02/05/2013

International Higher Education

Universidade pública na Argentina: ineficiente e ineficaz?

Além da necessidade urgente de reforma no nível secundário para melhor preparar os alunos para o estudo pós-secundário, os institutos terciários e as universidades precisam atuar como entidades complementares

Marcelo Rabossi
Professor assistente da Faculdade de Administração Pública da Universidade Torcuato Di Tella, Buenos Aires, Argentina. E-mail: mrabossi@utdt.edu
Universidade de Buenos Aires
Durante a presidência de Juan Domingo Perón (1946-1955) a Argentina implementou uma política de matrículas abertas em todas as universidades públicas. Todos os candidatos donos de diplomas do ensino secundário foram admitidos. Além disso, o ensino era oferecido sem a cobrança de taxas. Como resultado deste ensino aberto a todos, seguiu-se uma explosão no número de matrículas. Por mais que ambas as medidas fossem suspendidas de tempos em tempos, principalmente quando uma nova Junta Militar assumiu o poder, o modelo foi finalmente consolidado em 1984 - determinando a dinâmica atual do fluxo de estudantes de hoje. Não surpreende que tal política tenha seu lado sombrio. Uma alarmante proporção de atrito e o baixo número de formados são o retrato de uma universidade pública ao mesmo tempo ineficiente e ineficaz.
 
Mecanismo de fácil entrada
Atualmente, 54 universidades nacionais recebem quase 1,4 milhão de estudantes matriculados (79,5% do total de matrículas em 2010); cada universidade tem liberdade para determinar seu próprio processo de admissão. Com diferentes tipos de cursos suplementares moldados pelas características e necessidades de cada instituição, basicamente todos os candidatos donos de diplomas secundários são admitidos. Além disso, o ensino continua sendo totalmente gratuito no nível de graduação. Assim, seguindo esta lógica, os candidatos não são desafiados a se esforçarem ao máximo, seja intelectual ou financeiramente, para conseguirem uma vaga nas instituições nacionais mais prestigiadas. Em outras palavras, independentemente de seu desempenho acadêmico, os candidatos podem se matricular em qualquer instituição pública e se aprofundar na área de estudos desejada. Entretanto, esta política permissiva de admissão tem sérias consequências.
 
A pesada carga de um modelo de admissão livre deve ser levada em consideração, já que a Argentina carece de um exame padronizado de conclusão para controlar a qualidade da formação recebida por aqueles que chegam ao fim do ensino secundário. Esta situação joga sobre o sistema uma pressão adicional, especialmente quando o estudante médio do ensino secundário não demonstra ter as capacidades básicas para avançar no ensino superior. De acordo com o mais recente Programa de Avaliação dos Estudantes Internacionais, em 2009 a Argentina ocupava a 58.a posição entre os 65 países participantes, confirmando que a lacuna de desempenho entre os melhores e os piores alunos é uma das mais largas entre os países avaliados. Assim, não surpreende que apenas uma pequena parcela dos estudantes consiga concluir o ensino universitário.
 
Uma universidade ineficiente e ineficaz
Em média, apenas 22% de todos os estudantes das instituições nacionais obtêm seus diplomas. Em comparação, o setor privado mostra uma proporção de formandos mais eficiente (35%). O custo mais elevado, tanto em termos financeiros quanto de acesso, e os programas de estudos mais bem organizados no setor privado incentivam os estudantes a buscarem seus diplomas mais rapidamente. No setor público, entretanto, é provável que uma violação das regras internas também contribua para o problema. Embora a Lei do Ensino Superior de 1995 determine que todos os estudantes devem completar pelo menos dois cursos por ano para se manterem matriculados, na realidade é provável que 27% de todo o corpo discente não concluam nenhum curso durante o ano acadêmico. Esta proporção aumenta para 41% com base naqueles que se inscreveram em menos de 2 cursos durante o período. Não surpreende que esta “universidade permissiva” faça com que a Argentina tenha a maior proporção de matriculados no ensino terciário entre os países da América Latina. Por outro lado, a Argentina conta com apenas 2,4 universitário formados a cada 1.000 habitantes, proporção muito abaixo da observada em sistemas mais eficientes da região.
 
Embora em algumas universidades públicas a proporção de estudantes formados seja mais compatível com os padrões internacionais (de acordo com os quais cerca de 50% dos alunos de primeiro ano concluem o ensino universitário), outras apresentam proporções preocupantemente baixas de formandos. Na prática, em mais de um terço de todas as instituições públicas, a taxa de abandono fica acima dos 80%. Em parte, este desempenho desigual se deve provavelmente ao fato de certas instituições serem mais seletivas na admissão de de estudantes nas carreiras mais exigentes. Ao distribuir os estudantes de desempenho mais baixo entre os programas acadêmicos menos exigentes, algumas universidades conseguiram reduzir a proporção de abandono. Além disso, alguns cursos suplementares se mostraram eficientes, especialmente nas turmas menores, que proporcionam mais contato entre aluno e professor. Algumas instituições públicas estão expandindo o número de programas mais curtos para aumentar o número de formandos. Nesse sentido, tendem a se comportar como instituições não-universitárias para remediar o dilema do abandono.
 
A não-universidade eficiente como parte da solução
Em comparação, uma proporção cada vez maior de estudantes agora se matricula em instituições não-universitárias, fenômeno que reduziu o drama nacional da baixa taxa de formandos. Tais institutos oferecem cursos de dois ou três anos em áreas como tecnologia da web e ensino técnico. Além disso, são responsáveis pela formação de mais de 70% de todos os professores dos níveis primário e secundário. Também provaram ser mais eficientes do que a universidade nacional.
 
Esses institutos terciarios recebem 691.000 estudantes, ou 30% de todos os matriculados no ensino pós-secundário, mas produzem um número de formandos quase igual ao das universidades. Quando essas instituições são incluídas no cálculo, a Argentina se mostra mais eficiente na produção de capital humano. Os institutos terciários de fato fazem com que a proporção de formados pelo sistema argentino do ensino superior seja equivalente à dos países vizinhos.
 
A taxa de eficiência mais alta dos institutos terciários é fruto de fatores acadêmicos e organizacionais. Em primeiro lugar, os programas acadêmicos são mais curtos e exigem menos preparação prévia. Em segundo, ao oferecerem turmas menores do que as universidades, os institutos possibilitam uma interação mais próxima entre professores e alunos. Além disso, as instituições terciárias foram concebidas como extensão das escolas secundárias. Nesse sentido, oferecem um “ambiente mais amistoso”, exigindo menos ajustes por parte do aluno para que este alcance o sucesso.
 
Conclusão

Embora a universidade nacional argentina se orgulhe da igualdade social do seu processo de admissão, ela se mostra ao mesmo tempo ineficiente (a julgar pela alta taxa de atrito) e ineficaz (por causa da baixa proporção de formandos em relação aos demais países da região) na produção de capital humano. Mesmo sem requisitos de admissão e sem cobrar taxas de ensino, existe na verdade uma forte seletividade evidente na progressão do primeiro ano para os anos subsequentes na maioria dos programas de ensino que oferecem diplomas. Se a Argentina quiser de fato atingir o objetivo de um sistema pós-secundário socialmente justo e igualitário, a política de ensino superior deve ser redefinida. Além da necessidade urgente de reforma no nível secundário para melhor preparar os alunos para o estudo pós-secundário, os institutos terciários e as universidades precisam atuar como entidades complementares. O objetivo deve ser chegar a uma articulação melhor entre os dois tipos de instituição (atualmente inexistente), ajudando os estudantes menos preparados a fazer uma transição tranquila do ensino secundário para o terciário, oferecendo-lhes mais alternativas.