10/10/2013

International Higher Education

Proposta do dragão: cooperação sino-africana no ensino

Milton O. Obamba
Obamba é pesquisador associado da Rede Africana para a Internacionalização do Ensino, Eldoret, Quênia. E-mail: Mo.O.Obamba@leedsmet.ac.uk
China e África têm uma longa tradição de cooperação bilateral. O estabelecimento do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) em 2000 revolucionou dramaticamente a cooperação sino-africana. Trata-se de uma agência intergovernamental criada em conjunto pela China e países africanos para oferecer um plano de fortalecimento da cooperação bilateral entre a China e 50 países africanos participantes. O surgimento do FOCAC pode ser interpretado mais precisamente como parte de uma crescente institucionalização e intensificação das relações sino-africanas numa época de aprofundamento das relações multilaterais, embora as críticas também tenham se intensificado simultaneamente. Desde o estabelecimento do FOCAC, o volume comercial apresentou um aumento significativo de US$ 10 bilhões em 2000 para US$ 160 bilhões em 2012. De maneira semelhante, os níveis da assistência oficial chinesa ao desenvolvimento na África também apresentaram um aumento significativo, crescendo rapidamente de US$ 5 bilhões em 2006 para US$ 20 bilhões em 2012. Em resumo, a cooperação da China com a África se aprofunda cada vez mais e abrange uma ampla gama de esferas estratégicas, econômicas e sociopolíticas. Para se concentrar no desenvolvimento, caráter e abrangência da cooperação sino-africana na área do ensino, este artigo toma como base uma análise de documentos de políticas públicas produzidos pelo governo chinês e pelo FOCAC. A meta é contribuir para uma caracterização mais sistemática da cooperação bilateral entre China e África no setor do ensino.
 
Capacidade humana e mobilidade acadêmica
A forma mais antiga de cooperação entre China e África no ensino consistiu em padrões difusos de intercâmbios em pequena escala envolvendo a saída de estudantes africanos rumo à China e a vinda de professores chineses à África durante as décadas de 1950 e 1960. Este padrão proporcionou um pequeno número de bolsas de estudos oferecidas pelo governo chinês a estudantes africanos. Nos anos 1970, programas de treinamento de curto prazo na China foram estabelecidos para profissionais africanos de diferentes áreas. O Primeiro Plano de Ação do FOCAC (2000) reafirmou o compromisso da China com o aumento do número de bolsas de estudos do governo e dos professores chineses enviados à África. Outra parte significativa do plano estabeleceu o Fundo Africano para o Desenvolvimento de Recursos Humanos, para oferecer um mecanismo mais coordenado para o treinamento de profissionais africanos. No decorrer da última década, o volume de bolsas de estudos chinesas e oportunidades de capacitação profissional continuou a aumentar. As bolsas de estudos, por exemplo, aumentaram de 2.000 em 2003 para 6.000 por ano em 2012. Este aumento recente nas iniciativas chinesas na África levou a preocupações com a transparência dos critérios aplicados às oportunidades de treinamento nos 50 países africanos. Levando-se em consideração o tamanho e a diversidade do continente africano, a abordagem da China oferecendo uma cooperação não-dirigida abrangendo todo o continente despertou críticas em relação às prioridades chinesas e ao desenvolvimento efetivo de uma cooperação nessa escala.
 
Capacitação
Dentro e fora dos moldes do FOCAC, o apoio ao desenvolvimento da infraestrutura continuou sendo uma pauta significativa dentro do envolvimento da China com a África por muitas décadas. A terceira reunião de cúpula do FOCAC apresentou a promessa chinesa de construir 100 escolas rurais na África, e a quarta reunião estabeleceu a construção de 50 escolas de amizade sino-africana e o fornecimento de equipamento de pesquisa aos pesquisadores africanos que voltam da China. Alguns dos principais projetos chineses de infraestrutura de ensino na África incluem o Instituto Politécnico Etiópia-China, em Adis Abeba, e a Universidade de Ciência e Tecnologia do Malaui. Os espetaculares projetos chineses de infraestrutura foram criticados como forma de permitir a corrupção e o clientelismo político por parte da elite africana em vez de serem iniciativas para proporcionar desenvolvimento sustentável para a população. Entretanto, o papel da China no financiamento da infraestrutura é vital para a África, já que os tradicionais doadores ocidentais não apóiam mais tais iniciativas e os governos africanos também enfrentam sérias limitações financeiras.
 
Parcerias acadêmicas
Embora a mobilidade acadêmica mútua tenha sido um traço significativo da cooperação sino-africana no ensino desde os anos 1950, foram poucas as oportunidades de envolvimento inter-institucional direto. Isto se deve ao fato de o envolvimento sino-africano ser predominantemente engendrado por meio de burocracias inter-governamentais, sem espaço para a participação de envolvidos não-estatais. A cooperação inter-institucional é, portanto, um desenvolvimento relativamente recente e revolucionário. O Plano de Ação de Pequim de 2006 proporcionou a primeira tentativa de criar uma colaboração em nível institucional por meio do estabelecimento dos Institutos Confúcio, embora estes sejam também organizados em boa medida no nível intergovernamental - como parte do "poder brando" global da China. O programa de cooperação 20+20 estabelecido em 2009 é outra iniciativa importante. Este programa prevê o lançamento de parcerias estruturadas individuais entre 20 instituições chinesas do ensino terciário e 20 instituições africanas, com o objetivo de promover a capacitação e o desenvolvimento sustentável.
 
Cooperação para o desenvolvimento sustentável
O Quarto e o Quinto Planos de Ação do FOCAC, publicados em 2009 e 2012, mostram uma mudança radical no caráter, abrangência e discurso subjacentes a trajetória emergente do envolvimento sino-africano. Estes projetos demonstram o surgimento de um discurso distinto e dominante de conhecimento, ciência e tecnologia, e seus elos como desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza na África. Nesse sentido, a China se comprometeu a oferecer 100 bolsas de pós-doutorado aos africanos e a realizar 100 demonstrações de pesquisa conjunta. É significativo que os parâmetros tenham estabelecido três programas sérios que são particularmente críticos para o emergente paradigma sino-africano de desenvolvimento. Estes incluem o Programa de Parceria Tecnológica China-África, o Programa de Intercâmbio e Pesquisa China-África, e o Fórum de Estudos Estratégicos China-África. Todos esses programas principais de cooperação têm como foco pesquisas conjuntas e a oferta de uma série de iniciativas para fortalecer a capacidade dos países africanos para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, para a elaboração de políticas públicas, gestão e transferência de tecnologia. Uma nova cooperação técnica tem como foco áreas que são diretamente ligadas à qualidade de vida das pessoas - incluindo a saúde, o meio-ambiente, a agricultura, energia renovável e desenvolvimento da água.
 
Esta trajetória denota uma mudança chinesa na direção do desenvolvimento sustentável e da redução da pobreza, em oposição à preocupação tradicional com o financiamento de grandes obras de infraestrutura. O Fórum de Estudos Estratégicos representa um novo foco na oferta do peso e da base científica necessários para fortalecer a base de conhecimento e a solidez da cooperação sino-africana num mundo complexo. Entretanto, o crescente domínio da China na cooperação sino-africana é muito questionado por reproduzir novos padrões de dependência.
 
Conclusão
A assistência chinesa para o desenvolvimento do ensino na África evoluiu no decorrer de muitas décadas e é atualmente bastante diversificado e institucionalizado na sua abrangência e arquitetura. Mais recentemente, há uma mudança distinta e sem precedentes no sentido do fortalecimento da capacidade de ciência e tecnologia e também do aprendizado de como o conhecimento pode ser aplicado mais diretamente para melhorar as condições de vida dos africanos. Esta obrigação indica que a assistência chinesa ao desenvolvimento pode ser uma força positiva na tentativa de atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio na África. Entretanto, esses ganhos potenciais podem ser muito ameaçados ou erodidos se a China reproduzir os mesmos padrões de dependência associados à cooperação contemporânea entre norte e sul. As esferas da cooperação sino-africana para o desenvolvimento devem ser expandidas para incorporar participantes não-estatais de ambos os lados - com o objetivo de se criar capacidade e sinergia suficientes para a implementação do envolvimento sino-africano para o desenvolvimento.