14/10/2011

Inflação de nota A

Nos EUA, algumas universidades decidem terceirizar a avaliação dos alunos

Alta na incidências de notas máximas pode refletir abordagem da educação em que o aluno é tratado como cliente a ser satisfeito

Numa competição com avaliadores humanos, o software de correção SAGrader foi mais consistente na aplicação das notas e, obviamente, não teve seus critérios afetados por fatores como tédio ou fadiga Preocupadas com o que chamam de "inflação da nota A" – um aumento sensível na proporção de notas altas obtidas por estudantes do ensino superior nas últimas décadas – algumas instituições norte-americanas estão tirando do professor que dá a aula e aplica a prova a prerrogativa de corrigi-la e avaliá-la, informa The Chronicle of Higher Education.
 
No que talvez seja o movimento mais polêmico nessa direção, a Universidade da Flórida Central adotou um software para corrigir, até mesmo, as respostas de seus estudantes a questões dissertativas. Ouvida pelo Chronicle, a professora de Biologia Pam Thomas conta que, numa competição com um grupo de avaliadores humanos, o programa, chamado SAGrader, saiu-se melhor – foi mais consistente na aplicação das notas e, obviamente, não teve seus critérios afetados por fatores como tédio ou fadiga.
 
A professora diz que configurar o programa para sua disciplina não foi fácil, já que era necessário "explicar" detalhadamente o que constituiria uma resposta correta.
 
Já a Universidade Western Governors, uma instituição experimental que só oferece cursos online, optou por montar uma equipe de 300 professores adjuntos cuja única função é dar notas.
 
O método de ensino da Western Governors consiste em preparar os estudantes para realizar uma série de tarefas online. A preparação é feita a distância por "mentores", na linguagem da instituição.
 
O sucesso ou fracasso no desempenho das tarefas, teoricamente desenhadas para testar as competências desenvolvidas pelo aluno, é avaliado pelos adjuntos. A identidade desses avaliadores é desconhecida, tanto pelos estudantes quanto pelos mentores.
 
A universidade exige que os avaliadores tenham, pelo menos, um mestrado na área em que irão julgar, e submete-os a ciclos de "calibragem", nos quais têm de avaliar testes simulados a fim de garantir a consistência de critérios.
 
Inflação de nota 10
O fenômeno da "inflação do A" foi constatado estatisticamente em um estudo publicado, em julho, no periódico Teachers College Record. Intitulado "Where A Is Ordinary: The Evolution of American College and University Grading" (Onde A é comum: a evolução das notas nas faculdades e universidades americanas), o trabalho analisa o histórico das notas dadas a estudantes de ensino superior de mais de 200 instituições dos Estados Unidos, entre 1940 e 2009. Foram analisadas as notas dadas a cerca de 1,5 milhão de estudantes.
 
O trabalho conclui que, em média, o "A" – numa escala que desce até "F" – representa atualmente 43% de todas as notas, num acréscimo de 28 pontos porcentuais desde 1960, e de 12 pontos desde 1988. Escolas particulares tendem a dar muito mais notas "A" e "B" do que instituições públicas do mesmo nível de exigência na seleção de alunos.
 
Em muitas escolas, as notas de graduação estão tão saturadas no extremo mais alto que têm pouca utilidade como fator de motivação dos estudantes ou como ferramenta de avaliação Depois de notar que as notas que um estudante obtém na universidade podem afetar "suas chances de formar-se, sua motivação acadêmica e suas opções para encontrar emprego", os autores, Stuart Rojstaczer e Christopher Healy, escrevem que "é provável que em muitas escolas seletivas ou altamente seletivas as notas de graduação estejam tão saturadas no extremo mais alto que tenham pouca utilidade como fator de motivação dos estudantes ou como ferramenta de avaliação para cursos de pós-graduação ou empregadores". No fim, advertem os autores, o sistema de atribuição de notas, se não for reavaliado, corre o risco de perder todo o significado.
 
Uma explicação sugerida para o fenômeno seria a "abordagem baseada em consumo" da educação, na qual o estudante passa a ser tratado como um cliente que precisa ser "satisfeito".
 
Mas nem todos os especialistas estão convencidos de que a "inflação do A" seja um problema – é possível que os estudantes estejam, de fato, fazendo por merecer as notas mais altas – ou que, se o problema for real, afastar o professor da avaliação seja uma solução. "Não consigo imaginar a terceirização das notas", pondera ao Chronicle a diretora-executiva do Instituto Scheyer de Excelência em Ensino da Universidade Estadual da Pensilvânia. "O público já pensa que os docentes têm um trabalho muito confortável. Não posso imaginar o que aconteceria se terceirizássemos as notas."