09/03/2012

Exame de Desempenho

MEC espera defesa da Unip sobre suposta manobra para melhorar resultados no Enade

Exploração de brecha no sistema permitiu que só os melhores de cada turma fossem avaliados, distorcendo para cima as notas dos cursos

O Ministério da Educação (MEC) aguarda, até o fim da próxima semana, defesa da Universidade Paulista (Unip) contra denúncia de que a instituição estaria manipulando a inscrição de estudantes no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), de modo que apenas os melhores de cada turma se apresentem para a prova, distorcendo para cima as notas dos cursos da universidade. A suspeita veio a público em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada no início do mês.
 
Vice-reitora da Unip declarou que 'todo mundo que completou o curso fez o exame' e reconheceu 'dois ou três' casos de estudantes cujas notas foram atribuídas com atraso O Enade é um dos pilares do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Ele avalia não só o conhecimento do estudante que se forma como mede, também, as competências agregadas pelas instituições aos alunos, já que é aplicado no início e no fim do curso.
 
Embora não seja, ao contrário do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), considerado um instrumento útil para avaliar o aluno individualmente, o Enade gera dados estatísticos que são usados na classificação dos cursos em rankings, como os elaborados com base no Conceito Preliminar de Cursos (CPC) e Índice Geral de Cursos (IGC). Peça publicitária da Unip afirma que, segundo o Enade, seu curso de Odontologia é, hoje, o melhor do Brasil.
 
De acordo com O Estado, em 2007 três dos cursos da Unip tiveram nota 4 ou 5 no Enade (a escala vai de 1 a 5). Na prova de 2010, o número saltou para 69. Dois cursos passaram da nota 1 para a 5: Farmácia (Brasília) e Nutrição (São José dos Campos). Outros dez cursos foram da nota 2 para a 5. A Unip tem perto de 300 mil alunos.
 
'Criamos um processo de melhoria da qualidade do ensino. Mas, como não dá para mudar todos os cursos ao mesmo tempo, num primeiro momento decidimos trabalhar seguindo o calendário do Enade', afirmou a vice-reitora O manual do Enade, divulgado pelo MEC, diz que os dados do exame são usados para construir "referenciais que permitam a definição de ações voltadas à melhoria da qualidade dos cursos de graduação por parte de professores, técnicos, dirigentes e autoridades educacionais".
 
O pesquisador do programa de mestrado em Educação da PUC Campinas Adolfo Ignácio Calderón acredita que o sistema de avaliação seria mais robusto se fosse censitário, isto é, se a prova fosse aplicada obrigatoriamente a todos os estudantes, e não apenas a uma amostra, como ocorre hoje. "Esse caráter amostral não possibilita ter um Raio X, mais próximo do real, da qualidade do ensino superior, abrindo brechas para a maquiagem de resultados", escreve ele, em artigo especial para o Ensino Superior Unicamp.
 
 
Segundo a denúncia divulgada pelo jornal, a Unip, que é a quarta maior universidade do país, adotou a prática de "segurar" os estudantes de baixo desempenho, de forma que, na época da inscrição para o Enade, eles não apareçam como aptos a realizar a prova. Mesmo assim, esses estudantes "deixados para trás" acabam se formando junto com os que fazem o exame.
 
Ouvida pelo diário paulista, a instituição negou cometer irregularidades. A vice-reitora da Unip, Marília Ancona Lopez, declarou que "todo mundo que completou o curso fez o exame". Ela reconheceu "dois ou três" casos de estudantes cujas notas foram atribuídas com atraso. "Foi um número muito pequeno e nós informamos ao MEC os motivos", disse. "Às vezes acontece de o professor demorar a dar a nota porque o aluno entregou algum trabalho com atraso."
 
Embora não seja considerado um instrumento útil para avaliar o aluno individualmente, o Enade gera dados estatísticos que são usados na classificação dos cursos em rankings Mesmo assim, os números da Unip parecem flutuar de acordo com o calendário da prova que, a cada três anos, avalia algumas áreas específicas de conhecimento. Em 2007 e 2010, por exemplo, foram avaliados cursos das áreas de saúde e de agricultura. De acordo com reportagem de O Estado, em ano de avaliação, o estoque de veteranos de alguns cursos cai em relação ao ano anterior. 
 
De acordo com números levantados pelo jornal, em 2010 a Unip declarou ter 916 estudantes no último ano de Enfermagem, enquanto que em 2009 esse contingente era de 2.399 alunos. A queda, de um ano para o outro, foi de 62%.
 
Segundo o jornal, Marília Ancona Lopez admitiu que a universidade aumenta a reprovação de estudantes às vésperas do Enade. "Criamos um processo de melhoria da qualidade do ensino. Mas, como não dá para mudar todos os cursos ao mesmo tempo, num primeiro momento decidimos trabalhar seguindo o calendário do Enade", justificou.
 
Esta não é a primeira vez que a Unip é acusada de manipulações para melhorar a imagem de seus cursos. No fim de 2011, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) chegou a proibir a universidade de fazer propaganda afirmando ser a que mais aprovava recém-formados em Direito no exame da OAB.
 
O anúncio em questão citava os números absolutos de aprovados, quando o dado mais relevante seria a proporção – total de aprovados sobre total de inscritos.
 
A Unip teve 230 aprovados no exame mais recente, mas inscreveu 3.020 alunos (aproveitamento de 7,6%). A UnB, com 43 inscritos, aprovou 29 (67,4%). A USP teve 191 alunos aprovados, ou 63,4% dos 301 que prestaram o exame.