26/03/2014

International Higher Education

Universidades de pesquisa nos países de renda média e em desenvolvimento

Karen MacGregor
Karen MacGregor é editora coordenadora da publicação University World News, na qual este artigo foi publicado originalmente. E-mail: editors@iafrica.com. Todas as citações deste artigo são de Philip G. Altbach, “Advancing the National and Global Knowledge Economy: The Role of Research Universities”, Studies in Higher Education, 38 (abril de 2013).
As universidades de pesquisa dos países de renda média e baixa têm um papel crucial a desempenhar no desenvolvimento de sistemas acadêmicos eficazes e diferenciados, para possibilitar que seus países participem da sociedade global do conhecimento, concorrendo nas sofisticadas economias do conhecimento, de acordo com Philip G. Altbach, diretor do Center for International Higher Education/Boston College, nos Estados Unidos.
 
Embora as universidades de pesquisa dos países em desenvolvimento ainda não tenham alcançado os níveis superiores das classificações globais, elas são “extraordinariamente importante” em seus países e regiões - melhorando constantemente sua reputação e competitividade no palco internacional - escreveu Altbach num artigo intitulado "Advancing the National and Global Knowledge Economy: The Role of Research Universities in Developing Countries”: “Um ponto fundamental é o fato de as universidades em todo o mundo fazerem parte de uma comunidade ativa de instituições que partilham os mesmos valores, foco e missão”.
 
O artigo de Altbach foi publicado numa edição especial da revista Studies in Higher Education, dedicada à disseminação de conceitos fundamentais resultantes de uma investigação da estrutura de conhecimento do ensino superior, numa colaboração entre o Centro para o Ensino Superior Internacional e a Organização para a Cooperação Econômica e Inovação no Desenvolvimento, programa de Ensino Superior e Pesquisa para o Desenvolvimento.
 
As universidades de pesquisa foram definidas como instituições acadêmicas “comprometidas com a criação e disseminação do conhecimento, numa gama de áreas e disciplinas, oferecendo os laboratórios, bibliotecas e demais equipamentos adequados de infraestrutura que possibilitem o ensino e a pesquisa no mais alto nível possível”. Em todo o mundo, as universidades de pesquisa desempenharam papéis complexos no sistema acadêmico, incluindo a missão central da produção de pesquisa e do treinamento de estudantes para o envolvimento com a pesquisa.
 
“A universidade de pesquisa não é uma torre de marfim, sendo relevante para a comunidade mais ampla; boa parte de suas pesquisas se dá de maneira colaborativa, com financiamento e patrocínio de fontes externas à universidade. A universidade de pesquisa é uma instituição extremamente complexa e multifacetada, desempenhando muitos papéis sociais." As universidades de pesquisa de todo o mundo têm muito em comum, “emanando de uma tradição específica e desempenhando papéis semelhantes”, destacou Altbach. Há variações nacionais, mas “a sinergia entre pesquisa e ensino é um marco”.
 
De acordo com ele, a produção e disseminação do conhecimento deve se expandir internacionalmente, e uma disseminação mais ampla da capacidade de pesquisa em todo o mundo seria imperativa.
 
“Podemos dizer que todos os países precisam de instituições acadêmicas, ligadas ao sistema acadêmico global de ciência e erudição, de modo que eles possam compreender desenvolvimentos científicos avançados e participar seletivamente na ciência global.”
 
A maioria dos países pode arcar com o custo de pelo menos uma universidade de qualidade suficiente para participar nos debates internacionais da ciência e da erudição, desenvolvendo pesquisas em áreas relevantes para o desenvolvimento nacional.
 
Todos os países querem universidades de nível mundial
Em todo o mundo, os países compreenderam que as universidades de pesquisa são fundamentais para a economia do conhecimento do século 21. Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, era crescente a preocupação com a capacidade de manter os padrões das universidades de pesquisa existentes. A Alemanha tinha destinado recursos a algumas instituições chave, e o Japão financiou bolsas de estudos competitivas para criar centros de excelência.
 
“A China enfatizou a criação de universidades de pesquisa ‘de nível mundial’, e a Índia está finalmente começando a pensar na qualidade de suas principais instituições. Programas semelhantes para melhorar a qualidade existem na Coreia do Sul, Chile, Taiwan e outros países”, escreveu Altbach.
 
“Várias das universidades africanas tradicionalmente mais fortes buscam melhorar sua qualidade na tentativa de alcançar o status de universidades de pesquisa, com a assistência de financiadores externos; mas, no geral, este processo está atrás dos níveis de desenvolvimento acadêmico em outros continentes.”
 
"As universidades de pesquisa surgiram na pauta política de muitos países em desenvolvimento, especialmente os países maiores que buscam concorrer na economia global do conhecimento.“
 
Universidades de pesquisa e sistemas acadêmicos
De acordo com Altbach, as universidades de pesquisa são uma parte muito pequena e especializada - e também crucial - de todo sistema acadêmico. Nos Estados Unidos havia cerca de 220 universidades de pesquisa num sistema composto por mais de 4 mil instituições pós-secundárias. Na Grã-Bretanha, havia apenas 25 universidades de pesquisa entre um total de 100 universidades e 300 instituições pós-secundárias. “Países menores e em desenvolvimento têm talvez uma universidade de pesquisa, sendo que muitos deles não têm nenhuma instituição do tipo.” A China estava desenvolvendo cerca de 100 universidades de pesquisa - em meio às mais de 3 mil instituições em todo o país, parte de seus esforços para a construção de universidades de nível mundial.
 
Um sistema acadêmico claramente diferenciado era necessário para que as universidades de pesquisa prosperassem, escreveu Altbach. Um exemplo claro era o sistema em três níveis do ensino público da Califórnia, criado pelo Plano Mestre para a Califórnia, que tem no topo os 10 campus da Universidade da Califórnia, voltada para a pesquisa, os 23 campus do sistema da Universidade Estadual da Califórnia, com cerca de 433 mil estudantes, e um sistema de universidades comunitárias com 3 milhões de estudantes. Os padrões de financiamento, missões e governança diferem entre os três níveis, e a regulamentação estadual sustenta as diferenças entre suas missões. “Ao distribuir os recursos tendo em mente o ideal da eficiência, o Plano Mestre também institucionalizou um compromisso com a excelência em suas melhores universidades de pesquisa, como a Universidade da Califórnia em Berkeley.”
 
O arquiteto do Plano Mestre, Clark Kerr, tinha uma visão das características fundamentais das universidades de pesquisa: governança interna nas mãos principalmente dos professores; decisões-chave tomadas com a participação dos acadêmicos - o conceito de governança partilhada é central; meritocracia rigorosa; pesquisa entrelaçada ao ensino; liberdade acadêmica; e envolvimento com a sociedade.
 
Os países em desenvolvimento também precisam diferenciar claramente a missão das instituições do sistema pós-secundário e organizar as instituições de maneira racional.
 
“Padrões apropriados de financiamento, arranjos de ensino realistas, arranjos administrativos e outros elementos-chave das instituições terão de ser organizados e implementados. Também será necessário garantir que e o setor do ensino superior privado, em rápida expansão, seja integrado de alguma maneira ao sistema”, defendeu Altbach.
 
“O fato é que poucos dentre os países em desenvolvimento contam com um sistema acadêmico diferenciado já existente; e este requisito organizacional central continua a ser uma tarefa fundamental.” Na ausência de um sistema apropriado, que variaria de acordo com os requisitos nacionais, as universidades de pesquisa não poderiam prosperar plenamente.
 
“Essas instituições devem ser claramente identificadas e apoiadas. Devem ser feitos arranjos para que o número de universidades de pesquisa seja suficientemente limitado para que o financiamento esteja disponível para elas, impedindo que outros recursos, como a quantidade de acadêmicos qualificados, sejam diluídos numa distribuição excessiva.”
 
Altbach explorou aspectos da academia considerados fundamentais para as universidades de pesquisa - comunicações e redes, publicações, bibliotecas, comunidades informais de estudiosos, conferências e organizações profissionais, internet, repositórios de conhecimento, universidades de pesquisa como centros críticos, a globalização da ciência e das bolsas de ensino, internacionalização e a universidade de pesquisa, o dilema do idioma e a profissão acadêmica.
 
Circunstâncias atuais
“Parafraseando Charles Dickens, essa é a melhor das épocas e a pior das épocas para a pesquisa nas universidades”, escreveu Altbach. Embora seja amplamente reconhecida a importância da universidade de pesquisa, das conexões acadêmicas internacionais e da pesquisa, muitos países deixam de perceber sua complexidade e os recursos necessários para construí-las e mantê-las.
 
Ele destacou algumas das características das universidades de pesquisa mais bem sucedidas:
 
                *Virtualmente todas elas fazem parte de um sistema diferenciado, ocupando o topo da hierarquia acadêmica e recebendo apoio apropriado para sua missão.
                *As universidades de pesquisa são instituições predominantemente públicas - exceto nos Estados Unidos, no Japão e no caso de algumas instituições ligadas à igreja na América Latina. O setor privado dificilmente consegue sustentar uma universidade de pesquisa, embora vejamos o surgimento de algumas universidades particulares com foco na pesquisa - na Turquia, Índia e América Latina.
                *As universidades de pesquisa obtêm mais sucesso em regiões com pouca ou nenhuma concorrência por parte de institutos não-universitários de pesquisa ou com elos fortes entre as universidades e tais institutos. O sistema da “academia de ciências” em países como Rússia e China e alguns modelos de instituto de pesquisa de outros países carecem de elos com as universidades. Alguns países tentam integrar melhor os institutos de pesquisa e as universidades de ponta, em alguns casos fundindo-os - sem dúvida, isto vai fortalecer as universidades.
                *As universidades de pesquisa são caras, exigindo mais financiamento do que outras universidades - para atrair os melhores funcionários e alunos e para oferecer a infraestrutura necessária ao ensino e pesquisa de ponta. O “custo por estudante” é mais alto do que a média do sistema. Salários adequados para o corpo docente, laboratórios e bibliotecas bem equipados, e bolsas de estudos para os estudantes mais brilhantes e desfavorecidos são exemplos dos gastos exigidos.
                *As universidades de pesquisa devem contar com orçamentos adequados e constantes; elas não podem prosperar com base em orçamentos inadequados nem variações orçamentárias muito grandes.
                *Ao mesmo tempo, as universidades de pesquisa ainda têm potencial para gerar renda significativa. Muitas vezes os estudantes estão dispostos a pagar taxas maiores por causa do prestígio ligado aos diplomas emitidos por elas, dos programas acadêmicos de qualidade e do acesso aos melhores professores. As universidades de pesquisa também geram propriedade intelectual e descobertas e inovações com valor no mercado. Em certos países, elas podem gerar doações filantrópicas.
                *As universidades de pesquisa exigem instalações físicas condizentes com sua missão, incluindo bibliotecas e laboratórios caros e sofisticada tecnologia da informação. A infraestrutura das universidades de pesquisa é complexa e cara. Além de ser construída, é preciso mantê-la em funcionamento e atualizá-la periodicamente.
                *As universidades de pesquisa exigem autonomia para moldar seus programas e práticas. O equilíbrio entre autonomia e responsabilidade nos países em desenvolvimento pode ser complicado.
                *A liberdade acadêmica é um requisito para todas as instituições pós-secundárias, mas especialmente para as universidades de pesquisa.
 
Conclusão
Nos países em desenvolvimento as universidades de pesquisa estão no topo da hierarquia acadêmica e são centrais para o sucesso numa economia moderna com base no conhecimento, concluiu Altbach. “Todos os países em desenvolvimento precisam dessas instituições para participarem do ambiente globalizado do ensino superior. Assim, a prioridade é compreender as características das universidades de pesquisa e construir a infraestrutura e o ambiente intelectual necessários para o sucesso das universidades de pesquisa.”