25/04/2012

International Higher Education

Políticas nacionais de mobilidade na Europa

Queenie Lam
Diretora de projetos da Academic Cooperation Association, em Bruxelas, Bélgica. E-mail: secretariat@aca-secretariat.be
Este artigo toma como base a obra European and National Policies for Academic Mobility: Linking Rhetoric, Practice and Mobility Trends, organizada por Irina Ferencz e Bernd Waechter e publicada em Bonn pela editora Lemmens em 2012
International Higher EducationNuma primeira observação, a Europa – o continente que nos trouxe o extremamente bem-sucedido programa de mobilidade estudantil Erasmus (denominação do Programa de Ação da Comunidade Europeia para a Mobilidade dos Estudantes Universitários) há mais de 20 anos – pode parecer extremamente unida no seu entusiasmo pela mobilidade internacional dos estudantes. Mas a situação real (tanto em termos de práticas quanto de políticas) é muito mais complexa do que o "grande discurso" da mobilidade estudantil europeia dos últimos anos poderia indicar.
 
Essa situação representa ao mesmo tempo uma força e uma fraqueza. Por um lado, a Europa (seja compreendida enquanto configuração de 27 países membros da União Europeia ou como o grupo mais amplo de 47 países signatários do Processo de Bolonha na Área do Ensino Superior Europeu) apresenta uma paisagem extremamente diversificada em termos de ensino superior. Essa variedade estende-se claramente para os perfis apresentados por cada país em se tratando de políticas para a mobilidade internacional dos estudantes. Felizmente, a diversidade possibilita que diferentes abordagens sejam testadas – e então aceitas ou rejeitadas – de acordo com características nacionais ou institucionais únicas. A União Europeia trabalha no sentido de manter seus países membros avançando para atingir metas de mobilidade propostas para toda a UE até 2020, seguindo os esforços da Área de Ensino Superior Europeu para articular seu próprio conjunto de objetivos de mobilidade para o restante da década. Entretanto, a ausência de uma abordagem sistemática para a mobilidade no nível nacional pode se revelar um difícil obstáculo para o cumprimento das metas estabelecidas pelas políticas de ensino no nível continental.
 
Políticas de mobilidade no contexto europeu
Quando entendida no contexto do ensino superior europeu, a mobilidade está fortemente associada ao programa Erasmus da União Europeia – e há bons motivos para tanto. Desde a sua concepção em meados da década de 1980, o Erasmus é considerado o maior e mais bem-sucedido programa de financiamento para o intercâmbio estudantil de curto prazo (prática doravante mencionada como mobilidade de créditos) em todo o mundo. Com o surgimento de outras iniciativas de mobilidade, como o Erasmus Mundus, a mobilidade adquiriu uma série de outros significados para além da mobilidade de créditos intraeuropeia no discurso das políticas da União Europeia. Tem sido dada atenção a oportunidades que possibilitam a estudantes não europeus a obtenção de diplomas completos na Europa (prática doravante mencionada como mobilidade de créditos de entrada), bem como a mobilidade de funcionários acadêmicos e pesquisadores. Entretanto, pesquisas recentes nessa área, realizadas pela Academic Cooperation Association, com sede em Bruxelas, descobriram que essas novas modalidades de mobilidade ainda não receberam nos círculos nacionais responsáveis pelas políticas de ensino tanta atenção quanto as atividades de mobilidade de créditos mais antigas.
 
Apesar da grande importância dada pelos governos nacionais à mobilidade, em geral poucos países europeus articularam uma política nacional para lidar de maneira sistemática com os diferentes tipos de mobilidade agora em evidência nos seus sistemas de ensino superior, embora muitos acreditem já contar com políticas desse tipo. Poderíamos dizer que um punhado de países, entre eles os nórdicos – principalmente Finlândia e Dinamarca –, a Holanda e dois países bálticos – Estônia e Lituânia – está se aproximando de algo semelhante a uma política de mobilidade nacional. Mas, na maioria dos casos, quando há indícios de alguma medida nacional relacionada à mobilidade, seus elementos são encontrados espalhados entre numerosos documentos e avaliações dos departamentos responsáveis, da educação e pesquisa à imigração e ao trabalho. A pesquisa da Academic Cooperation Association nessa área mostra que a amplitude e a profundidade das políticas de mobilidade variam muito. Com frequência chega a ser possível questionar se os governos nacionais têm uma compreensão clara das distinções entre os diferentes tipos de mobilidade (diploma versus créditos, entrada versus saída etc.) no momento de definir prioridades e metas de mobilidade nacional.
 
Mobilidade: internacional ou intraeuropeia
Até o momento, a mobilidade de créditos na Europa tem uma forte orientação intraeuropeia, enquanto a mobilidade de diplomas vai de encontro a uma forte dimensão externa, voltada para países "de fora" (ou seja, não europeus). Entretanto, ambos os tipos de mobilidade são em geral mencionados como mobilidade internacional.
 
Comparada à "mobilidade de diploma de saída", a "mobilidade de créditos de saída" é a principal prioridade para os governos nacionais da Europa. Claramente, a maioria dos países não deseja a mobilidade de diploma de saída, temendo uma fuga de cérebros. Não surpreende, entretanto, que um número cada vez maior de países europeus demonstre um interesse ativo na "mobilidade de diploma de entrada", embora isso traga certos riscos. Por um lado, atrair estudantes que buscam o diploma e estão dispostos a pagar por ele consiste numa boa opção econômica, e representa uma tendência claramente vista em países como Grã-Bretanha, Irlanda, Malta e Chipre. Entretanto, outros mostraram uma profunda preocupação com o grande número de estudantes estrangeiros que chegam de países vizinhos com o objetivo de ingressar em seus sistemas nacionais, algo que reflete uma suposta preocupação com o fardo que recairia sobre os contribuintes e os estudantes nacionais que buscam o acesso a um ambiente educacional de qualidade (em outras palavras, que não seja superlotado). A experiência da Áustria com o grande número de estudantes alemães que veio ao país é um exemplo notável dessa dinâmica. Independentemente disso, muitos países europeus ainda atribuem uma imensa importância à mobilidade de diploma de entrada (vinda de fora da Europa, presumivelmente) – com um interesse específico nos alunos com doutorado e mestrado, algo condizente com o discurso dominante que propõe atrair estudantes talentosos para "fomentar a inovação" e "fortalecer a economia do saber".
 
Metas móveis?
As metas quantitativas e os focos geográficos mencionados nos debates nacionais europeus envolvendo a mobilidade são definidos em termos surpreendentemente vagos. Em muitos círculos, o consenso parece estar se formando em torno da ideia de estabelecer uma meta de 20% ou mais para a mobilidade de saída e de aproximadamente 10% para a mobilidade de entrada. As localizações geográficas de mais interesse – tanto para o envio quanto para a recepção de estudantes – incluem a própria Europa (a já mencionada mobilidade intraeuropeia), seguida pela Ásia e pelos Estados Unidos/Canadá.
 
Entretanto, as aspirações europeias em relação à mobilidade raramente são definidas em relação a um tipo específico de mobilidade. Como resultado, as metas de mobilidade muito ambiciosas e pouco definidas podem chegar a 50% e, na ausência de definições mais claras, podem corresponder a experiências de mobilidade de apenas uma semana de duração ou atividades de mobilidade tangencialmente relacionadas a estudos e/ou pesquisas. Além disso, não está claro se os países que almejam uma mobilidade de 50% têm como objetivo ter 50% de seus estudantes participando de uma experiência de estudos no exterior num ano específico ou se o objetivo é ter 50% de seus formandos participando de uma experiência de mobilidade em algum ponto do seu estudo.
 
Pontas soltas como essas são encontradas também nas metas geográficas. Embora tais objetivos pareçam ser claramente identificados, nem sempre é aparente o tipo de estudante que estaria no foco das atividades de mobilidade. Na ausência de parâmetros claros, metas desse tipo não passam de sinais simbólicos da aspiração nacional, com pouco valor indicativo para a orientação do desenvolvimento da mobilidade. A falta de clareza nessas especificidades importantes também torna extremamente problemática a comparação entre os objetivos de mobilidade no território europeu.
 
Criando os alicerces para 2014-2020
A União Europeia deve apresentar um novo programa em 2010 – o "Erasmus for All". Diferentemente do Erasmus original, a nova arquitetura antevista pela União Europeia para a cooperação na educação e no treinamento até 2020 deve abranger todos os níveis de ensino – bem como iniciativas de cooperação com países de outros continentes, principalmente aqueles localizados nas imediações da União Europeia. Isso deve provavelmente trazer mais complexidade ao conceito de mobilidade na Europa à luz da possível extensão do programa Erasmus, até então restrito à Europa, para países fora do continente e a inclusão da mobilidade de diploma intraeuropeia no nível do mestrado. Conforme se der o desenvolvimento desses novos fatos, é essencial refletir cuidadosamente a respeito do estado atual das coisas nas políticas nacionais de mobilidade dos países europeus. Ainda mais importante é a existência de uma abordagem sistemática – com base em tipos de mobilidade claramente diferenciados entre si e metas bem definidas, entre outras considerações chave –para a formulação de políticas nacionais robustas para o avanço da mobilidade.
 
capa da edição impressa nº 5 | abril de 2012