14/10/2011

Sala de aula e laboratório

Lecionar melhora qualidade da pesquisa, diz estudo na Science

Dedicação ao ensino articula processos de raciocínio, desenvolvendo habilidades para solução de problemas

A ideia de que o ensino pode ajudar a melhorar a qualidade da pesquisa já havia sido sugerida por levantamentos baseados em entrevistas e em avaliações subjetivas, mas análises quantitativas ainda são escassas Um levantamento estatístico realizado nos Estados Unidos, com estudantes de pós-graduação nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, indica que os pós-graduandos que também dão aulas acabam tendo um domínio maior da metodologia da pesquisa científica do que os que se dedicam, exclusivamente, ao trabalho de laboratório.
 
Publicado na edição de 19 de agosto da revista Science [clique aqui para ler a íntegra em PDF; só para assinantes], o trabalho comparou propostas de pesquisa submetidas, por escrito, por 95 pós-graduandos. Pediu-se aos estudantes que submetessem uma proposta inicial e, ao cabo do ano acadêmico, uma segunda versão, revisada.
 
Dos 95 voluntários, 49 passaram o intervalo entre uma submissão e outra divididos entre tarefas de pesquisa e ensino, e 46, dedicados exclusivamente à pesquisa.
 
A qualidade dos trabalhos apresentados foi medida por grupos de, no mínimo, dois avaliadores, e discrepâncias entre as avaliações foram resolvidas por debate e consenso entre eles.
 
As habilidades avaliadas foram: definição do contexto do estudo; formulação de hipóteses testáveis; atenção à validade e confiabilidade dos métodos; desenho experimental; seleção adequada dos dados para análise; fundamento das conclusões nos dados; apresentação dos dados; identificação de limitações; uso eficaz da literatura primária.
 
Depois de aplicar uma série de controles estatísticos para compensar as diferenças entre os dois grupos – como experiência prévia dos participantes em desenho de experimentos e diferentes níveis de compreensão do método científico – os autores afirmam ter encontrado correlações significativas entre a dedicação ao ensino e um ganho de qualidade da geração de hipóteses testáveis e na capacidade de propor experimentos válidos.
 
Outro artigo na Science sugere iniciativas para a valorização do ensino, como criação de prêmios para professores extraordinários e exigência de excelência em sala de aula como requisito para promoções O artigo afirma que a ideia de que o ensino pode ajudar a melhorar a qualidade da pesquisa já havia sido sugerida por levantamentos baseados em entrevistas e em avaliações subjetivas. "Quando os estudantes são levados a articular seus processos de raciocínio, há evidência substancial de que desenvolvem esquemas mais eficazes e elaborados para a solução de problemas", escrevem os autores, notando, no entanto, que as análises quantitativas a respeito do assunto ainda são escassas – situação que seu artigo, "Graduate Student’s Teaching Experience Improve Their Methodological Research Skills" ("Experiência de ensino de estudantes de pós-graduação melhora suas habilidades em metodologia de pesquisa"), propõe-se a mitigar.
 
Eles concluem que os dados levantados em seu trabalho, coletados entre 2007 e 2010, "fornecem provas diretas, baseadas em performance, de melhora em capacidades específicas de pesquisa, associada a experiências de ensino", acrescentando que uma simples diferença na qualidade geral da redação das propostas "não pode dar conta dos efeitos observados, porque apenas perícias específicas mostraram resultados diferenciados de acordo com o tipo de experiência".
 
O artigo nota que existem preocupações quanto ao nível do preparo atual dos pós-graduandos em ciências exatas para atividade docente, e conclui afirmando que uma redefinição dos deveres de ensino dos estudantes de pós-graduação como algo que agrega valor a seu treinamento como pesquisadores "sugere diversas mudanças na cultura e na prática da educação em ciência, tecnologia, educação e matemática".
 
Os autores são pesquisadores ligados a universidades dos Estados Unidos e de Dubai. O principal autor é David F. Feldon, do Centro de Estudos Avançados em Docência e Aprendizado do Ensino Superior da Universidade de Virgínia.
 
Cultura de incentivos
Em sua edição de 14 de janeiro, a mesma Science já havia publicado artigo chamando atenção para o fato de que o sistema de incentivos presente nas universidades ligadas a ciência, tecnologia, engenharia e matemática tende a sobrevalorizar a pesquisa, em detrimento do ensino.
 
O artigo nota que contribuições notáveis à pesquisa científica são reconhecidas tanto no mundo externo à universidade – por meio de prêmios, por exemplo – quanto internamente, por meio de métricas baseadas em publicações e citações, e recompensadas com verbas e promoções. Já as contribuições à qualidade do ensino acabam passando despercebidas. A obrigação de ensinar acaba sendo chamada de "teaching load" ("carga de aulas"), que pode ser eventualmente "aliviada" em favor de uma dedicação maior à pesquisa.
 
"Defendemos que excelência em ensino e pesquisa não precisam ser mutuamente exclusivos, mas, em vez disso, estão interligados e podem interagir com sinergia, para melhorar a efetividade de ambos", escrevem os autores, professores-pesquisadores ligados a instituições como as universidades Harvard, Yale, MIT e Universidade da Califórnia.
 
No artigo, intitulado "Changing the Culture of Science Education at Research Universities" ("Mudando a cultura da educação científica nas universidades de pesquisa") [clique aqui para ler a íntegra em PDF; só para assinantes], são propostas sete iniciativas para aumentar a valorização do ensino – atividade de que depende, afinal, a formação da próxima geração de profissionais e pesquisadores. Entre elas, aparecem a criação de prêmios e cadeiras para professores extraordinários; a exigência de excelência em sala de aula como requisito para promoções; dar aos professores acesso às pesquisas existentes sobre ensino e aprendizado ("nenhum cientista entraria numa pesquisa sem explorar o trabalho anterior sobre o campo, mas poucos educadores universitários leem pesquisa em educação", escrevem os autores); e a criação de grupos de discussão sobre a atividade de ensinar.
 
"Em nossa opinião, a educação científica não deve apenas fornecer um amplo espectro de conhecimento, mas também desenvolver perícias de pensamento analítico, oferecer uma compreensão do processo de pesquisa científica, inspirar e curiosidade e ser acessível a uma ampla gama de estudantes", diz o texto.
 
Os autores do texto são todos professores ligados a um programa desenvolvido pelo Instituto Médico Howard Hughes (HHMI, na sigla em inglês) para promover a qualidade no ensino das ciências a estudantes universitários de graduação.
 
"Os professores HHMI são cientistas pesquisadores bem-sucedidos que também têm um profundo compromisso em tornar a ciência mais interessante para os graduandos", diz a página online do instituto.
 
referências
 
Science
 
19 August 2011
Vol. 333 nº 6045 pp. 1037-1039
DOI: 10.1126/science.1204109
 
14 January 2011
Vol. 331 pp. 152-3
DOI: 10.1126/science.1198280