05/08/2013

revista Ensino Superior nº 10 (julho-setembro)

"Avalanche" ameaça relevância das universidades, diz estudo britânico

Entre os principais fatores que ameaçam o status quo estão a depreciação do valor de mercado dos diplomas e a concorrência dos cursos online

As funções que a Universidade tem desempenhado historicamente na sociedade poderão passar a ser oferecidas, de modo mais eficiente e barato, por novas instituições e tecnologias que ameaçam tornar irrelevante o sistema atual de educação superior, adverte o relatório An Avalanche Is Coming – Higher Education and the Revolution Ahead (Uma avalanche vem aí: educação superior e a revolução iminente), publicado no primeiro semestre pelo think tank britânico IPPR (sigla em inglês de Instituto de Pesquisa em Políticas Públicas).
 
"As certezas do passado não são mais certezas", escrevem os autores no prefácio do trabalho. "Os modelos de educação superior que marcharam em triunfo pelo mundo na segunda metade do século 20 estão quebrados (...) Nos próximos 20 anos, as universidades enfrentarão uma transformação."
 
Entre os principais fatores que ameaçam o status quo, de acordo com o estudo, estão a depreciação do valor de mercado dos diplomas; a concorrência dos cursos online massivamente abertos (MOOCs); e o surgimento de novos "provedores de aprendizado" e produtores de conhecimento que atuam fora da academia, como em empresas de consultoria.
 
"A pressão da competição sobre as universidades é maior do que nunca", afirma o texto. "E não apenas por causa da competitividade global entre elas". "A mensagem-chave deste relatório, para todos os envolvidos no sistema, é de que o estudante-consumidor é o rei, e ficar parado não é uma opção."
 
Causas
O diagnóstico dos autores vem da constatação de uma série de mudanças tanto sociais quanto tecnológicas – a intensa globalização, a pressão econômica por custos cada vez mais baixos, e a cultura conectada da juventude atual.
 
"Um setor que atende principalmente a pessoas jovens, que agora estão conectadas desde o nascimento, deve esperar pressão por mudanças", incluindo alterações no "padrão e na natureza da demanda por aptidões e conhecimentos no mercado de trabalho". 
 
Excetuando-se os poucos estudantes que permanecerão na universidade para formar a próxima geração de acadêmicos, diz o relatório, os alunos serão cada vez menos chamados a "preencher vagas de trabalho, mas sim a criar as próprias vagas de trabalho".
 
Com isso, propõem os autores, os estudantes tenderão a buscar as instituições de ensino mais capazes de prepará-los para esse tipo de ambiente, e bons alunos, já bem preparados pela educação primária e secundária, passarão a ser "um recurso em alta demanda".
 
Síntese
O relatório vê o custo do modelo atual de educação superior crescendo, ao mesmo tempo em que o valor de mercado de um título universitário cai, ao menos no mundo desenvolvido. "Obter uma graduação tem significativamente mais valor, em termos de renda ao longo da vida, do que apenas completar o ensino médio, mas não está claro que isso continuará a ser verdade no futuro, e para todas as graduações", adverte o texto. Citando dados dos Estados Unidos, o trabalho mostra que a renda média de um graduado caiu quase 15% entre 2000 e 2012, mesmo período em que o custo médio de cursar uma universidade subiu mais de 70%.
 
Os autores lembram ainda que, hoje em dia, o "conteúdo está em toda parte", o que faz com que as pessoas busquem não mais apenas o dado especializado – que está no Google – mas síntese e interpretação. "A tendência acadêmica rumo à especialização, que tem pelo menos um século, segue firme, mas os cidadãos do mundo clamam por síntese", criticam os autores. "E cada vez mais, a síntese vem de organizações externas à universidade – think tanks, agências públicas ou firmas de consultoria".
 
À competição trazida por esses novos órgãos de educação do público, vêm somar-se os MOOCs. "Há alguma evidência de que a qualidade do ensino e do aprendizado online pode ser melhor do que o presencial. Entre outras coisas, todas as interações são explícitas e podem ser analisadas e melhoradas, em vez de acontecer atrás da porta da sala de aula."
 
Texto afirma que universidades podem reagir à avalanche escolhendo, com clareza, a quais nichos ou segmentos pretendem servir, e como Soluções
O relatório aponta que as universidades podem reagir à "avalanche" escolhendo, com clareza, "a quais nichos ou segmentos do mercado pretendem servir, e como". Os autores consideram que "a universidade tradicional que serve a múltiplos propósitos, com diversos tipos de graduações e um programa de pesquisa modesto já teve seu dia". Para eles, essa universidade está sendo "desempacotada" – com cada uma de suas funções assumida por um ator social diferente.
 
Eles sugerem ainda que, caso uma universidade decida especializar-se em ensino, ela terá de fechar ainda mais seu foco: por exemplo, se será ensino para a elite, ou de massa.
 
Críticas
O relatório foi recebido com críticas no Reino Unido. Em reportagem publicada na revista Times Higher Education, o reitor (vice-chancellor) da Universidade de Exeter, Sir Steve Smith, disse que os autores superestimam tanto o impacto dos MOOCs quanto a desvalorização dos diplomas tradicionais. De acordo com ele, os novos sistemas online não têm como "substituir tanto a educação oferecida pelas universidades tradicionais quanto o valor simbólico associado a elas".