28/08/2012

International Higher Education

Quirguistão tem planos para um novo sistema de diplomas - mas será que a estratégia está pronta?

Martha C. Merrill e Chynara Ryskulova
Merrill leciona no programa administrativo de ensino superior da Kent State University. E-mail: mmerrill@kent.edu. Ryskulova, que trabalhou na Universidade Americana da Ásia Central durante 14 anos, é atualmente bolsista Fullbright na Kent. E-mail: chynara.ryskulova@gmail.com
No dia 23 de agosto de 2011, o governo da República do Quirguistão emitiu um decreto (postavleniya) envolvendo todas as instituições de ensino superior do país – com exceção dos programas de Medicina, Artes e Música, bem como alguns de Engenharia. Exigiu-se das instituições que adotassem um sistema duplo para o ensino superior – um diploma de bacharelado, obtido em quatro anos, e um diploma de mestrado, obtido em dois anos – e o uso das horas-aula até o ano acadêmico de 2012/13. Apesar de o plano ser bem intencionado, será impossível implementá-lo de maneira eficaz dentro do cronograma estipulado.
 
Contexto
O Quirguistão é um país pequeno, belo e extremamente pobre da Ásia Central. Seu PIB per capita de US$ 2.200 o coloca na 187ª posição entre 228 países. Além disso, de acordo com relatório recente do Banco Mundial, 21% desse PIB provém de remessas enviadas por trabalhadores no exterior, especialmente no Cazaquistão e na Rússia.
 
Os países com os quais o Quirguistão mantém elos étnicos ou econômicos – incluindo o Cazaquistão, a Rússia e a Turquia – estão no Processo de Bolonha. Como o Quirguistão depende da mobilidade dos trabalhadores, a adoção das políticas estudantis encontradas nesses países tem sido a pauta do Quirguistão desde sua independência, em 1991, levando a uma considerável diversidade institucional. Embora a maioria das 52 instituições de ensino superior do país use o modelo de horas-contato (a duração efetiva em horas de um determinado curso), algumas usam o das horas-aula, enquanto outras usam ambos. Títulos como o primeiro diploma (Diplom), o de candidato em ciências (kandidat nauk), e o de doutor em ciências (doktor nauk) são concedidos. Também estão disponíveis os diplomas de bacharelado e mestrado, com duração variada – às vezes dentro de uma mesma instituição. Os currículos empregados em todo o país são preparados pelos Sindicatos Educacionais e Metodológicos, grupos de especialistas nomeados pelo Ministério da Educação. O ministério concede todos os diplomas e controla o licenciamento e a verificação das instituições públicas e privadas.
 
Exigências do novo decreto
O decreto de agosto calcula as horas-aula de acordo com o Sistema Europeu de Transferência de Créditos Acadêmicos – 30 créditos por semestre. O diploma de bacharelado, obtido em 4 anos, exige 240 créditos e o mestrado, concluído em dois anos, 120. Cada crédito é definido como 36 horas acadêmicas, incluindo horas-contato em sala de aula, trabalhos independentes e exames. O decreto afirma também que os estudantes não devem trabalhar mais do que 54 horas por semana, e que 50% do tempo dos alunos deve ser composto por horas-contato. O currículo do bacharelado terá cinco componentes: cursos de humanidades, economia e ciências sociais; matemática e ciências naturais; cursos profissionais (especialização); educação física; e um trabalho de internato e pesquisa. Cada um dos três primeiros componentes precisa ter cursos obrigatórios e eletivos. A parte obrigatória não deve ser inferior a 70% para o diploma de bacharelado nem inferior a 40% para o mestrado. Os currículos continuarão a ser definidos pela autoridade central, que cabe a conselhos de método de instrução (UMOs), e não estão previstas mudanças nos processos de licenciamento e confirmação.
 
Todos os requerimentos relacionados acima também estão presentes nos Padrões para o Ensino Estatal da Federação Russa de 2010. A ideia de 54 horas por semana como limite máximo permitido é uma herança do código trabalhista soviético.
 
Problemas previstos
A rápida mudança nos diplomas de bacharelado e mestrado e o sistema de horas-aula devem criar muitos problemas.
 
Com relação à remuneração, a inclusão de um profissional na categoria daqueles que têm empregos de período integral e, portanto, direito aos benefícios trabalhistas é determinada pelo número de horas que passa na sala de aula. Não foi criado nenhum sistema alternativo para comprovar quem se enquadra na categoria de funcionário em período integral, nem um novo sistema para calcular os salários e a carga de trabalho. A maioria dos professores não compreende que o sistema de horas-aula exige um número bem maior de horas de preparação e avaliação fora da sala de aula do que o sistema atual; igualam o tempo em sala de aula à carga de trabalho. De fato, algumas das universidades que afirmam ter adotado as horas-aula acrescentaram uma categoria para o “trabalho independente com membros do corpo docente” para os períodos nos quais o corpo docente supervisiona estudantes, igualando assim o número de horas-contato para os professores e evitando a questão salarial.
 
Outro grupo que não compreende as horas-aula é o dos pais. Os adultos que foram educados na era soviética costumam avaliar a qualidade do ensino pelo tempo passado com o professor, e se preocupam com a conclusão do programa de cinco anos do primeiro diploma (diplom). Os programas mais curtos eram oficialmente designados como “ensino superior incompleto”.
 
Os próprios acadêmicos sabem pouco a respeito dos requisitos do novo sistema. Muitos professores acreditam que os estudantes que pagam mensalidades pelo ensino – um conceito novo da era pós-soviética – estão comprando o estudo e, portanto, não podem ser dispensados enquanto estiverem pagando. Infelizmente, é fácil saltar da ideia segundo a qual uma pessoa “compra” o ensino no capitalismo para o conceito de se comprar também as notas e os diplomas. Muitos acreditam também que, num sistema de horas-aula, os professores não têm permissão para reprovar os alunos. Essa afirmação estava num documento em russo, “explicando” o Processo de Bolonha, publicado no Cazaquistão e amplamente distribuído no Quirguistão.
 
Do ponto de vista acadêmico, nem os estudantes nem os membros do corpo docente estão preparados para aprender e lecionar num sistema que exige trabalho independente, e não há recursos disponíveis em termos de bibliotecas e computadores. O ministério da educação não tem planos para o desenvolvimento do corpo docente; quando indagados, os funcionários do ministério disseram aos autores que isso vai ocorrer sem dúvida nenhuma. Da mesma maneira, poucos administradores conhecem os procedimentos necessários para os novos cursos eletivos que agora integram os currículos: como projetá-los, aprová-los, divulgá-los e programá-los no tempo.
 
A avaliação da qualidade também ficou sem solução; os critérios empregados atualmente, como metros quadrados por estudante, têm como base o sistema de horas-contato. Cada um dos novos programas de bacharelado e mestrado vai precisar de licenciamento antes de começar a funcionar, mas os funcionários do ministério nos disseram que nenhum plano foi traçado para aumentar o número de profissionais trabalhando nessa área. Quando cada programa tiver seu primeiro grupo de formados, a confirmação do Estado será exigida, com relatos institucionais e equipes de visitadores nomeadas pelo ministério da educação, ao qual se reportam.
 
O Quirguistão não conta com uma agência independente de credenciamento, embora os educadores participem da Central Asian Network for Quality Assurance, financiada pelo Trans-European Mobility Scheme for University Studies (Tempus), que realiza conferências e publica estudos. A organização não governamental Education Network Association (EdNet) anunciou que está pronta para ser uma agência independente de credenciamento, mas ainda não credenciou nenhuma instituição.
 
O financiamento é um grande problema. Neste país, para poupar dinheiro, quem vai financiar o trabalho dos conselhos de métodos de instrução que criarão os novos currículos, das comissões que licenciarão todos os novos programas, a compra do material para as bibliotecas, o tempo do corpo docente usado para a criação dos programas de curso e a impressão de novos guias de estudo?
 
Conclusão
Por mais que os educadores e políticos do Quirguistão queiram sincronizar o sistema de ensino superior do país com “o espaço mundial de ensino”, a falta de planejamento, de treinamento para os administradores e membros do corpo docente, de processos de avaliação e de financiamento significa que é grande a probabilidade de as reformas se revelarem impossíveis de implementar com sucesso.