03/08/2015

International Higher Education | 81

Quanto custa um professor titular? — o desafio de atrair o melhor talento

Marcelo Knobel
Professor titular no Instituto de Física "Gleb Wataghin" (IFGW) da Universidade de Campinas (Unicamp), Campinas São Paulo, Brasil. E-mail: knobel@ifi.unicamp.br
Em um livro recente, Philip G. Altbach e colegas apresentam uma comparação criteriosa da remuneração de membros docentes em diferentes países (Altbach et al., eds., Paying the Professoriate: A Global Comparison of Compensation and Contracts, / Remuneração de Docentes: uma Comparação Global de salários e Contratos, Routledge, 2012). Independentemente da pesquisa em questão, uma das principais conclusões do relatório foi que este tipo de informação é incrivelmente difícil de ser encontrada e sua análise mais complexa ainda dada a diferentes descontos e benefícios, concedidos por cada país, além do fato de trajetórias individuais de carreiras serem refletidas em salários diferenciados. Muitos países têm lutado no sentido de desenvolver um sistema de ensino superior sólido, e a atração de jovens talentos e motivados é fundamental para o desenvolvimento futuro de uma cultura de excelência — para apoiar a educação das futuras gerações. Contudo, no Brasil e em muitos países da América Latina há uma forte tendência contra a remuneração baseada em mérito acadêmico, particularmente nas universidades de públicas de pesquisa intensiva. Neste artigo darei um exemplo de uma política pública do Estado de São Paulo que certamente afetará a atração de jovens talentos para suas universidades, colocando em risco o esforço da construção de um sistema de ensino superior de alta qualidade já em evolução há mais de 60 anos.
 
Em principio, dados sobre salários e remunerações deveriam ser de fácil rastreamento no Brasil, onde um código de “igualdade” tem regido os salários no sistema de ensino superior.   Apesar da produtividade, impacto e sucesso na atração de recursos financeiros adicionais, a politica dita que membros docentes no mesmo nível de suas carreiras devem receber o mesmo estipêndio mensal. Na prática, a situação é bem mais complexa, não apenas pelos aumentos de salários por tempo de instituição, mas também quando a remuneração por atribuições administrativas é adicionada. Além disso, alguns membros docentes recebem renda adicional de bolsas, ou trabalho de consultoria. Para tornar as coisas mais complicadas, os salários variam pelo tipo de instituição — privada para fins lucrativos, instituições federais públicas privadas sem fins lucrativos, pública estadual, ou pública municipal.  
 
Limitações no topo
Um debate recente no Brasil levantou questões interessantes relacionadas aos salários de docentes de nível sênior nas universidades públicas no estado de São Paulo (Universidade de São Paulo–USP, Universidade de Campinas–Unicamp, e Universidade do Estado de São Paulo–Unesp), instituições consideradas entre as melhores da América Latina, conforme evidenciado em diferentes rankings. Desde 2003, em cumprimento à legislação federal, o Estado de São vinculou os salários do setor público à remuneração de seu governador, cuja compensação representa o salário máximo pago a um servidor público — o tão chamado “teto salarial.” Não é de surpreender que este teto possa ser ajustado em baixa por conveniência política, particularmente para prevenir gastos por parte do estado. De igual modo abre uma porta para políticas orientadas pelo populismo, embora na realidade o governador não dependa de um salário mensal, pois ele ou ela recebe benefícios financeiros (tais como, moradia, motorista, refeições, etc.).
No estado de São de Paulo, o salário do governador é atualmente de R$20,662 (aproximadamente US$8,000) com uma dedução de 38 por cento de impostos.  Assim, o salário liquido máximo no estado de São Paulo é de cerca de US$5,000 por mês, o que leva a um estipêndio líquido de cerca de US$67,000 (com base em 12 meses mais um mês adicional de bônus). Isso estabelece o salário máximo permitido para professores titulares e funcionários administrativos em nível sênior nas instituições do estado de São Paulo, independentemente dos anos de serviços prestados, mérito, prestígio, responsabilidades administrativas, ou qualquer outro fator.  
 
Embora a lei atual que estabelece o “teto” date de 2003, a Suprema corte do país decidiu recentemente que a legislação deverá ser aplicada, mesmo nos casos quando os salários estiverem à cima do valor máximo permitido antes de 2003. Em curto prazo, espera-se que grande número de docentes e pessoal administrativo com condições necessárias para aposentadoria dê início ao processo quando seus salários forem reduzidos.  Pior ainda, será difícil encontrar docentes de nível sênior dispostos a ocupar funções administrativas, tais como chefes de departamento, coordenadores de graduação, etc., sem a possibilidade de remuneração adicional.
 
O desafio de Atrair e Reter Talento obviamente, reclamações sobre limitações dos salários de docentes podem ser considerados como “politicamente incorretos” em um país onde o salário mínimo é de R$724 (US$280), e o salário médio está abaixo de R$2,100 (US$800). Um salário bruto de mais de R$20,000 é considerado o quintil mais alto.  Em um país de enormes desigualdades sociais fica claro que ser parte do corpo docente de uma universidade pública imediatamente posiciona o individuo no topo da pirâmide socioeconômica.
 
Contudo, de uma perspectiva diferente, esforços têm sido feitos durantes as últimas seis décadas pelo estado de São Paulo e a nação no sentido de desenvolver pelo menos algumas universidades de classe mundial. Essas universidades de pesquisa são essenciais para o desenvolvimento socioeconômico do país e paradoxalmente fundamentais para reduzir as fortes desigualdades na sociedade brasileira.
 
A “estrutura salarial equitativa” imposta sobre as universidades impede a possibilidade de atrair os melhores jovens talentos necessários para apoiar o desenvolvimento deste sistema universitário ainda jovem. Por certo, membros docentes jovens e brilhantes são fundamentais para a futura qualidade da pesquisa, ensino e serviços e para manter o ritmo com o mundo globalizado. Como as universidades estaduais do estado de São Paulo poderão manter o sucesso, a força, o impulso e o fôlego se não forem capazes de atrair e manter os melhores talentos?
 
Quanto vale um membro docente de nível sênior? O que faz um jovem talento escolher uma carreira acadêmica? No Brasil, assim como em outros países, a aparente liberdade de prosseguir em uma carreira no ensino superior de escolha pessoal é geralmente parte da resposta. Contudo, pelo menos no Brasil, isso veio com outros benefícios, incluindo aposentadoria com salário integral (não mais oferecido) e estabilidade no trabalho. Embora a estabilidade permaneça, os salários no topo da ascensão profissional não são mais competitivos com empresas no setor privado (comércio, serviços, etc.). Além disso, se compararmos o salário máximo atingido após muitos anos de dedicação a uma universidade com seus equivalentes internacionais, as diferenças são demasiadamente grandes. Em um mercado global competitivo, isso tem uma importância tremenda.
 
Política nacional e excelência acadêmica
As universidades são, em principio, um espaço privilegiado, onde a meritocracia deveria representar um papel importante. Na maior parte do sistema do ensino superior brasileiro, um membro do corpo docente pode ser muito bem remunerado sem necessariamente demonstrar um bom desempenho. Este fato drena a motivação de docentes mais produtivos. Além disso, a existência de um salário máximo pré-definido representa uma desvantagem para o caminho já difícil de ter instituições de classe mundial. As universidades do estado de São Paulo precisarão encontrar soluções criativas para vencer uma deficiência tão significativa.
 
Limitar os salários no topo da ascensão professional, por razões políticas para que sejam comparados negativamente com alternativas no mercado de trabalho nacional e global, certamente prejudicará um sistema universitário nascente, construído com esforço conjunto durante anos recentes. Infelizmente, esta questão é demonstrada por outros países em desenvolvimento que lutam para estabelecer um bom sistema de ensino superior. No caso de muitos países na América Latina, as universidades públicas são os principais atores no desenvolvimento da pesquisa e inovação. Estas universidades são fortemente regulamentadas por políticas nacionais que prejudicam a diferenciação acadêmica apoiada pela compensação financeira racional — tornando difícil a atração de jovens talentos para vida acadêmica, bem como membros docentes com perfis específicos. Embora deva ficar claro, cabe destacar que os professores são o centro da academia, e seus envolvimentos, retenção, e motivação são elementos chaves para a sobrevivência das universidades.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
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