19/04/2012

Governança

Europa debate modelos de gestão universitária

Tendência é que atores externos exerçam mais influência na definição de rumos das instituições de ensino superior

Oxford e Cambridge são fundamentalmente comunidades autônomas
de acadêmicos
Uma tensão entre a necessidade de autonomia universitária e a percepção de que as instituições financiadas por verbas públicas devem se submeter a algum tipo de controle por parte da sociedade que as sustenta vem marcando as discussões sobre os rumos da governança das instituições de educação superior em vários centros importantes.
 
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leia também: Protestos no Chile em 2011 colocam reforma do ensino superior em pauta
 
"Não existe modelo predominante para a governança da educação superior", afirma relatório elaborado pela rede europeia de análise de educação superior Eurydice, publicado em 2008. "Mas fica claro que, em anos recentes, na maioria dos países as partes interessadas externas têm assumido papeis importantes no funcionamento interno das instituições."
 
"Partes interessadas externas" (external stakeholders) é o termo usado, no relatório, em referência a figuras de fora do meio universitário imediato, como agentes políticos, governo e membros da comunidade em que o campus se insere.
 
Um padrão geral que vem sendo detectado é que figuras de destaque na indústria e no comércio têm sido convidadas a integrar os órgãos de tomada de decisão das instituições europeias, "com o objetivo de reforçar o elo da instituição com a economia e aumentar a eficiência interna".
 
Apenas dois países europeus – Grécia e Romênia – não incluem figuras externas nos órgãos de tomada de decisões de suas universidades.
 
Nos EUA, universidades tradicionais como Harvard respondem a entidades independentes formadas por partes interessadas externas Nos Estados Unidos, onde muitas das principais universidades são geridas ou supervisionadas por corporações privadas, compostas majoritariamente por figuras que não participam do dia-a-dia do campus, a presença de "partes interessadas externas" à comunidade imediata de professores, alunos e funcionários na condução dos assuntos universitários é uma tradição que remonta, em alguns casos, à fundação das instituições.
 
Nesse contexto, grandes universidades americanas, como Harvard e Yale, reservam um espaço privilegiado a ex-alunos em suas estruturas de tomada de decisão.
 
Só Grécia e Romênia não incluem figuras externas nos órgãos de tomada de decisões de suas universidades, aponta relatório Estrutura
O relatório Eurydice divide a estrutura de governaça das instituições europeias nos seguintes níveis: regulação externa, exercida por órgão do governo (o equivalente, em termos brasileiros, a um ministério ou secretaria estadual); orientação externa, nome genérico dado ao poder de coordenação delegado pelos governos a conselhos, diretorias ou outros órgãos formados por figuras externas à universidade; administração interna, responsável pela condução do dia-a-dia da instituição; e administração acadêmica, nome genérico dado ao poder exercido pelas comunidades acadêmicas da universidade, geralmente por meio de votações e consensos.
 
Todas as instituições de ensino superior da Europa têm um corpo executivo, comumente chamado "reitoria" e encabeçado por uma pessoa que usa o título de reitor, presidente ou vice-chanceler – é o chefe executivo da universidade.
 
Na Áustria, a tomada de decisões é partilhada por um senado acadêmico e por um conselho formado só por figuras externas à instituição O relatório afirma que, embora historicamente os reitores tenham sido, em geral, figuras de pouco poder – com a maioria das atribuições mais importantes cabendo aos órgãos externos e aos colegiados de professores –, com o aumento da autonomia universitária seu perfil mudou de forma "dramática" na maior parte das nações da Europa.
 
"O chefe executivo representa a instituição de ensino superior em transações legais e acordos de financiamento. Geralmente é a principal figura responsável pelo planejamento estratégico das atividades institucionais, incluindo administração e supervisão", escrevem os autores do estudo.
 
Agências de verificação de qualidade vêm ganhando importância na estrutura de governança das instituições A forma de escolha do reitor também varia bastante de país para país: a maioria das nações analisadas no relatório tem sistemas onde a escolha do chefe executivo é feita e confirmada por um colegiado acadêmico. Mas há países onde o reitor é eleito por professores e alunos (Eslovênia), professores, alunos e funcionários (Grécia) e países, como Dinamarca, onde o chefe executivo é nomeado por um grupo formado, majoritariamente, por figuras externas à universidade.
 
Além disso, nem todos os países exigem que o reitor seja um professor da instituição. Enquanto a Romênia requer que os candidatos ao cargo sejam todos membros do conselho universitário, no Reino Unido o posto é aberto a concurso público.
 
Praticamente todas as instituições contam também com um colegiado acadêmico, que pode receber o nome de senado, conselho universitário ou diretoria acadêmica. Esse colegiado geralmente tem como principal responsabilidade tratar dos assuntos ligados a ensino e pesquisa.
 
Já o órgão de tomada de decisões é responsável pelo planejamento estratégico e a orientação dos rumos institucionais. Em parte dos países europeus essas funções são assumidas pelo colegiado acadêmico, mas essa não é a norma na maioria das nações do continente.
 
O relatório Eurydice nota que há uma tendência crescente na Europa rumo ao estabelecimento de órgãos supervisores, com a função de monitorar as atividades financeiras, educacionais e operacionais das instituições. Esses órgãos tendem a ser dominados por partes interessadas externas. Em alguns países, o órgão supervisor é também o órgão de tomada de decisões.
 
A Universidade de Oxford tem a prerrogativa de "privatizar-se", bastando para isso que decida recusar recursos públicos A forma como esses níveis e órgãos interagem, e a distribuição efetiva de poder entre eles, varia de país para país e, até, dentro de cada país. O relatório cita, como exemplos dessa diversidade, os casos de Bélgica e Luxemburgo, onde todos os órgãos de tomada de decisão são formados integralmente por partes interessadas externas às universidades. Na Áustria, as funções de órgão de tomada de decisões são partilhadas por um senado acadêmico e por um conselho universitário, sendo que naquele caso o conselho é formado apenas por figuras externas à instituição.
 
"Embora as partes interessadas externas possam ligar os planos e estratégias institucionais a interesses sociais e econômicos, os órgãos de tomada de decisão compostos exclusivamente por figuras externas podem ser polêmicos em termos de autonomia universitária", pondera o texto.
 
Em todos os países analisados, o ministério (ou órgão equivalente) é responsável pela formulação da política de educação superior que serve de parâmetro para os planos estratégicos das instituições. O ministério geralmente é apoiado por um órgão consultivo, um Conselho de Ensino Superior ou de Pesquisa.
 
O relatório destaca que vêm ganhando importância, na estrutura de governança externa das instituições, agências de verificação de qualidade, "responsáveis por estabelecer padrões de qualidade e conduzir avaliações, elaborando e implementando políticas e padrões para o aperfeiçoamento da qualidade da educação".
 
Reino Unido
No final de 2011, o periódico britânico Times Higher Education (THE) lançou debate sobre uma proposta de ampliação dos poderes do Higher Education Funding Council for England ("Conselho de Financiamento da Educação Superior da Inglaterra", conhecido pelo acrônimo Hefce).
 
Trata-se de um órgão vinculado ao Ministério da Educação, mas dotado de grande independência, e que tem o papel de alocar verbas públicas entre as instituições inglesas de ensino superior. Uma mudança legislativa em estudo daria ao Hefce também a obrigação de supervisionar a qualidade do ensino oferecido e de apurar queixas de estudantes.
 
A proposta de transformação surge na esteira de uma reforma do modelo de financiamento da educação superior no país, que deixou de ser responsabilidade primordial do Estado e passou para o bolso dos estudantes, que agora têm de arcar com anuidades de até 9.000 libras, ou mais de R$ 20 mil.
 
Em Oxford e Cambridge, as principais funções executivas – comparáveis às do reitor de uma universidade brasileira – cabem ao vice-chancellor De acordo com o THE, algumas instituições que já dependem pouco de verba pública para manter seus cursos de graduação cogitam, caso a reforma seja aprovada, deixar de pleitear os recursos distribuídos por meio do Hefce, pondo-se, assim, fora do alcance dos novos poderes do órgão, vistos por alguns analistas como ameaça à autonomia universitária.
 
A Universidade de Oxford é citada como uma das instituições descontentes. Ela tem a prerrogativa de "privatizar-se", bastando para isso que passe a rejeitar a infusão de recursos públicos.
 
O neozelandês John Hood, que ocupou o posto de 2004 a 2009, foi o 1º vice-chancellor de Oxford escolhido fora dos quadros da instituição Estrutura de Oxford
Nas duas mais tradicionais universidades britânicas, Oxford e Cambridge, as principais funções executivas – comparáveis às do reitor de uma universidade brasileira – cabem ao vice-chancellor (literalmente, "vice-chanceler"). As duas instituições contam ainda com o posto de chancellor ("chanceler"). Numa comparação com os regimes parlamentaristas, o vice-chancellor pode ser visto como o primeiro-ministro da universidade.
 
Ainda assim, há algumas diferenças entre a forma como os cargos são entendidos e exercidos em ambas as instituições. Por exemplo, outro posto essencialmente cerimonial é o de high steward ("alto administrador"), que em Oxford é nomeado pelo chancellor e, em Cambridge, eleito.
 
Em Oxford, o vice-chancellor tem um mandato máximo de sete anos e, desde 2000, não precisa mais ser escolhido entre os membros da Congregação, órgão deliberativo máximo da universidade, composto por professores, pesquisadores e funcionários. O neozelandês John Hood, que ocupou o posto de 2004 a 2009, foi o primeiro vice-chancellor escolhido fora dos quadros da instituição.
 
Já o posto de chancellor de Oxford é vitalício. Atualmente, seus deveres são principalmente cerimoniais. O chancellor é eleito pela Convocação, um colegiado que inclui, além dos membros da Congregação, ex-alunos e professores e funcionários que tenham se aposentado enquanto ainda membros da Congregação.
 
O vice-chancellor de Oxford conta com cinco pro-vice-chancellors, divididos entre as pastas de Desenvolvimento e Assuntos Externos; Educação, Serviços Acadêmicos e Coleções da Universidade; Pessoal e Igualdade; Planejamento e Recursos; e Pesquisa.
 
No ramo executivo, a universidade tem ainda o registrar (literalmente, "escrivão"), que atua como secretário do Conselho e da Congregação e, sob a autoridade do vice-chancellor, como administrador direto da universidade.
 
Os proctors de Oxford podem multar alunos flagrados fraudando provas O Conselho de Oxford, por sua vez, é responsável por fixar a política acadêmica e a visão estratégica da universidade, e é formado pelo vice-chancellor, chefes de departamentos e outros membros eleitos pela Congregação. Ele atua por meio de cinco comitês principais – Educação; Assuntos Gerais; Pessoal; Planejamento e Alocação de Recursos; e Pesquisa – além de contar com outros comitês que tratam de questões como Auditoria e Finanças.
 
É o Conselho que responde, em última instância, pela saúde financeira da instituição, mas as decisões cotidianas a respeito de gastos e planejamento ficam a cargo das divisões acadêmicas: Humanidades; Ciências Físicas, Matemáticas e da Vida; Ciências Médicas; e Ciências Sociais. Cada divisão tem um chefe e uma diretoria eleita.
 
O Conselho também é responsável pelo relacionamento da universidade com o Hefce.
 
Oxford contém 38 faculdades, ou colleges, bastante autônomos, cada um deles administrado por um head of house (literalmente, "chefe da casa") e um governing body ("órgão governante") formado pelos fellows, termo que se aplica aos professores mais graduados de cada unidade.
Além dos colleges, Oxford inclui seis instituições de ensino superior fundadas por diferentes igrejas e que mantêm seu caráter confessional – são as Permanent Private Halls.
 
Os heads of house dos colleges têm títulos que variam de uma instituição para outra. Os nomes usados são principal, warden (ambos títulos que podem ser traduzidos como "diretor"), master, president, provost (literalmente, "preboste" ou "preposto", porém comumente traduzido como "reitor" ou "supervisor"), dean (literalmente, "deão" ou "decano"), rector ("reitor") e regent ("regente").
 
Oxford conta ainda com dois proctors (procuradores), eleitos anualmente pelos colleges, e que se encarregam de fiscalizar o cumprimento dos estatutos da universidade, impondo disciplina aos estudantes e investigando as queixas feitas por eles. Eles têm o poder de multar alunos flagrados fraudando provas.
 
O "Senado" de Cambridge é composto pelos membros da Regent House, mais todos os detentores de título de mestre e doutor concedidos pela universidade Estrutura de Cambridge
A estrutura da Universidade de Cambridge tem vários paralelos com a de Oxford, mas há diferenças. O papel que, em Oxford, é exercido pela Congregação, em Cambridge cabe à Regent House (literalmente, Câmara Regente). Mas outros colegiados, como o Senado e a Direitoria Geral (general board) também têm poderes deliberativos. As reuniões formais da Regent House são chamadas de congregações. É a Regent House que dá posse formal ao vice-chancellor.
 
O chancellor de Cambridge é eleito pelo Senado da universidade, assim como o high steward, para uma posição vitalícia. O Senado é composto pelos membros da Regent House, aos quais se somam todos os detentores de título de mestre e doutor concedidos por Cambridge.
 
Assim como ocorre em Oxford, a administração de Cambridge fica, de fato, nas mãos do vice-chancellor, no caso eleito pela Regent Housea partir de uma indicação feita pelo Conselho, e para um mandato máximo de sete anos.
 
O vice-chancellor de Cambridge delega parte de suas funções a cinco pro-vice-chancellors e a diversos deputy-vice-chancellors O Conselho responsável pela indicação é formado pelo chancellor – que tradicionalmente não toma parte nas deliberações –, pelo vice-chancellor (que preside as reuniões), e dezenove membros eleitos, sendo quatro professores, quatro diretores de unidades (colleges), oito integrantes da Regent House e três estudantes matriculados em Cambridge, sendo pelo menos um de pós-graduação.
 
Esse Conselho é o principal órgão formulador de políticas da universidade, cuidando do relacionamento entre Cambridge e os colleges que a integram, além de representar Cambridge em negociações com organizações externas à universidade, em assuntos não relacionados diretamente a ensino e pesquisa.
 
As funções administrativas diretas da universidade são exercidas pelo Serviço Administrativo Unificado, sob o comando do registrary (não confundir com o registrar de Oxford).
 
O vice-chancellor delega ainda parte de suas funções a cinco pro-vice-chancellors e a diversos deputy-vice-chancellors.
 
Escola, faculdade e college
Além da Regent House, do Conselho e do Senado, Cambridge conta ainda com a General Board of Faculties (Diretoria Geral de Faculdades) e com os Councils of the Schools (Conselhos de Escolas).
 
Em Cambridge, "Escola" geralmente se refere a uma unidade administrativa que agrega temas assemelhados. A universidade tem seis "escolas", entendidas nesse sentido: Ciências Físicas; Ciência Biológicas; Ciências Clínicas; Tecnologia; Artes e Humanidades; Humanidades e Ciências Sociais. Cada Escola tem um conselho, formado por membros das faculdades e departamentos pertinentes.
 
A Diretoria Geral de Faculdades é composta por membros nomeados pelos Conselhos das Escolas, pelo Conselho, por dois estudantes (um de pós-graduação) eleitos pelo corpo discente e pelo vice-chancellor. Seu principal papel é manter o padrão de ensino e pesquisa da universidade, assessorando a formação da política educacional de Cambridge.
 
As atividades da universidade são organizadas por meio de órgãos chamados faculdades, departamentos e sindicatos. As faculdades, mais de uma centena, se subdividem em departamentos. Cada faculdade é controlada por uma diretoria (board), com presidente e secretário.
 
Os sindicatos são organizações administrativas criadas para dar conta de assuntos que requerem o concurso de várias faculdades, ou de interesse geral da universidade – há, por exemplo, o Sindicato da Biblioteca.
 
A universidade ainda abriga, além das faculdades, 31 colleges que, como no caso de Oxford, gozam de ampla autonomia. Aqui também os heads of college têm títulos que variam de acordo com a tradição de cada unidade, podendo ser chamados de master, president, principal, mistress, provost, ou warden.
 
O President and Fellows of Harvard College se autoperpetua, escolhendo novos membros à medida em que surge a necessidade Contraponto americano
Oxford e Cambridge funcionam como comunidades fundamentalmente autônomas de acadêmicos, onde os nomes dos ocupantes dos principais cargos executivos e a composição dos corpos deliberativos ocorrem por meio da interação entre professores, alunos, funcionários e ex-alunos.
 
Nos EUA, em comparação, universidades tradicionais, como Harvard – a mais antiga do país – têm estruturas internas bem menos democráticas, respondendo de forma muito direta a corporações independentes formadas por partes interessadas externas.
 
Harvard é controlada por dois órgãos deliberativos, a Corporação Harvard (conhecida formalmente como President and Fellows of Harvard College e o Board of Overseers ("Diretoria de Supervisores").
 
A corporação é composta majoritariamente por figuras externas à vida cotidiana da universidade. Ela se autoperpetua, escolhendo novos membros à medida em que surge a necessidade.
 
O cargo de provost de Harvard foi estabelecido em 1992; entre suas atribuições está supervisionar licenciamento de patentes É também a responsável pela nomeação do presidente, figura encarregada da administração direta da instituição, exercida com o auxílio de vice-presidentes encarregados de áreas específicas (há, por exemplo, um vice-presidente de tecnologia da informação; um vice-presidente de relações públicas e comunicação; um vice-presidente financeiro; um vice-presidente de relações com ex-alunos).
 
O presidente nomeia os deans ("decanos"), que atuam como diretores das schools – as faculdades que compõem a universidade, e o provost, principal autoridade acadêmica da instituição.
 
O cargo de provost de Harvard foi estabelecido em 1992, com o objetivo de melhorar a cooperação e a colaboração acadêmica entre as unidades, apoiar projetos culturais e artísticos, melhorar o desempenho acadêmico da universidade e supervisionar as áreas de propriedade intelectual, licenciamento de patentes e marcas.
 
Em 2010, a corporação anunciou uma reforma de suas práticas, após uma revisão da governança da instituição realizada ao longo de 2009. Entre as principais mudanças, foi definido um aumento do número de membros, de 6 para 12; e a decisão de que os membros servirão mandatos fixos.
 
Além da corporação, Harvard conta com a Diretoria de Supervisores, que é eleita por votação realizada entre os ex-alunos da universidade. A diretoria tem um papel mais consultivo e menos deliberativo que o da corporação, mas algumas decisões de maior impacto precisam da aprovação de ambos os órgãos.
 
capa edição impressa nº 5 | abril de 2012