11/03/2014

International Higher Education

Regimes de qualidade na África: realidade e aspirações

Juma Shabani
Shabani é diretor do Escritório da Unesco em Bamako, Mali. E-mail: j.shabani@unesco.org
Desde meados do ano 2000, foram lançadas na África algumas iniciativas para desenvolver estruturas comuns para qualificações comparáveis e compatíveis com o objetivo de promover a mobilidade acadêmica. A qualidade e o controle de qualidade desempenham um papel crucial nessas iniciativas. Este artigo identifica e analisa os vários regimes de qualidade do ensino superior e debate brevemente os desafios da implementação do controle de qualidade, bem como as aspirações dos países africanos identificadas numa pesquisa encomendada recentemente.
 
Em geral, concorda-se que, no decorrer das duas últimas décadas, a qualidade do ensino superior caiu em vários países africanos, principalmente em decorrência do rápido aumento no número de matrículas, o baixo padrão de qualidade das bibliotecas e laboratórios, o treinamento pedagógico inadequado dos funcionários acadêmicos, e a capacidade limitada dos mecanismos de controle de qualidade. Várias agências de controle de qualidade foram criadas para melhorar a qualidade do ensino superior nos níveis nacional, subregional e continental.
 
Nível nacional
A primeira agência nacional de controle de qualidade foi criada em 1962, na Nigéria. Já em 2012, 21 países africanos tinham criado agências do tipo, e uma dúzia de outros países estava em estágios relativamente avançados da sua criação. Os países africanos de língua francesa estão mais atrasados, e apenas cinco países da África Subsaariana contam com agências de controle de qualidade.
 
Tais agências foram inicialmente criadas para garantir a qualidade dos cursos ministrados pelas instituições privadas por meio da metodologia presencial. Este mandato foi gradualmente expandido para incluir instituições públicas e outras metodologias de ensino.
 
Nível subregional
O Conselho Africano e Malgaxe para o Ensino Superior foi criado em 1968, com o objetivo principal de promover a harmonia entre os programas acadêmicos e políticas ligadas ao recrutamento e promoção de funcionários em seus países membros. Desde 2005, o conselho implementa a harmonização de programas por meio de uma reforma que busca o alinhamento da estrutura de diplomas dos países de língua francesa com a dos três programas anglófonos de diplomas de bacharelado, mestrado e doutorado. Entretanto, esta reforma enfrenta alguns desafios, principalmente em decorrência da falta de mecanismos nacionais de controle de qualidade.
 
O Conselho Inter-Universitário para o Leste da África tem a responsabilidade de garantir a existência de parâmetros comparáveis aos modelos internacionais nos cinco países membros da comunidade da África Oriental: Burundi, Quênia, Ruanda, Tanzânia e Uganda. Este mandato é implementado por meio do estabelecimento e uso de uma estrutura subregional de controle de qualidade. O manual deste conselho foi desenvolvido e usado para instruir treinadores de controle de qualidade e revisores que são agora instrumentais em reforçar a capacidade das unidades de controle de qualidade nas instituições participantes.
 
Nível continental
A Associação das Universidades Africanas implementou em 2010-2012 o Projeto Piloto Conexão Europa-África com a Qualidade em colaboração com a Associação das Universidades Europeias. O projeto ajudou a incrementar a capacidade de avaliação institucional em cinco universidades africanas.
 
A Associação de Universidades Africanas também hospeda a a Rede Africana de Controle de Qualidade, que implementa seu mandato principal de promover a colaboração entre as agências de controle de qualidade por meio da ampliação de sua capacidade e do Mecanismo Africano de Avaliação do Controle de Qualidade por Pares. Atualmente, a rede enfrenta desafios financeiros para implementar suas atividades.
 
A Comissão da União Africana implementa três iniciativas. A primeira delas, a Estratégia de Harmonização para o Ensino Superior na África, foi adotada em 2007 para garantir a compatibilidade das qualificações e, portanto, para facilitar a implementação da convenção "revisada" de Arusha - originalmente a Convenção Regional da Unesco para o Reconhecimento de Estudos, Certificados, Diplomas, Graus e outras Qualificações Acadêmicas do Ensino Superior nos Estados Africanos, adotada em 1981 em Arusha, Tanzânia. Um conferência de Ministros da Educação dos países africanos será realizada em março de 2014 para a adoção e assinatura da revisão da convenção de Arusha.
 
A revisão da convenção de Arusha teve início em 2002. Desde 2007, este processo (ainda não concluído) é coordenado conjuntamente pela Unesco e pela Comissão da União Africana. O progresso alcançado na estratégia de harmonização e na revisão da convenção de Arusha foi limitado. Isto pode ser explicado em parte pelo envolvimento superficial dos participantes envolvidos com o ensino superior e o controle de qualidade nessas iniciativas.
 
Alguns dos resultados esperados da estratégia de harmonização só serão alcançados em 2015, conforme a previsão do plano de trabalho aprovado pela Conferência dos Ministros da Educação em 2007. Estes incluem a criação de uma Estrutura Africana de Qualificações Regionais e o desenvolvimento de um Sistema Africano de Transferência e Acúmulo de Créditos, dois instrumentos chave para a implementação da convenção de Arusha.
 
A segunda iniciativa, o Projeto Piloto de Sintonia Africana, deve promover a implementação da estratégia de harmonização. Este projeto foi lançado em 2011 para contribuir com o desenvolvimento colaborativo da estrutura de qualificações em cinco áreas temáticas - com a participação de quase 60 universidades africanas, a Associação de Universidades Africanas, e outros parceiros do ensino superior. O projeto tem como foco os resultados do aprendizado, as habilidades e competências. Estão sendo feitos esforços para expandir o alcance desse projeto.
 
A terceira iniciativa, o Mecanismo Africano de Avaliação da Qualidade, incentiva as instituições do ensino superior a avaliarem seu desempenho voluntariamente em comparação a um conjunto de critérios já definidos. Trata-se de algo diferente dos sistemas de classificação. O mecanismo ajuda a colocar as universidades africanas em blocos de acordo com critérios pré-definidos. em 2009/2010, 32 instituições do ensino superior de 11 países participaram deste projeto piloto, realizado com base na auto-avaliação. Um relatório do projeto produzido pela Comissão da União Africana sublinhou algumas carências e indicou uma repetição da pesquisa e a implementação de outra fase piloto antes de expandir o mecanismo para todas as instituições do ensino superior.
 
Desafios e aspirações
Hoje, o controle de qualidade está no coração de todos os esforços no sentido da revitalização do ensino superior na África. Tais esforços levaram a um rápido aumento no número de agências de controle de qualidade. Entretanto, pelo menos 60 dessas agências carecem da capacidade humana necessária para implementar seus mandatos de maneira eficaz.
 
Desde 2006, a Unesco e suas parceiras organizaram cinco conferências internacionais que ajudaram a treinar mais de 700 especialistas em várias questões chave - como: Credenciamento nos níveis de Curso e Instituição; Controle de Qualidade no Ensino, Aprendizado e Pesquisa; Auditoria Institucional e Visitação; e Uso do ICT nas Práticas de Controle de Qualidade. A Unesco também desenvolveu um guia para o treinamento de instrutores de controle de qualidade. As conferências anuais desempenharam um papel positivo no aumento da capacidade humana, ampliando a conscientização dos principais envolvidos, o surgimento de várias agências e a promoção da cooperação regional no controle de qualidade.
 
Por todo o continente, a grande aspiração é construir um Espaço Africano de Ensino Superior e Pesquisa. Em 2010, para informar o processo de sua construção, o Grupo de Trabalho do Ensino Superior da Associação para o Desenvolvimento do Ensino na África solicitou vários estudos analíticos, entre eles um levantamento dos aspectos práticos da criação da Estrutura Africana de Controle de qualidade Regional. A União Africana lançou recentemente o processo de criação da Estrutura Africana de Credenciamento. Somadas ao projeto Sintonia Africana, tais iniciativas proporcionarão uma base sólida para o desenvolvimento da Estrutura Africana de Qualificações Regionais e do sistema de transferência de créditos.
 
Conclusão
Nos últimos dez anos, as iniciativas de controle de qualidade na África passaram por grandes avanços e progressos. Apesar desses feitos, ainda há desafios e questões difíceis que exigem mais atenção e pesquisa. O Processo de Bolonha foi criado em parte a partir da implementação da Convenção Europeia de reconhecimento mútuo das qualificações. Qual deve ser o papel desempenhado pela Convenção de Arusha no processo de criação do Espaço Africano de Ensino Superior e Pesquisa? Como a estratégia de harmonização do Espaço Africano de Ensino Superior e Pesquisa envolveria os envolvidos no ensino superior e no controle de qualidade para complementar a implementação da Convenção de Arusha? Por último, que lições os países africanos francófonos podem aprender com a experiência dos países anglófonos na criação de mecanismos viáveis de controle de qualidade nos níveis nacional e subregional?