados e de expandir o acesso ao ensino superior. Mas poucas das propostas encontraram em Washington apoio suficiente para florescer e tornar-se política pública específica. A comissão propôs, por exemplo, o estabelecimento de um Banco Nacional de Financiamentos Estudantis.
 
O relatório suplementar ao Qualidade e Igualdade publicado em 1970 propôs uma corporação particular sem fins lucrativos, credenciada pelo governo federal, financiada pela venda de valores mobiliários garantidos pelo governo, para essencialmente substituir o sistema indireto de empréstimos no qual os bancos atuavam como intermediários – embolsando lucros nesse processo enquanto o governo federal assumia todo o risco de inadimplência. Sob o programa de empréstimos diretos, as poupanças permitiriam uma expansão na base estudantil com acesso a tais financiamentos e estabeleceriam um cronograma de quitação mais flexível.
 
Uma vigorosa oposição a essa ideia foi manifestada pelas instituições financeiras particulares, e a proposta não avançou por 22 anos. Um relatório publicado em 1979 pelo Conselho Carnegie, Próximos Passos no Auxílio Financeiro Estudantil para os anos 1980, sugeriu novamente a criação de uma agência sem fins lucrativos para a concessão de empréstimos, propondo "substituir os programas existentes de empréstimo, inadequados, caros e desiguais, por um Banco Nacional Estudantil" e a recusa dos "créditos fiscais de formação, que são regressivos e prejudiciais ao próprio objetivo".
 
Finalmente, dez anos mais tarde, os governos Bush e Clinton estabeleceram um programa de "empréstimos diretos" em caráter experimental – essencialmente para responder aos argumentos dos bancos e seus defensores no Capitólio, segundo os quais um sistema organizado pelo governo jamais poderia ser tão eficiente quanto o setor privado.
 
Um relatório publicado em 1979 pelo Conselho Carnegie propunha um Banco Nacional Estudantil Cerca de 15 anos mais tarde, uma poderosa oposição política manteve o programa restrito a cerca de um quarto de todos os empréstimos subsidiados pelo governo, mesmo enquanto acumulavam-se as provas de que uma estrutura abrangente para direcionar os empréstimos poderia poupar bilhões de dólares que poderiam ser reinvestidos em programas de auxílio financeiro. Usando números da OMB, um estudo recente elaborado pela Student Loan Watch calcula que empréstimos garantidos pelo governo custam ao contribuinte doze centavos por cada dólar gasto, enquanto os empréstimos diretos custam menos de um centavo por cada dólar gasto pelo governo federal.
 
Mas a batalha pelos empréstimos diretos continua, com a realização de audiências em Washington nos meses de abril e maio envolvendo os méritos dos empréstimos diretos.
 
A reforma curricular foi uma segunda recomendação importante da comissão, fomentada pela percepção de que embora os EUA contassem com uma ampla gama de instituições academicamente fortes, o país incluía também uma vasta rede de faculdades e universidades relativamente fracas. E, com a rápida expansão nas matrículas no decorrer de mais de duas décadas após a 2ª Guerra Mundial, a proporção entre estudantes e universidades tinha aumentado – principalmente nas grandes universidades públicas – e as disparidades nos recursos disponíveis para os programas acadêmicos tinham aumentado, especialmente entre a área científica e a das humanidades.
 
A comissão enfrentou o problema de como inspirar e revigorar a vivência dos graduandos. O dinheiro era uma das respostas. Com a esperança de um papel crescente, ainda que moderado, desempenhado pelo governo federal, uma das primeiras recomendações da comissão quanto à reforma curricular foi a criação de uma Fundação Nacional para o Desenvolvimento do Ensino Superior, cujo objetivo seria financiar programas institucionais que estabelecessem "novas direções curriculares" ao mesmo tempo em que reforçassem "áreas essenciais deixadas para trás ou nunca sequer satisfatoriamente desenvolvidas".
 
Uma vigorosa oposição foi manifestada pelas instituições financeiras particulares, e a proposta não avançou por 22 anos Mais uma fez, os cofres federais alimentariam a iniciativa. Uma alocação anual de verbas federais da ordem de US$ 200 milhões poderia ajudar a melhorar o ensino no nível da graduação, a sustentar as iniciativas de universidades e faculdades que buscam melhorar o currículo das escolas locais, a financiar centros regionais das artes operados por meio de consórcios com instituições de ensino pós-médio, a investigar o "uso eficaz da tecnologia moderna" no ensino (transmissões de vídeo e TV a cabo, e formas limitadas de instrução com base nos computadores na era anterior ao PC), e a promover novos programas curriculares que integrem o aprendizado-serviço.
 
Influenciada pela ideia de uma agência dedicada às inovações nos currículos e programas, a reautorização da Lei Federal do Ensino Superior, em 1972, de fato estabeleceu o Fundo para o Ensino Pós-Médio (FIPSE). Mas, diferentemente da ideia da comissão de uma Fundação Nacional, a iniciativa limitou-se a uma unidade da Secretaria de Educação dos EUA e, apesar de útil, continua a ser uma agência de concessão de bolsas relativamente pequena.
 
Outra área que poderia ser alvo de uma reforma curricular estava relacionada às novas tecnologias, com amplos pronunciamentos que ecoam previsões contemporâneas quanto à sua influência transformadora. O relatório de 1972, A Quarta Revolução: Tecnologia de Instrução no Ensino Superior, de Eric Ashby e Ralph Besse, afirmava que universidades e faculdades "enfrentam agora o impacto potencial dos novos aparelhos eletrônicos, a maior revolução tecnológica dos últimos cinco séculos". Mas eles duvidaram que uma mudança paradigmática fosse iminente. A mudança seria lenta, "custando mais dinheiro" e "se somaria a outras abordagens, em lugar de substituí-las".
 
Empréstimos garantidos pelo governo custam ao contribuinte doze centavos por cada dólar gasto, enquanto os empréstimos diretos custam menos de um centavo por dólar Outras recomendações se seguiram à proposta da Fundação Nacional para o Desenvolvimento do Ensino Superior, de 1968. No relatório Menos Tempo, Mais Opções, a comissão defendeu cursos de três anos para a graduação com bacharelado e um programa de Ph.D. encurtado em um ou dois anos, dependendo da área. De modo parecido, as recomendações da comissão para a educação de profissionais da área da saúde propunham o encurtamento do programa curricular e do período de residência. E o relatório O Uso Mais Eficaz dos Recursos, de 1972, afirmava que faculdades e universidades deveriam "reduzir muito" o número de diplomas oferecidos, sustentando que a sua proliferação erodia a coerência do ensino de graduação, sendo um aspecto negativo da diversidade e multiplicidade.
 
A comissão defendeu que todas as mudanças eram justificáveis do ponto de vista pedagógico, mas, talvez mais importante, que representavam – juntamente com o funcionamento contínuo durante todo o ano em certas instituições – a maneira mais direta de aumentar a eficiência.
 
A fundação nacional nunca foi estabelecida. A duração dos cursos superiores nunca foi abreviada e, na verdade, foi ampliada consideravelmente no nível da graduação. Em muitas disciplinas científicas, a educação e o treinamento adequados para o mercado de trabalho agora se estendem aos estudos de pós-graduação.
 
A comissão defendeu cursos de três anos para a graduação com bacharelado, doutorado encurtado em um ou dois anos e abreviação do período de residência para cursos na área de saúde Outra importante série de recomendações feitas pela comissão e pelo conselho estava relacionada ao custo operacional do ensino superior, particularmente nas instituições públicas. A redução do custo operacional das faculdades e universidades era importante principalmente porque previa-se que o interesse dos governos estaduais e federal em subsidiar o ensino superior e a sua capacidade de fazê-lo acabariam minguando. A "Era Dourada" do financiamento federal para os rápidos aumentos no número de matrículas no fim dos anos 1950 e boa parte dos anos 1960 estava evidentemente dando lugar a recursos cada vez mais escassos e a projeções que indicavam um declínio nas matrículas. "O ensino superior está enfrentando uma séria crise de financiamento", afirmava um relatório da comissão publicado em 1972. Os custos estavam aumentando e a renda por estudante estava caindo.
 
O relatório Ensino Superior: Quem paga por ele? Quem se beneficia dele? Quem deveria pagar por ele?, de 1973, defendia que, além do fim da era de altos níveis de subsídio para o ensino superior estar próximo, de uma maneira geral, o sistema tradicional que previa pouco ou nenhum dinheiro para as despesas de ensino seria talvez injusto. A comissão recomendou que, embora nas faculdades comunitárias as taxas referentes aos dois primeiros anos de ensino devessem ser baixíssimas ou inexistentes, nas instituições públicas que ofereciam cursos de quatro anos as taxas deveriam ser aumentadas.
 
Na época, os estudantes de graduação e suas famílias pagavam por aproximadamente 24% ou menos da educação de um estudante – em média – no setor público; no setor privado, eles pagavam cerca de 62% dos custos. A comissão defendeu que, nas instituições públicas, a contribuição do estudante e de sua família deveria aumentar para 33%, ao passo que o governo estadual deveria subsidiar outros 33%, e o governo federal arcaria com o terço restante.
 
A duração dos cursos superiores nunca foi abreviada e, na verdade, foi ampliada consideravelmente no nível da graduação Dois motivos para aumentar o fardo que os estudantes e suas famílias devem suportar por meio dos custos adicionais foram a aparente necessidade de substituir um declínio projetado no investimento do governo estadual, e a perspectiva de subsídios federais adicionais apenas limitados (apesar de a comissão e o conselho terem defendido consistentemente um maior papel desempenhado pelo governo federal). Outro motivo para pedir mais aos estudantes e suas famílias estava relacionado ao auxílio financeiro. Como defendia o relatório, "por si mesma, uma política de baixo custo para o ensino tende a canalizar mais subsídios para grupos de renda mais alta". A chave estava em voltar a política de auxílio ao estudante para as famílias de baixa renda e, em menor grau, de renda intermediária.
 
A comissão propôs que um modelo de custo modesto para o ensino e expressivo auxílio financeiro seria essencial para conservar no longo prazo a saúde do ensino superior no setor público, no qual já estavam matriculados sete de cada dez alunos. O custo pessoal mais alto de frequentar uma universidade ou faculdade pública não ajudaria apenas a amenizar o custo operacional de uma instituição, mas facilitaria também o estabelecimento de um programa mais robusto de auxílio financeiro. O aumento nas taxas de ensino poderia assim redistribuir de maneira mais equilibrada o custo do ensino superior entre a parcela da população que arca com ele, ajudando a manter a qualidade e a capacidade institucional e, teoricamente, a expandir o acesso a grupos necessitados. A comissão recomendou um aumento "modesto e gradual" no custo do ensino nas instituições públicas. Propôs também que os Estados e o governo federal oferecessem subsídios mais expressivos às instituições privadas para ajudar a frear e possivelmente conter aumentos nas taxas.
 
A comissão empregou a linguagem dos economistas – benefícios públicos e privados, a correlação entre preço e acesso, o mercado para os estudantes – para estudar e propor um futuro possível que equilibrasse as necessidades de recursos com a garantia ao acesso.
 
Um dos relatórios defendia que faculdades e universidades reduzissem muito o número de diplomas oferecidos, sustentando que a sua proliferação erodia a coerência da graduação Numa era dominada por projeções de declínio nas matrículas e por uma devoção ao celebrado conceito segundo o qual taxas mais baixas para a educação se traduziriam num acesso mais fácil para grupos desfavorecidos, o modelo Carnegie contou com pouca tração política. Universidades e faculdades públicas em geral enxergavam isso como uma desculpa para que os governos estaduais reduzissem seu subsídio ao ensino superior, favorecendo assim o aumento das taxas de ensino.
 
Ainda assim, as instituições públicas têm lidado cada vez mais com o declínio no investimento público – em dólares reais, divididos pelo número de estudantes –, como previsto por Kerr e seus colegas. Em geral, as instituições particulares aumentaram substancialmente as taxas, cobrando caro pelo seu produto, canalizando o excedente para o auxílio financeiro, mas principalmente para a melhoria e a manutenção de seus programas de graduação. A estratégia funcionou. As instituições públicas, no entanto, essencialmente perderam receita em relação à despesa. Obrigados a manter ou a aumentar discretamente o valor de suas taxas, os programas de graduação foram os que mais sofreram, especialmente se considerarmos que, ao mesmo tempo, tiveram de ampliar seu número de vagas.
 
Essencialmente, as instituições públicas recorreram a uma estrutura de taxas crescentes no contexto da erosão de longo prazo no apoio oferecido pelo Estado e um compromisso insuficiente dos governos estaduais e federal com o auxílio financeiro. Tratou-se de uma reação tardia. O salto nas taxas públicas só se fez sentir de fato nos anos 1990. Nas instituições públicas, os estudantes e suas famílias pagam agora, em média, aproximadamente 29% do custo de sua educação.
 
A comissão recomendou que, embora nas faculdades comunitárias as taxas referentes aos dois primeiros anos de ensino devessem ser baixíssimas, nas públicas que ofereciam cursos de quatro anos as taxas deveriam ser elevadas O ajuste incremental é um processo natural nas medidas públicas, resultado do foco de legisladores e líderes do ensino superior na crise do momento. Os relatórios da Comissão Carnegie e posteriormente do Conselho Carnegie defenderam uma abordagem estruturada – maior eficiência, taxas mais altas e um sistema de auxílio estudantil significativamente mais robusto. "Todas as recomendações específicas da Comissão Carnegie podem ser pouco práticas no ambiente atual", destaca um recente estudo elaborado por Jane Wellman sobre as taxas e a situação financeira no ensino superior. Mas a abordagem mais razoável propunha um "guia" para o objetivo de criar políticas racionais para preservar ou melhorar a qualidade das instituições e o acesso às mesmas.
 
Para que fossem implementadas todas as suas propostas, a Comissão Carnegie estimou que o governo federal precisaria investir outros US$ 12,6 bilhões no decorrer de um período de oito anos – além do seu compromisso existente com o auxílio financeiro e outros programas. E como "o ensino superior é hoje um recurso básico", a Comissão defendeu que o governo federal precisava estabelecer ou designar um "funcionário de alto escalão" responsável pelo ensino superior. Um relatório do Conselho Carnegie de 1977, intitulado Reorganização Federal, propunha um "subsecretário ou secretário para a Educação, Pesquisa e Estudos Avançados" dentro daquilo que então era o Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar.
 
A partir da década de 1930, a CFAT defendia a criação de uma posição, no alto escalão do governo, dedicada à educação. Em 1979, o governo Carter reorganizou o Departamento e elevou o comissário da educação a uma posição do alto escalão. Mas a decisão teve limitadas influências posteriores no interesse do presidente no ensino fundamental (o relatório País em Risco e a recente lei No Child Left Behind consistem nas duas importantes exceções), e exerceu influência mínima nas políticas federais relacionadas ao ensino superior.
 
UM APELO CONCEITUAL: O ENSINO SUPERIOR ENQUANTO RECURSO NACIONAL
A obra de Kerr e seus muitos colegas ao mesmo tempo indicou os rumos e liderou uma nova onda de análises e reflexões a respeito do crescente papel do ensino superior na sociedade. Entre os principais problemas enfrentados pelas faculdades e universidades – privadas e públicas, a maioria das quais fazia agora parte de sistemas maiores de múltiplos campi – estava a questão financeira. O remédio sugerido era saliente na época, mas talvez seja ainda mais relevante hoje: as instituições tinham de promover um "melhor uso dos recursos, por um lado, e a ampliação dos recursos, por outro". Mais eficiência, reforma curricular, ampliação do acesso aos grupos desafortunados, e a incorporação de níveis de taxas e de auxílio financeiro capazes de tornar o ensino superior economicamente acessível aos estudantes de classe média e baixa – todas questões que continuam na pauta.
 
As faculdades e universidades, bem como os governos estaduais, precisam trabalhar juntos para melhorar e dar continuidade à grande aventura americana da criação do primeiro sistema maciço de ensino superior do mundo. Mas foi claramente para o governo federal que Kerr e seus colegas enxergaram um papel especial e realmente novo.
 
No relatório publicado em 1979, Três Mil Futuros, o Conselho Carnegie destacou que algumas de suas previsões – e das feitas por outros observadores – não tinham se concretizado. O total de matrículas entre 1970 e 1979 aumentou 24,3%. Ao mesmo tempo, os governos estaduais tinham de fato ampliado sua parcela de participação dos gastos institucionais com as universidades e faculdades de 36,6% para 41,6%. E as taxas de ensino não aumentaram, apresentando até um declínio enquanto porcentual da renda pessoal, de 10,5% para 9,6% no caso dos alunos das instituições públicas, e de 50,3% para 44,5% no caso dos alunos das instituições particulares. De acordo com o relatório, o ensino superior nos EUA "estavam no geral em bom estado".
 
A ausência geral de inovações curriculares e a correspondente rigidez das universidades e faculdades também eram uma preocupação óbvia para Clark Kerr A "nova depressão" de Earl Cheit não tinha chegado. As preocupações com americanos "excessivamente diplomados", donos de todo um apêndice desnecessário de diplomas de graduação e pós-graduação, também se dissipou. A contribuição federal para os gastos adicionais (excluída a pesquisa) não cresceu conforme o defendido pela comissão e pelo conselho; em vez disso, recuou 23%. O aumento no custo operacional do ensino superior, uma economia cada vez mais fraca, a inflação desencadeada pelo choque de petróleo da Opep, o espectro do declínio no investimento estadual no ensino superior, e os problemas políticos do aumento das taxas de ensino nas instituições públicas pareciam conjuntamente indicar que os modelos financeiros apresentados pela Comissão e Conselho Carnegie, incluindo uma taxa moderada e uma estrutura de substancial auxílio financeiro, ainda eram relevantes.
 
A ausência geral de inovações curriculares e a correspondente rigidez das universidades e faculdades também eram uma preocupação óbvia para Kerr. Os poderes e controles do governo, bem como "critérios de credenciamento cada vez mais defasados, o surgimento de grupos de veto, e a difusão das negociações coletivas" também pareciam ser importantes obstáculos futuros à inovação.
 
Mas, talvez mais importante, Três Mil Futuros essencialmente defendia que a vasta e altamente diferenciada rede de instituições públicas e privadas dos EUA (as 3.125 instituições que existiam em 1979) era uma das grandes forças do país. Os EUA precisavam preservar aquela diversidade e evitar a convergência.
 
Naquela época, a proporção de participação no ensino superior, a acessibilidade do seu preço, a quantidade de diplomas concedidos e as amplas dimensões e a qualidade das iniciativas de pesquisa das universidades americanas eram objeto da inveja de todo o mundo. A Europa e muitos outros países procuravam no exemplo dos EUA modelos de ensino superior para serem adotados nos seus próprios termos políticos e culturais; os EUA não procuravam ideias no mundo exterior nem se preocupavam com a concorrência estrangeira desde o fim dos anos 1800. Kerr solicitou e apoiou alguns estudos tendo em vista uma perspectiva internacional, mas foram contribuições relativamente menores à iniciativa.
 
As coisas mudaram. OS EUA continuam despreocupados com a concorrência naquilo que é hoje uma economia global. E a sua infraestrutura de pesquisas e sua produtividade sem iguais continuam vibrantes. Mas, de acordo com critérios importantes, os EUA podem estar prestes a se verem defasados. Entre os estudantes mais jovens, muitos países da UE se aproximaram – e em certos casos até excederam – os níveis de participação encontrados nos EUA. Os níveis americanos de participação se estabilizaram e mostram indícios de declinar. Entre os membros da OCDE, os EUA ocupam atualmente a 13ª posição no ranking que mede o porcentual da população que entra para o ensino pós-médio e então se forma com diploma de bacharelado ou passa a um programa de pós-graduação.
 
Um dentre os muitos motivos do declínio é o fato de os EUA serem o único país da OCDE que apresenta uma queda significativa na proporção de estudantes formados no ensino médio. O número de diplomas de bacharelado concedidos nos EUA também recua aos poucos. A questão não está num relativo desânimo no sistema americano de ensino superior, e sim no fato de ele seguir agora uma trajetória plana em relação aos demais países.
 
A maioria dos especialistas concorda que há problemas significativos no acesso a e no financiamento (principalmente no caso das instituições públicas, nas quais está matriculada a maioria dos estudantes, quadro que deve ser mantido). Nos EUA, essas questões são colocadas num segundo ou até terceiro plano nas políticas públicas. Na UE, as mesmas questões são tratadas com máxima prioridade, com esforços coordenados no sentido de, nas palavras do Acordo de Bolonha, "aumentar a competitividade internacional do sistema europeu de ensino superior".
 
Nos seus primeiros estágios, a Comissão Carnegie fez previsões sombrias, muitas das quais foram observações sombrias que previram com mais precisão a situação da era moderna do que a dos anos 1980. Kerr e muitos de seus colegas fizeram um apelo pelas mudanças e inovações institucionais vindas de dentro da academia, e também por um investimento adicional por parte dos governos estaduais. Mas eles também reconheceram a natureza singular do ensino superior americano e buscaram uma avaliação nacional das condições e do futuro da empreitada, e um maior papel desempenhado pelo governo federal.
 
Pode-se dizer que o governo federal tem um maior papel histórico e contemporâneo a desempenhar no apoio ao ensino superior do que no apoio ao ensino fundamental. Apesar de tal sugestão contrariar o ethos político atual dos livres mercados e da redução do governo, e aumentar o perigo de outra sufocante rodada de responsabilização burocrática, devemos reconsiderar como uma estratégia nacional poderia fortalecer o ensino superior americano.
 
A Comissão Carnegie, e posteriormente o Conselho, imaginaram maneiras de o apoio federal e as prioridades de governo facilitarem o acesso e aprimorarem a qualidade, ao mesmo tempo concedendo mais autonomia aos estudantes e às instituições. Eis aqui uma fórmula que vale a pena ser retomada. Será que os EUA voltarão a olhar para a Europa em busca de modelos? São linhas de pensamento opostas cuja hora da verdade pode já ter chegado.
 

[*] Godkin Lecture – Palestra anual organizada pela Escola de Governo John F. Kennedy, Harvard. A série de palestras foi inaugurada em 1903 e batizada em homenagem ao jornalista irlandês-americano Edwin L. Godkin, fundador do diário The Nation

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