25/04/2012

International Higher Education

Templos e universidades de nível mundial

Philip G. Altbach
Professor da Cátedra Monan e diretor do Center for International Higher Education do Boston College. Tem colaborado com o Governo de Kerala (um dos Estados da Índia) com o título de erudite scholar
International Higher EducationNão é todo dia que um templo hindu – ou qualquer outro lugar – descobre um tesouro avaliado em US$ 22 bilhões enterrado no seu porão (como foi noticiado em meados do ano passado). Agora que o Templo Sree Padmanabhaswamy, em Thiruvanathapuram, capital do Estado indiano de Kerala, pode desfrutar dessa bênção, todos estão sugerindo diferentes maneiras de empregar os recursos. Eis aqui uma ideia que proporcionaria uma contribuição real para a Índia e para o Estado de Kerala, além de ser condizente com a missão de desenvolvimento da cultura, da ciência e da civilização: construir a primeira universidade indiana de nível realmente mundial.
 
Surpreendentemente, apesar do seu rápido crescimento econômico e da sua longa tradição de excelência intelectual, a Índia não tem uma universidade de nível mundial – nenhuma das universidades indianas existentes ocupa uma posição alta nos rankings e nenhuma das instituições é globalmente considerada de nível mundial. Somente os Institutos Indianos de Tecnologia e os Institutos Indianos de Administração são bem conhecidos, mas não são universidades. A fundação de uma universidade de nível mundial não consumiria todos os recursos disponíveis, e é claro que todos os elementos de valor religioso ou histórico teriam de ser preservados – num museu associado à universidade. Talvez US$ 200 milhões possam ser usados para construir um campus de altíssimo nível em Thiruvanathapuram, capital do antigo reino de Travancore – e US$ 8 bilhões poderiam ser destinados a um fundo capaz de render cerca de US$ 560 milhões (numa estimativa conservadora de 7%) ao ano para o funcionamento da universidade. Com isso, restaria mais da metade do valor estimado do templo, que poderia ser poupado ou gasto com outros objetivos.
 
A Universidade Sree Padmanabhaswamy atenderia simultaneamente a vários propósitos. Uma instituição de nível mundial serviria como modelo para o ensino superior na Índia e nos países em desenvolvimento. A universidade contribuiria com a economia de Kerala e proporcionaria um estímulo dinâmico para o desenvolvimento de setores fundamentais, como a tecnologia da informação e a biotecnologia.
 
Kerala é o lugar perfeito para uma universidade de nível mundial. O Estado intitula-se "terra do próprio Deus" por bons motivos. Um meio ambiente verde e agradável combina-se a uma infraestrutura decente, e a sociedade local não apresenta muitas das tensões encontradas em outras regiões da Índia. O Estado conta com bons laços com o restante do mundo graças ao Golfo. Kerala conta com uma alfabetização universal, e 18% dos jovens têm acesso ao ensino superior – o dobro da média indiana.
 
Como seria a universidade de nível mundial de Kerala?
Tão importantes quanto o financiamento de uma universidade de alto nível são as ideias por trás dela. Em virtualmente todos os seus aspectos, a Universidade Sree Padmanabhaswamy seria pouco indiana. Ela não seria pública nem privada, e sim independente e controlada por um fundo público associado ao templo e à sociedade civil de Kerala. Os sócios controladores do fundo seriam escolhidos entre esses grupos e incluiriam o membro mais importante da família real de Travancore, além de alguns educadores internacionais de renome. Semelhante às grandes universidades particulares dos Estados Unidos, a Universidade Sree Padmanabhaswamy teria um conselho independente de associados. Seu financiamento será garantido pelo fundo. Taxas seriam cobradas dos estudantes que pudessem arcar com o custo. Receita poderia ser auferida por meio de contratos de pesquisa. Atividades adicionais de filantropia seriam encorajadas. A universidade ficaria livre da politicagem e da burocracia que tanto sufocam as universidades públicas da Índia. Além disso, ver-se-á livre das motivações e caprichos dos magnatas do empresariado que almejam o lucro e controlam algumas das novas universidades privadas.
 
A universidade seria internacional na sua visão e abrangência. Professores e estudantes viriam de todas as partes do país e do mundo. O fundo da universidade financiaria tanto bolsas quanto salários que seriam atraentes, por mais que não sejam comparáveis aos oferecidos pelas mais ricas universidades dos Estados Unidos e da Europa.
 
O currículo de cursos e o foco seriam deliberadamente internacionais. Ao mesmo tempo, a universidade enfatizaria temas importantes para Kerala, para o sul da Índia e para todo o subcontinente. A Universidade Sree Padmanabhaswamy não se concentraria somente nas ciências, como ocorreu com muitos esforços globais para o estabelecimento de instituições de nível mundial. A universidade seria abrangente, escolhendo cuidadosamente as áreas nas quais pudesse se destacar: alguns campos são de importância óbvia para o Estado e a região, como tecnologia da informação, setores da agricultura e possivelmente certas áreas da biotecnologia. Em decorrência do elo da universidade com o templo, esta teria o objetivo de ser a melhor universidade do mundo para o estudo do hinduísmo e das religiões indianas; além disso, sendo localizada em Kerala, que conta com grandes populações de hindus, muçulmanos e cristãos, a universidade poderia cultivar um diálogo inter-religioso. A universidade também teria como foco a história, a arte e a sociedade de Kerala e do sul da Índia. Os temas principais seriam cuidadosamente escolhidos, e o corpo docente seria formado com o objetivo deliberado de proporcionar excelência e solidez estratégicas.
 
Governança e administração da universidade de nível mundial
A governança é fundamental para qualquer universidade. A equipe de funcionários acadêmicos da Universidade Sree Padmanabhaswamy deve ocupar uma posição central na tomada de decisões acadêmicas. Ao mesmo tempo, universidades de nível mundial precisam ser administradas com eficácia, e os principais líderes universitários precisam ter um controle significativo das decisões estratégicas. O vice chancellor, diretores (deans) e outros líderes importantes serão escolhidos em decorrência do seu talento e capacidade de liderança – e não graças a elos pessoais.
A universidade precisa ser uma instituição totalmente meritocrática. Tanto os membros do corpo docente quanto os estudantes seriam escolhidos por sua qualidade acadêmica. Os funcionários acadêmicos, uma vez contratados, serão cuidadosamente avaliados pelo seu ensino e suas pesquisas durante um período de anos, antes de receberem empregos permanentes. Os estudantes serão escolhidos com base no mérito e sem os rigorosos limites do sistema de reservas – embora haja a possibilidade de estudantes capazes oriundos de grupos menos favorecidos receberem uma consideração especial –, recebendo bolsas e auxílio financeiro, bem como apoio acadêmico.
 
A Índia vê-se diante de uma chance sem igual para criar uma universidade de nível mundial com parte dos recursos do Templo Sree Padmanabhaswamy, de Kerala – empregando as melhores práticas internacionais e concentrando-se nas necessidade de Kerala e do sul da Índia num contexto internacional. A oportunidade de construir uma universidade de nível mundial livre das limitações de um sistema burocrático é única. O ensino superior é uma parte importante das tradições de Kerala, e o Estado é um local oportuno para uma universidade dotada de amplos recursos, longe das distrações e da politicagem de Nova Déli.
 
capa da edição impressa nº 5 | abril de 2012