06/11/2012

International Higher Education

Reestruturação do cenário irlandês do ensino superior

Ellen Hazelkorn
Ellen Hazelkorn é vice-presidente de pesquisa e empreendimentos e diretora da Faculdade de Pós-Graduação em Pesquisa. É também diretora da Unidade de Pesquisa em Políticas para o Ensino Superior do Instituto de Tecnologia de Dublin, Irlanda. E-mail: Ellen.hazelkorn@dit.ie
Nos últimos 40 anos, a Irlanda passou por transformações notáveis no seu destino. Sua emergência de uma economia pré-industrial protecionista para um modelo pós-industrial de alta tecnologia ocorreu na esteira de sua inclusão na União Europeia e da aceleração da internacionalização e da desregulamentação dos mercados financeiros e de investimento. Estrategicamente situada entre os Estados Unidos e a Europa, a Irlanda se tornou uma das principais receptoras de investimento estrangeiro direto. Já em 2000 o país tinha se tornado o segundo maior exportador mundial de software, perdendo apenas para os EUA e converteu-se no lar das 10 melhores empresas farmacêuticas do planeta. Os anos de prosperidade do "Tigre Celta" fizeram do país o exemplo favorito do sucesso da globalização. Após a crise financeira global de 2008, a Irlanda se tornou o símbolo do colapso econômico antes de ser resgatada pela "tríade" formada pelo Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu. Hoje, o país é descrito como um grande experimento ou como um caso de sucesso das medidas de austeridade.
 
A expansão do ensino superior irlandês reflete a dinâmica de mudanças. Até a crise, o sistema tinha crescido com o mínimo de orientação política e coordenação. A exceção era a rígida defesa do modelo binário europeu feita pelo governo, com universidades voltadas para o ensino clássico e institutos de tecnologia oferecendo o ensino de foco vocacional, com uma forte ênfase na região e nos empreendimentos de pequenas e médias proporções. Há um pequeno número de outras instituições, faculdades de fins lucrativos e um setor de "ensino posterior" desprovido de coordenação e reconhecimento. Hoje, cerca de 40 instituições atendem a uma população estudantil que soma ao todo 190 mil pessoas – estima-se que o número aumente para 250 mil em 2020.
 
Até recentemente, o foco principal tinha sido a facilitação do acesso. A introdução do ensino secundário gratuito em 1967 impulsionou a primeira onda de transformação. O ensino superior permaneceu consideravelmente separado das demais considerações políticas até a década de 90, quando o rápido crescimento econômico levou à escassez de mão de obra e a competitividade internacional obrigou o país a adotar novas direções. A abolição das taxas de ensino aprovada em 1995 para todos os estudantes de graduação desempenhou outro papel crucial. Hoje, todos os documentos da política e das estratégias nacionais de ensino associam o ensino superior com a economia do conhecimento e a competitividade global. Embora o governo mantenha seu compromisso com a meta de participação de 72%, a qualidade e a excelência são as principais forças por trás do avanço.
 
Novo cenário
A Estratégia Nacional para o Ensino Superior Irlandês até 2030 (lançada em 2011) fez recomendações para o aprendizado durante toda a vida, a igualdade entre os modos de estudo em período integral e meio período e a internacionalização, entre outras. Numa decisão controvertida, a Autoridade para o Ensino Superior recebeu um papel mais forte no estímulo à mudança e à modernização. Todas as instituições passariam a ser submetidas a um maior grau de supervisão, por meio de um processo estratégico de diálogo e de contratos institucionais, enquanto os objetivos gêmeos da racionalização e da diversidade institucional criariam um pequeno número de novas Universidades Tecnológicas por meio da fusão das maiores instituições de tecnologia.
 
Essa lacuna está sendo abordada no presente momento. Em Rumo a um Futuro Cenário para o Ensino Superior (2012) são estabelecidos princípios de orientação e objetivos para um "sistema coordenado de ensino superior", com ênfase na distinção entre as missões. Dadas as pressões financeiras e competitivas, não se espera que nenhuma instituição consiga cobrir sozinha todas as disciplinas e campos de pesquisa. A diferenciação do futuro sistema terá como base o nível de qualificação, a especialização em disciplinas, a orientação dos cursos, o envolvimento regional, o perfil dos estudante, o modo de provisão e a intensidade e grau de especialização das pesquisas. Colaborações, alianças e fusões são ativamente incentivadas para reduzir a duplicação e garantir mais eficiência, uma melhor relação custo-benefício e o aprimoramento da qualidade.
 
Até 31 de julho de 2012, cada nova instituição de ensino deveria informar como pretende se encaixar no novo cenário, definindo o papel que pretende desempenhar e anunciando seus planos de se fundir ou não com outra instituição. As instituições de tecnologia que desejem ser designadas como Universidades de Tecnologia precisam manifestar suas intenções. Todas as propostas serão avaliadas por um painel internacional – atento a como os planos estratégicos individuais se encaixam para oferecer uma gama de missões programáticas e de pesquisa – atendendo a necessidades econômicas e sociais, a tendências demográficas e a considerações financeiras. Até o fim de 2012, a Autoridade para o Ensino Superior deve recomendar um "modelo de estrutura" para o ensino superior irlandês, indicando números, tipos e locais para as instituições consideradas necessárias nos próximos 10 ou 20 anos.
 
Sustentabilidade
O ensino superior irlandês é um sistema mantido pelo financiamento público e, como ocorre por toda parte, passa agora por um momento de desgaste. O número de estudantes aumentou acentuadamente por causa de fatores demográficos e da perda de oportunidades alternativas de emprego; mas o financiamento estatal por estudante diminuiu quase 20% desde 2007, chegando a 8 mil euros. Cada estudante de graduação paga uma "contribuição" que chega agora a 2 mil euros por ano, um aumento em relação aos 900 euros pagos em 2008, destinada a aumentar para 3 mil euros já em 2015. Existe um sistema de bolsas para estudantes, mas não um programa de empréstimos. Todos os estudantes de pós-graduação pagam uma taxa de ensino.
 
A sustentabilidade é o principal desafio. Obteve-se apenas um sucesso modesto na busca por formas alternativas de financiamento oferecido por fontes filantrópicas e comerciais. Levando-se em consideração os prováveis declínios adicionais no financiamento público, ele será inadequado para atender à demanda esperada pela garantia de qualidade. O governo atual – responsável pela abolição das taxas de ensino nos anos 90 – fez campanha contra a sua redução em 2011. Há várias opções sendo consideradas, incluindo a cobrança de uma contribuição mais elevadas das famílias que tenham a possibilidade de arcar com tal custo, taxas proporcionais para diferentes programas, a permissão para que as instituições cobrem uma taxa definida com base no mercado, a restrição ao número de estudantes de acordo com parâmetros nacionais ou relativos a cada instituição, e a expansão do papel desempenhado por mantenedores privados.
 
Prioridade à pesquisa
Antes de 2000, a Irlanda não tinha uma política nacional de pesquisa, nem estratégia de investimento e menos ainda uma reputação internacional no ramo da pesquisa científica. Apesar dos significativos investimentos feitos desde então, o país ainda assim gastou apenas 1,2% do PIB no ensino superior, muito abaixo da média de muitos outros países. Independentemente disso, já em 2009 a Irlanda se encontrava no oitavo lugar em termos do impacto de suas publicações de pesquisa dentro de um grupo de 20 países comparáveis. Quando veio a crise, o financiamento de pesquisa foi reduzido em quase 30% entre 2009 e 2010.
 
Desde então, o governo buscou preservar o financiamento à pesquisa e ao desenvolvimento.
 
O Departamento de Empreendedorismo, Empregos e Inovação realizou um "Exercício de Prioridade à Pesquisa", entre 2010 e 2011, com a tarefa de definir uma estrutura estratégica para as atividades de pesquisa e seu financiamento. Enquanto a Fundação Científica Irlandesa tinha se voltado para a tecnologia da informação e da comunicação, biotecnologia e energia, outras agências incentivaram uma abordagem orientada de baixo para cima. Essencialmente, o Exercício de Prioridade à Pesquisa marca o fim do laissez-faire e constrói uma ampla base de expertise em favor do forte patrocínio de uma "abordagem mais orientada de cima para baixo com vista ao cumprimento de metas", dando ênfase à pesquisa e ligada diretamente às necessidades econômicas e sociais.
Depois de um processo extenso, 14 áreas prioritárias e 6 plataformas de ciência e tecnologia foram escolhidas. Cada campo foi revisado de acordo com 4 critérios de alto nível: associação com grandes mercados globais nos quais os empreendimentos sediados na Irlanda concorrem de maneira realista ou podem vir a fazê-lo; o investimento público em pesquisa e desenvolvimento é necessário e pode complementar a pesquisa do setor privado; objetivamente, a Irlanda pode medir forças; e o campo de pesquisa representa um desafio nacional ou global ao qual a Irlanda deve responder. As artes, ciências humanas e ciências sociais receberam pouco reconhecimento – exceto enquanto "minoria" do tipo "pesquisa pelo conhecimento" ou "pesquisa por políticas".
 
A relevância da pesquisa é reforçada por meio de um processo de avaliação em dois estágios. Cada proposta será investigada de acordo com sua adequação em relação às áreas prioritárias, com a clareza de seus resultados e, nos casos apropriados, com o envolvimento do usuário final. Se forem bem-sucedidas, as propostas serão avaliadas por sua excelência e originalidade por meio de sua submissão aos pares. Isso deverá corresponder a 80% do financiamento público competitivo, para garantir a consistência entre as agências e programas.
 
Implicações
Embora não sejam únicos, os desenvolvimentos na Irlanda representam um avanço significativo no sentido de um maior controle do governo tanto no ensino superior quanto no sistema de pesquisa. A ênfase no desempenho do sistema como um todo é admirável num mundo obcecado com universidades de nível mundial, mas pode reduzir as ambições virtuosas e a autonomia institucional. Levando-se em consideração as limitações da capacidade do Estado de financiar o ensino superior de massas numa era de competitividade global cada vez mais acelerada, o setor de fins lucrativos pode trazer certo alívio, mas, com isso, alterar o caráter do sistema. A ênfase na relevância da pesquisa com foco na criação de empregos no curto prazo e na inovação traz implicações para as estruturas institucionais e de pesquisa, programas de ensino e carreiras acadêmicas. Representa uma mudança significativa do ensino superior enquanto desenvolvimento do capital humano subjacente a uma sociedade para se tornar um braço da política industrial. Alguns desses desenvolvimentos vão incentivar positivamente a especialização de qualidade em vez da mera abrangência, mas podem igualmente afetar a amplitude e o equilíbrio na provisão de disciplinas e no caráter atrativo da Irlanda para o talento e o investimento internacional. Mais uma vez, a Irlanda oferece um interessante estudo de caso.