27/05/2011

Crossing the Finish Line

O que leva ao sucesso na educação superior?

Doze capítulos avaliam dados sobre alunos americanos que ingressaram em 1999 e o que ocorreu seis anos depois

Renato H. L. Pedrosa
Coordenador do Grupo de Estudos em Ensino Superior (GEES) do Centro de Estudos Avançados (CEAv)
Coordenador da Comvest e professor do Departamento de Matemática do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc)

Crossing the Finish Line – Completing College at America’s Public Universities - William G. Bowen, Matthew M. Chingos, Michael S. McPherson - Princeton University Press, Princeton, 2009 Completar um curso superior é, na formação educacional, o passo de maior impacto pessoal, em termos de futuro profissional e social, capacitando os indivíduos para colaborar para o desenvolvimento cultural e econômico de uma sociedade contemporânea. Uma vez reconhecido esse papel do ensino superior (ES) na vida das pessoas e das nações, o próximo passo é estabelecer as condições e os critérios em que esse processo se dá de forma mais eficiente e eficaz, tendo em vista que o es é um setor educacional que requer altos investimentos para seu pleno funcionamento.

Nesse sentido, torna-se tema relevante de análise estabelecer o que proporciona, entre as diversas variáveis associadas ao acesso ao ES e ao desenvolvimento dos programas de graduação, as maiores chances de os jovens concluírem seus cursos.

Ninguém melhor do que William G. Bowen para levar a cabo um projeto com tal objetivo no contexto americano. Presidente emérito da Fundação Andrew W. Mellon, seu ex-presidente, ex-reitor de Princeton, autor de diversos trabalhos sobre acesso e desempenho de estudantes do ESE coautor de The Shape of the River (O Curso do Rio, Garamond, 2004, uma influente análise sobre o impacto dos programas de ação afirmativa nos Estados Unidos), bowen juntou-se a Matthew chingos e michael mcpherson, dois colaboradores da Fundação A.W. Mellon, para levantar informações sobre o que colabora para (ou atrapalha) a conclusão de um curso nas melhores universidades públicas americanas.

Crossing the Finish LineCompleting College at America’s Public Universities (cruzando a linha de chegada – concluindo cursos em universidades públicas americanas) relata o resultado dessas análises. Os autores apresentam ao longo de doze capítulos o que descobriram estudando os dados sobre alunos que ingressaram em 1999 e o que havia ocorrido seis anos depois (2005) em 21 universidades públicas americanas, as melhores desse grupo.

Lá estão os campi mais conhecidos da universidade da Califórnia, como Berkeley e Los Angeles (ucla), as universidades de Michigan, de Maryland (College Park), da Carolina do Norte (Chapel Hill), do Texas (Austin) e de Wisconsin (Madison), entre outras.

Os autores, logo no início, expõem o que os motivou a realizar os estudos relatados no livro: a situação de estagnação do sistema americano de educação superior desde meados dos anos 70, que vem sendo ultrapassado, pelo menos em termos da fração da população que conclui seus estudos, por boa parte dos países industrializados e mesmo pelos recentes tigres asiáticos.

E quais são a principais histórias contadas pelos autores? Primeiramente, que a evasão (desistência) ocorre ao longo de todos os anos dos cursos de graduação, ao contrário do que se afirma usualmente – que os estudantes ou desistem logo, nos dois primeiros semestres ou anos, ou terminam os cursos.

Outro ponto recorrente no livro é que as diferenças de origem social e étnica são importantes para a análise, mas nem sempre com a mesma relevância. Por exemplo, os autores concluem que não há relações fortes entre subgrupos de estudantes em termos socioeconômicos ou étnicos e evasão, ou seja, a desistência ocorre de forma mais ou menos uniforme, independentemente da renda familiar ou da cor/raça dos estudantes.

Porém, é verdade que há grandes diferenças para os subgrupos em termos de tempo que os estudantes levam para se graduar. Resultado que não surpreende, tendo em vista que, assim como no brasil, estudantes de baixa renda, em maior proporção do que os demais, trabalham ao longo dos seus estudos superiores.

Os autores não notaram grande diferença por renda ou etnia na escolha dos cursos. Interessante, porque isso certamente não se verifica no brasil. basta olhar a proporção de candidatos de baixa renda, ou que se declaram pretos/pardos, para os cursos de medicina das melhores universidades públicas brasileiras, e comparar esses índices, digamos, com cursos de relativa baixa demanda.

Não seria o sistema de acesso à ES, baseado no desempenho numa bateria de exames, um dos impedimentos para se desenvolver estratégias para melhorar a qualidade da educação básica? Talvez o modelo de acesso americano, em que o aluno escolhe o curso após cursar a universidade por algum tempo, elimine a autoexclusão que se nota no modelo de acesso usado no Brasil, em que os candidatos já escolhem os cursos no vestibular, o que certamente leva alguns bons alunos de escolas públicas ou de baixa renda a buscar aqueles de demanda menor, ou em período noturno, onde tenham mais chances de ser admitidos ou que lhes ofereça condição para trabalhar durante o dia.

Nos EUA, provavelmente, essa autoexclusão ocorre antes. o jovem pobre, negro ou chicano nem se candidata ao campus de Berkeley ou à Universidade de Michigan (mas, ainda, candidata-se muito mais do que às nossas boas universidades públicas). O capítulo 5 do livro menciona esse efeito de autoexclusão nas universidades estudadas.

O capítulo 6 é, talvez, o mais interessante do livro para o contexto brasileiro. Relata como os critérios de acesso à educação superior se relacionam ao sucesso na conclusão dos programas. Analisam-se os exames padronizados (sat, o equivalente americano do enem), os exames específicos, por área, e as notas do ensino médio.

NOTAS NO ENSINO MÉDIO

O que melhor prediz o sucesso nos cursos de graduação, segundo a análise do trio de autores? O resultado pode surpreender, mas, mesmo num sistema em que as notas parecem não ter muito valor ou discriminação (usam-se conceitos A-F nas escolas americanas, utilizando a distribuição dos desempenhos), as notas obtidas no ensino médio fornecem a melhor indicação das chances de os alunos se formarem.

Esses resultados não são exatamente novos, já vêm sendo apresentados e debatidos há pelo menos duas décadas no eua. vários estudos sobre o tema serviram de base para a crítica ao sistema de avaliações padronizadas, utilizadas extensivamente naquele país, incluindo o SAT. Essa crítica foi desenvolvida por Peter Sacks em seu polêmico Standardized Minds (Perseus, 2000).

Nos EUA, a desistência ocorre ao longo de todos os anos dos cursos de graduação, ao contrário do que se afirma usualmente: que os estudantes ou desistem logo ou terminam os cursos Outros países, como o Canadá, utilizam exclusivamente as notas obtidas pelos candidatos numa fase anterior a fim de fazer a seleção para o ensino superior. É importante mencionar que o Canadá está sempre entre os países com melhor desempenho dos estudantes da educação básica em comparações internacionais. Uma questão para nós, no Brasil, pensarmos: não seria o sistema de acesso à educação superior, baseado exclusivamente no desempenho numa bateria de exames – sejam os vestibulares, seja, agora o Enem – um dos impedimentos para se desenvolver estratégias e programas para melhorar a qualidade da educação básica?

A mensagem que passamos ao sistema de educação básica, de que apenas o desempenho nesses exames ao final do processo é o que importa, não traz embutida a declaração de que o processo de avaliação escolar não tem nenhum valor, apesar de incluir inúmeros subprocessos de formação e avaliação muito mais sofisticados e completos do que uma bateria de provas com 100 ou 200 itens?

O restante do livro trata de várias outras questões, como transferências entre faculdades comunitárias e universidades – bastante importante para o sistema público americano –, questões de financiamento, bolsas etc. Vale a pena conhecer como essas questões são tratadas no sistema americano, em particular sobre as formas de financiamento da educação superior, tema que é pauta frequente em praticamente todos os países onde, atualmente, se debatem formas de expansão e qualificação da educação superior, incluindo os da União Europeia e países asiáticos como Austrália, China e Coreia do Sul.

O livro contém ainda um apêndice, de autoria do Eugene M. Tobin, também membro da Fundação A. W. Mellon, sobre o desenvolvimento das melhores universidades públicas americanas. Inicia pela descrição do sistema da Califórnia, incluindo o seu bastante conhecido modelo tripartite (universidades de pesquisa, universidades de ensino e faculdades comunitárias) estabelecido pelo plano diretor da educação superior da califórnia em 1960 e que, até hoje, baliza os debates sobre modelos de educação superior naquele país, e inclui uma breve descrição dos sistemas que incluem as universidades estudadas no livro. Esse apêndice contém muitas informações relevantes para os interessados em conhecer os principais sistemas estaduais de educação superior existentes nos Estados Unidos.

Os autores concluem o livro apresentando cinco desafios que identificam como principais:

[1] O nível de concluintes está estagnado e o sistema não dá sinais de apresentar
alternativas para que a situação mude. Vários países já ultrapassaram os EUA em taxa de formação no ES e outros estão prestes a fazê- lo, em particular os asiáticos.
[2] O sistema americano apresenta profundas disparidades nas chances de sucesso na educação superior, relacionadas à situação socioeconômica ou origem étnica dos estudantes, e essas disparidades não parecem estar diminuindo, pelo contrário.
[3] Os dois desafios acima estão ligados e requerem ações coordenadas para sua superação, em particular no que se refere à população de origem hispânica (imigrantes de países latino-americanos), que é a que mais cresce naquele país.
[4] O tempo para concluir os cursos de graduação é tão importante quanto a própria conclusão, afetando mais as minorias e a população de baixa renda, devendo merecer atenção das instituições.

Com Crossing the Finish Line, os autores prestam um enorme serviço ao debate no contexto americano sobre formas de acesso, chances de sucesso, efeitos das disparidades sociais, como é o desempenho das minorias étnicas ou culturais. Esse debate, de uma forma ou outra, está na ordem do dia também no Brasil e em todas as partes do planeta. Seria muito positivo que fosse divulgado amplamente no país, com a esperança de que venha a estimular estudos e análises sobre a questão do que leva ao sucesso na educação superior brasileira.