09/12/2013

International Higher Education

Reformas de governança do ensino superior na África

Parece que as mesmas modificações que ajudaram a reduzir a dependência em relação aos governos nacionais aumentaram a dependência em relação às agências estrangeiras

N. V. Varghese
Varghese é diretor de Governança e Gestão em Ensino do International Institute for Educational Planning, Unesco, Paris. E-mail: nv.varghese@iiep.unesco.org
Campus da Universidade de Stellenbosch, África do Sul
Na África, durante as primeiras décadas de independência, o ensino superior era considerado um "bem público" digno de ser mantido com os recursos públicos, e a maioria dos países adotou um modelo de expansão universitária financiado pelo Estado e beneficiado por pesados subsídios. Com a crise fiscal dos anos 1980, o financiamento público diminuiu e as universidades caíram num estado de certo abandono, levando à deterioração de suas instalações físicas – um declínio no número de matrículas e nos padrões de ensino, além de um esgotamento das capacidades de pesquisa. Reformas para devolver a vida ao setor tornaram-se necessárias e inevitáveis.
 
A maioria das reformas redefiniu o papel do Estado no desenvolvimento do ensino superior e na governança e gestão das instituições. A governança institucional passou de um modelo de "controle estatal" para outro de "supervisão estatal", levando a uma autonomia institucional maior, por um lado, e ao uso de ferramentas de mercado para oferecer incentivos e mecanismos de prestação de contas para conduzir as instituições na direção de metas programáticas. Algumas dessas reformas ajudaram a expandir o sistema, revitalizar o setor e melhorar a governança institucional.
 
Com a autonomia institucional, espera-se das universidades que definam prioridades, desenvolvam estratégias, elaborem programas de estudos e cursos, diversifiquem as fontes de financiamento e decidam como distribuir internamente os recursos Estado e governança na África
Como no Ocidente, o ensino superior na África tinha como centro instituições financiadas e administradas pelo Estado. Assim, o controle estatal era o padrão de governança universitária mais comum que evoluiu na África. A atuação dos chefes de Estado como chanceleres das universidades se tornou comum em alguns países. Percebendo as limitações decorrentes da dependência em relação ao financiamento estatal, os países africanos apresentaram várias reformas para desenvolver alternativas de financiamento com o objetivo de expandir o sistema e reformas para dirigir e administrar as instituições com mais eficiência e eficácia.
 
Tais reformas no ensino superior reduziram o controle estatal sobre as instituições, tornando-as autônomas e mais próximas do mercado. A privatização generalizada das instituições públicas e a proliferação de instituições privadas nas últimas duas décadas são um reflexo dessa tendência. Como resultado, boa parte das matrículas adicionais na África ocorreram no segmento das instituições públicas que não recebem recursos do governo ou nas instituições privadas.
 
Muitos países criaram entidades intermediárias para apoiar e implementar as políticas públicas para distribuir recursos, monitorar o desempenho e cobrar responsabilidade. Os Conselhos Nacionais de Ensino Superior ou seus equivalentes foram criados na maioria dos países africanos de língua inglesa. Entre os países de língua francesa, a prática mais comum foi criar separadamente ministérios do ensino superior. Tal tendência está mudando e os conselhos do ensino superior são agora criados em alguns países francófonos. Entretanto, parece que desempenham em geral um papel consultivo e, talvez, um papel menos substantivo na formulação de políticas e na sua implementação, diferentemente do que ocorre com seus equivalentes nos países anglófonos.
 
As entidades governantes dos países africanos francófonos são frequentemente compostas por membros internos, enquanto as dos países anglófonos têm um maior número de membros externos, às vezes incluindo especialistas internacionais Autonomia institucional e nova governança
A autonomia institucional é vista como uma posição de mediação entre o controle do Estado e as operações de mercado. A autonomia ajudou as universidades a manter a imagem de instituições públicas, ao mesmo tempo garantindo a observação de princípios de mercado nas operações. Com a autonomia, espera-se das instituições que definam prioridades, desenvolvam estratégias, elaborem programas de estudos e cursos, escolham líderes institucionais, recrutem funcionários, diversifiquem as fontes de financiamento, decidam como distribuir internamente os recursos e façam a distribuição de acordo com o planejado.
 
A concessão de autonomia foi acompanhada por novas estruturas de governança e medidas de cobrança de responsabilidade no nível institucional. Entidades governantes foram constituídas para supervisionar o funcionamento geral de uma instituição. Eles tomam as decisões ligadas às políticas, incluindo as que envolvem o recrutamento de funcionários, a nomeação dos diretores das instituições, e as finanças. As entidades governantes dos países francófonos são frequentemente compostas por membros internos, enquanto as dos países anglófonos têm um maior número de membros externos, às vezes incluindo especialistas internacionais. Em países como o Quênia, há conselhos administrativos distintos no nível institucional e no nível do ensino.
 
Os novos conjuntos de medidas de cobrança de responsabilidade incluíam planos estratégicos, gestão com base em resultados, contratos de desempenho, indicadores de desempenho, relatórios de monitoramento e avaliação, auditorias institucionais e mecanismos internos e externos de controle de qualidade. As agências nacionais de credenciamento tornaram-se comuns em muitos países e unidades internas de controle de qualidade estão sendo estabelecidas em várias instituições.
 
Em países como o Quênia, há conselhos administrativos distintos no nível institucional e no nível do ensino Reformas na governança e seus efeitos
Sem dúvida, as reformas ajudaram as universidades a projetarem suas próprias estratégias de sobrevivência num momento em que se encontravam num estado desesperador. As medidas de privatização – atividades de recuperação de custos e geração de renda – auxiliaram muitas universidades africanas a sobreviver nos anos 1990 e a prosperar nos anos 2000. As reformas ajudaram a Universidade Makere a se salvar "da beira do precipício" e, posteriormente, a melhorar as condições de trabalho, aumentar matrículas, incrementar salário dos funcionários, deter a fuga de quadros institucionais, reforçar a relevância de mercado dos cursos e reduzir a dependência em relação aos recursos estatais.
 
Estudos conduzidos pelo Instituto Internacional para o Planejamento Educacional mostram que as reformas na governança do ensino superior na África ajudaram as instituições a reduzir sua dependência em relação ao governo e a concentrar sua atenção em atender aos requisitos locais e de mercado. As reformas também ajudaram a diversificar a base de recursos e a descentralizar a alocação interna de recursos. Em países como Etiópia, a transferência de recursos por item individual e com base no orçamento deu lugar a concessões de recursos em bloco; espera-se das universidades de Gana que gerem 30% da sua receita orçamentária; a Nigéria introduziu o financiamento competitivo à pesquisa. O monitoramento do desempenho melhorou a produtividade de pesquisa na África do Sul e melhorou a eficiência operacional em Gana, enquanto os contratos de desempenho melhoraram a cobrança de comportamento responsável no Quênia.
 
Os processos de mercado favorecem aqueles que têm a capacidade de pagar e parecem menos favoráveis às preocupações com a igualdade As reformas tornaram as instituições públicas mais orientadas pelo mercado na sua abordagem e mais voltadas para a busca de resultados em suas operações. Parece que as reformas contribuíram para ampliar as desigualdades no acesso ao ensino superior e, subsequentemente, ao mercado de trabalho. Os processos de mercado favorecem aqueles que têm a capacidade de pagar e parecem menos favoráveis às preocupações com a igualdade. Como as pressões institucionais pela expansão emanam mais das considerações financeiras do que daquelas ligadas ao ensino, a orientação do mercado parece ter promovido o empreendedorismo nas universidades e o capitalismo acadêmico no ensino superior.
 
Muitas das reformas são apoiadas pelos parceiros de desenvolvimento. Parece que as mesmas reformas que ajudaram a reduzir a dependência em relação aos governos nacionais aumentaram a dependência em relação às agências estrangeiras. As implicações das mudanças nas relações entre o governo, as instituições e as agências externas precisam de um exame mais detalhado, especialmente no contexto da globalização.
 
Como as pressões institucionais pela expansão, a orientação do mercado parece ter promovido o empreendedorismo nas universidades e o capitalismo acadêmico no ensino superior Conclusão
As reformas iniciadas nos anos 1990 ajudaram as instituições africanas de ensino superior a sobreviver, expandindo os sistemas e proporcionando à região as mais altas taxas de crescimento global no ensino superior desde a década de 2000. Sem dúvida, a orientação de mercado das reformas desestabilizou as formas tradicionais de se organizar as atividades universitárias e as instituições governantes. Após um momento inicial de inércia, as instituições da África tornaram-se parte do processo de mudança.
 
As reformas que tiveram como centro a autonomia e a orientação de mercado levantaram questões ligadas à liderança. No nível institucional, a liderança tem o desafio de encontrar um equilíbrio adequado entre expansão e melhoria na qualidade, entre prioridades acadêmicas e considerações financeiras, entre eficiência e preocupações com a igualdade, entre outras. A transferência de poder e autoridade para as instituições não é sempre necessariamente acompanhada por medidas para reforçar as capacidades de liderança – para tornar a governança eficiente e as instituições mais eficazes.
 
A expansão acelerada do sistema, a proliferação dos provedores de serviço e a diversificação dos programas de estudo representam desafios para o governo e a gestão do sistema. A entrada de provedores estrangeiros e o fluxo de professores, estudantes e programas de estudo dentro e fora da região necessitam de uma atenção voltada para a harmonização, o investimento na qualidade e o estabelecimento de padrões internacionais. Tais desafios podem não ser enfrentados a contento pelas forças de mercado, já que exigem políticas mais voltadas para perspectivas de longo prazo em vez de considerações financeiras de curto prazo. Portanto, não se trata de uma necessidade de se afastar do Estado, e sim de demandar do Estado um envolvimento mais ativo no desenvolvimento de uma perspectiva futura, uma estrutura de funcionamento, e a regulação do sistema, em vez do financiamento, do controle e da administração das instituições.
 
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