28/08/2012

International Higher Education

Sérvia: nova estratégia para o ensino superior

Stamenka Uvalic-Trumbic
Uvalic-Trumbic é consultora independente na área do ensino superior global. Foi diretora do Departamento de Ensino Superior da Unesco. E-mail: suvalictrumbic@gmail.com
Na Sérvia, uma nova estratégia para o ensino superior, representada por uma reforma mais ampla, trata do ensino de maneira holística, desde a pré-escola aos estudos de doutorado. Documentos e metas da União Europeia proporcionam a inspiração geral para a estratégia, principalmente as metas de crescimento estabelecidas para a Europa até 2020, para as quais o ensino e o treinamento são vitais.
 
Entretanto, o ensino superior na Sérvia herda um legado desafiador. O sistema fazia parte de um contexto mais amplo de ensino superior na Iugoslávia, mas sofreu desde então com os anos de guerra civil, instabilidade política e sanções econômicas.
 
Promovendo as matrículas
O principal desafio da Sérvia é aumentar sua proporção bruta de matrículas, atualmente em apenas 26,6%, aproximando-a da média europeia de 50% a 55% – avançando até esse patamar sem produzir um número demasiadamente alto de formandos nem deixar o padrão de qualidade cair. As tendências demográficas são parcialmente responsáveis pelo baixo, e cada vez menor, número de matrículas; mas o alto desemprego entre os formados, subproduto da fraca situação econômica, é uma causa mais imediata. Além disso, houve uma grande fuga de cérebros nos últimos 20 anos, mais acentuada na Sérvia do que em qualquer outro país do oeste dos Bálcãs. O desenvolvimento de currículos do ensino superior mais alinhados com as exigências do mercado de trabalho vai ajudar a remediar o problema. O recrutamento de novos pesquisadores é outro problema crucial, dada a meta europeia de criar pelo menos um milhão de novas posições de trabalho em pesquisas, com o objetivo de atingir uma meta de pesquisa e desenvolvimento equivalente a 3% do PIB.
 
Legado do passado: superando a fragmentação
Um desafio particular enfrentado pelo ensino superior na Sérvia (legado histórico de todas as ex-repúblicas da Iugoslávia) é a tradição segundo a qual as universidades são agrupamentos de faculdades semiautônomas, e não instituições totalmente integradas. Estruturas corporativas e integradas são essenciais para qualquer reforma sustentável, mas 20 anos de debate não resolveram essa questão nas grandes universidades, como a de Belgrado, embora algumas instituições menores tenham progredido.
 
Além disso, a recente proliferação de instituições de ensino superior fragmenta ainda mais o setor, agindo contra o planejamento coerente. Antes da desintegração da Iugoslávia, a Sérvia tinha quatro universidades em seu próprio território, além de outras duas localizadas em suas províncias autônomas, Voivodina e Kosovo. Hoje, a estratégia preliminar cita 13 universidades credenciadas (7 públicas e 6 particulares) para uma população que é menor do que naqueles dias, e continua em queda.
 
Um problema fundamental é a redução do número de universidades públicas separadas, com o objetivo de formar uma rede de instituições mais racional e adequada às necessidades do país.
 
Processos na Sérvia e na Europa
Desde 2003, a Sérvia tem tido boa participação nas iniciativas europeias – como o European Higher Education Area e, posteriormente, o European Research Area. Isso garantiu a evolução gradual das estruturas de diplomas, o desenvolvimento de estruturas nacionais de qualificação com base no resultado do aprendizado, o estabelecimento de mecanismos de controle de qualidade e a inclusão dos principais envolvidos (ou seja, os estudantes) no processo decisório. Mas, infelizmente, não existe nenhuma análise crítica da implementação do processo de Bolonha – reconhecendo talvez que algumas mudanças tenham sido simplesmente cosméticas. A mudança da estrutura de diplomação, na ausência de uma reforma nos programas de estudo, por exemplo, aumentou a pressão sobre os estudantes e o corpo docente. Além disso, o valor do diploma de bacharelado foi reduzido, já que não mais garante o acesso ao mercado de trabalho. O mesmo ocorreu com o diploma de mestrado, que perdeu seu componente de pesquisa.
 
Diversificação
Para diversificar o sistema, a Lei do Ensino Superior de 2005 introduziu um modelo binário com quatro anos de ensino profissionalizante, embora não tenha proporcionado circulação entre os setores universitários e não universitários. A grande reforma que se faz agora necessária tem como meta emendar a legislação que rege o setor terciário não universitário, para promover uma maior mobilidade vertical e horizontal. Os acordos atuais da Sérvia não são consistentes com a prática da mobilidade horizontal e vertical dos estudantes como vista em outras partes da Europa.
 
No outro extremo do espectro, na sua busca pela excelência, a estratégia aspira ao desenvolvimento de indicadores de competência para as instituições de ensino superior no nível nacional e também à introdução de políticas que ajudem algumas universidades sérvias a alcançar boas posições nos principais rankings internacionais, bem como os primeiros lugares nas classificações regionais.
 
O bom posicionamento nos rankings internacionais e/ou regionais promove o orgulho nacional; as instituições sérvias de ensino superior certamente alcançam a excelência em determinadas disciplinas. As pesquisas mostram que três condições para a obtenção de posições altas nos rankings são uma liderança forte, estruturas definidas de governança e o substancial investimento de recursos. Entretanto, os recursos necessários parecem não estar disponíveis na Sérvia. E, ainda que estivessem, poderiam ser melhor empregados no desenvolvimento de um sistema de ensino superior de qualidade para a Sérvia como um todo – em vez de promover algumas instituições escolhidas, sem garantia de sucesso.
 
Corrupção acadêmica
Diante de um caso de corrupção acadêmica de grandes proporções, que teve repercussões legais e causou a renúncia de membros do alto escalão do corpo docente em 2007, a estratégia propõe, no nível institucional, um Código de Ética para todas as universidades. Para ter um impacto real, parece que tal código poderia ser enfatizado enquanto elemento de controle de qualidade e de credenciamento, sendo monitorado com regularidade.
 
Transformando fraquezas em pontos fortes
A Sérvia deve buscar formas de transformar suas fraquezas em pontos fortes. Poderiam ser criados incentivos para a inclusão da impressionante diáspora intelectual sérvia nos seus programas de ensino e pesquisa, por exemplo, por meio de vagas de professores visitantes e projetos conjuntos de pesquisa. Agora que as memórias da guerra civil começam a ficar para trás, a Sérvia deve também explorar o legado linguístico comum do oeste dos Bálcãs para desenvolver estudos conjuntos de doutorado com outros países da região. A criação de redes disciplinares regionais com polos de excelência na Sérvia e em toda a "Iugosfera" pode ser um mecanismo para a redução no número de universidades, aumentando sua qualidade e reforçando a relevância dos programas de estudos.
 
Conclusão
Será que a nova estratégia, apesar de bem pesquisada e rigorosamente documentada, consistirá em apenas uma dentre tantas que nunca foram implementadas, um mero trunfo de propaganda política sob medida para as futuras eleições na Sérvia? A não ser que seja integrada com políticas gerais em outros setores, consistindo numa parte integral da Estratégia para o Desenvolvimento Econômico – parâmetro mais amplo de progresso sérvio até 2020 –, é provável que ela continue sendo um documento isolado, com pouca chance de levar ao sistema de ensino superior os tão necessários aperfeiçoamentos.