13/03/2014

International Higher Education

Problemas do controle de qualidade transfronteiras

Kevin Kinser e Jason E. Lane
Kinser é professor assistente e diretor do departamento de Estudos em Políticas e Gestão do Ensino na Universidade Estadual de Nova York em Albany. E-mail: kkinser@albany.edu.
Lane é Reitor Assistente para Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Estadual de Nova York. E-mail: jason.lane@suny.edu. Eles são codiretores da Equipe de Pesquisa em Ensino Transfronteiras.
Em cada edição, a IHE dá espaço a um artigo preparado pela Equipe de Pesquisa em Ensino Transfronteiras (C-BERT), sediada na Universidade Estadual de Nova York em Albany. Mais informações a respeito da C-BERT podem ser encontradas em www.globalhighered.org. Siga-os no Twitter em @Cross-BorderHE.
 
Com a rápida expansão das franquias universitárias e outras formas de postos avançados educacionais no estrangeiro tanto nos países desenvolvidos quanto naqueles em desenvolvimento, as agências de controle de qualidade estão se envolvendo mais no desafiador processo de avaliar o ensino superior transfronteiras. Dizemos que este desafio vai além de simplesmente ajuda os indivíduos a fazer distinções de qualidade acadêmica em contextos internacionais. Em parte, como não existe uma definição comum e mundialmente compartilhada de qualidade, um problema deste trabalho só é ampliado conforme as atividades de instituições e cursos cada vez mais cruzam as fronteiras.
 
Dois países, uma história
Apesar dos debates atualmente em curso a respeito da criação de regimes multinacionais de controle de qualidade, o controle de qualidade externo continua sendo organizado nacionalmente. Quando uma instituição estabelece um posto avançado no exterior, ela é obrigada a respeitar a legislação do país hospedeiro (em geral, além das leis do país sede). Na maioria dos casos de que se tem notícia (Dubai e Hong Kong são duas exceções notáveis), o país anfitrião modifica sua estrutura de controle de qualidade existente para atender às características únicas do ensino superior transfronteiras ou obriga o campus a alterar seu funcionamento para adequar-se às medidas existentes de controle de qualidade. O fato é que país anfitrião e país sede têm cada qual seu próprio conjunto de regras. O resultado é uma série de barreiras idiossincráticas e políticas às vezes contraditórias para as instituições que desejam a expansão geográfica, além de desafios logísticos para aqueles encarregados de manter os parâmetros de qualidade em seus próprios países. Na ausência de um regime de controle de qualidade verdadeiramente transnacional, políticas de alcance nacional continuarão a ser fonte de conflitos. Apelos por parâmetros mais rigorosos não podem resolver este dilema inerente.
 
Diferenças legítimas na qualidade
Como destacado acima, qualidade é um termo particularmente difícil de se definir. Mas, mesmo se supusermos uma definição comum de qualidade, haveria diferenças legítimas entre as instituições. Nem todas as instituições contam com os recursos das universidades americanas de elite da Ivy League, e há um lugar importante para os cursos que oferecem treinamento diferente dos padrões voltados para a pesquisa encontrados em muitas instituições de nível mundial. Com novos modelos de ensino emergindo no setor privado, tentativas inovadoras de oferecer oportunidades de ensino de alta qualidade aos estudantes podem ser bastante diferentes da forma tradicional com base no campus. São poucos (ou inexistentes) os critérios de acordo com os quais todas as instituições poderiam ser avaliadas, e não há acordo em relação à maneira de avaliar a qualidade até mesmo nos aspectos fundamentais comuns a todas as formas de ensino superior, como o ato de lecionar. Levando-se em consideração a variedade de modelos e funções no ensino superior transfronteiras, a definição de um limiar de qualidade mínima para todos os postos avançados no exterior é uma proposta difícil.
 
Forças de mercado
O ensino superior transfronteiras é com frequência projetado para atender à demanda de mercado no país hospedeiro, seja por parte de estudantes em busca de diplomas ou de representantes do governo em busca do desenvolvimento das capacidades da população. Há bons motivos para tanto, e espera-se da maioria das atividades transfronteiras deste tipo que sejam autossustentáveis ou que ajudem a atender às metas do governo local, que oferece subsídios. Entretanto, como fica claro no grande número de fábricas de diplomas e outras formas de uso fraudulento das credenciais acadêmicas, a demanda muitas vezes não tem como base a qualidade. A privatização incentiva ainda mais as forças de mercado a operarem no âmbito do ensino, atribuindo um valor monetário às matrículas de estudantes por meio do pagamento de taxas de ensino e outras formas de cobrança. Independentemente das demandas do mercado, as agências de controle de qualidade têm a missão de defender o interesse público ao garantir a existência de instituições de ensino superior que sejam legítimas, confiáveis e sustentáveis. Num conflito entre o mercado e o interesse público, é necessária uma forte presença reguladora para triunfar. Na maioria dos países as agências de controle de qualidade são entidades relativamente novas e fracas, e as pressões do mercado costumam destacar sua luta para serem mais eficazes.
 
Processos internos no campus doméstico
O controle de qualidade não é apenas mantido por meio da supervisão externa; processos internos também são necessários. Mas procedimentos que funcionaram bem em todas as partes do campus principal podem não alcançar o mesmo sucesso quando seu alvo está a meio mundo de distância. As tradições educacionais variam, assim como o preparo dos candidatos para o estudo avançado, e princípios de liberdade acadêmica e governança do corpo docente têm interpretações contraditórias. Mas prevalece um modelo centro-periferia, no qual espera-se que as suposições de qualidade consolidadas no país de origem sejam aplicadas no exterior. Assim, o desafio do controle de qualidade transfronteiras é criar procedimentos rigorosos no exterior conforme aqueles que existem no campus principal, sem ignorar as diferenças locais. Mas, nas instalações estrangeiras tipicamente pequenas e de foco estreito, a infraestrutura para tanto costuma ser inexistente. Portanto, a supervisão interna continua a funcionar, apesar das distâncias consideráveis.
 
Confiança
O ex-presidente americano Ronald Reagan tornou famosa a expressão "confiar e verificar" para indicar sua posição diante dos tratados internacionais. A expressão também é relevante para o controle de qualidade internacional. A maioria dos processos de controle de qualidade supõe que seja possível confiar na instituição avaliada para que revele com honestidade os detalhes do seu desempenho e que os pares avaliadores ajam com integridade ao pesar os méritos de uma instituição que poderia ser uma concorrente direta daquela que os emprega. Mas, se a confiança subjacente a este processo for quebrada, a veracidade de todo o procedimento de avaliação passa a ser questionada. Neste sentido, o ceticismo diante de avaliações apresentadas por outras entidades é incorporado à maioria dos procedimentos de controle de qualidade e limita a tração necessária para que um sistema transnacional atinja o sucesso. Entretanto, o excesso de confiança pode ser problemático. Se tanto o país de origem quanto o país hospedeiro acreditarem que a responsabilidade principal cabe à outra parte, ou simplesmente confiarem nos processos institucionais internos para controlar a qualidade, isto significa que ninguém está vigiando. Sem confiança na integridade dos envolvidos no ensino superior internacional e na reciprocidade necessária para o trabalho transfronteiras, o controle de qualidade internacional continuará a ser responsabilidade do consumidor.
 
Conclusão
As instituições de baixa qualidade existem no mercado do ensino superior transfronteiras assim com existem nos setores do ensino público e privado de todos os países. Entretanto, ao concentrar o foco do discurso do controle de qualidade no ensino superior transfronteiras na preocupação de proteger os estudantes da ação de operadores suspeitos, questões mais amplas que tornam problemático o controle de qualidade no contexto transfronteiras passaram a receber menos destaque. O controle de qualidade continua sendo um fenômeno principalmente nacional; entretanto, instituições e programas de ensino transfronteiras precisam lidar com dois países, no mínimo, o que corresponde a dois regimes de controle de qualidade. Arranjos deste tipo destacam o conhecido problema da falta de uma definição global para a qualidade, ao mesmo tempo levantando questões a respeito de como as forças de mercado, as diferenças legítimas de qualidade e as concepções de confiança afetam o controle de qualidade dos postos avançados de ensino no exterior.