26/03/2014

International Higher Education

Poderão as grandes universidades americanas estabelecer raízes na Ásia?

Harry Lewis
Harry Lewis é professor de ciências da computação em Harvard e foi reitor da Universidade Harvard.E-mail: lewis@seas.harvard.edu. este artigo foi publicado no South China Morning Post em 5 de agosto de 2013.
A notícia de que o programa de mestrado executivo da Faculdade de Administração Booth da Universidade de Chicago seria transferido de Cingapura foi bem recebida em Hong Kong, com entusiasmo comparável ao da aquisição de um atleta fora de série. O secretário da educação, Eddie Ng Hak-kim, anunciou que a jogada “melhoraria a posição de Hong Kong enquanto centro regional de ensino, formando talentos para apoiar o crescimento de nossa economia, e fortalecendo a competitividade de Hong Kong”.
 
Mas as mudanças em andamento no ensino superior parecem mais a evolução biológica do que uma partida de críquete. A extinção também faz parte da evolução - e vários outros entrepostos americanos em Cingapura, entre eles a Faculdade de Artes Tisch da Universidade de Nova York e a faculdade de hotelaria da Universidade de Nevada em Las Vegas, estão deixando a cidade com planos futuros incertos.
 
A Ásia está buscando um atalho para um processo que levou séculos para criar as grandes universidades americanas. E as universidades americanas parecem pensar que uma Ponte de Bering intelectual foi aberta. Subitamente, elas veem grandes áreas sem concorrentes naturais, um ecossistema promissor para espécies invasoras.
 
Para uma universidade, abrir mão do direito à expressão política equivale a abrir mão da busca pela verdade. Isto me parece ser vaidade por parte de ambos os lados. Imagino o que pensaremos a respeito das inovações do ensino superior atual daqui a algumas décadas. Talvez algumas instituições se revelem experimentos fracassados, mutações que não se encaixam no meio ambiente. O governo de Cingapura não estava disposto a manter o subsídio à Universidade de Nevada em Las Vegas, por exemplo, e uma joint venture entre Cingapura e a Faculdade de Direito da Universidade de Nova York está fechando depois de ter gasto os consideráveis subsídios oferecidos pelo governo.
 
Tudo isso é palpite e experimentação. Será que alguma dessas franquias transplantadas dos Estados Unidos poderá sobreviver por uma década? Se sobreviverem até completar cem anos, será que essas universidades e suas veneráveis primas americanas se verão como desconhecidas, como espécies de camarão que não se reconhecem como parentes porque foram separadas pelo Istmo do Pananá, convertendo-se em espécies do Caribe e do Pacífico?
 
Se o custo de manter atividades em Cingapura é alto demais para as universidades - e a valorização do dólar da cidade-nação é parte da história -, como serão as coisas em Hong Kong? Isto pode depender da disposição de Hong Kong em dar continuidade aos subsídios do tipo que atraíram a Faculdade de Administração de Chicago. Hong Kong cobra de Chicago apenas HK$ 1.000 por um aluguel de dez anos num antigo prédio de escritórios na Ilha de Hong Kong. Espero que as universidades de Hong Kong, fruto de um contínuo processo evolucionário, sejam tratadas com a mesma benevolência. Sem dúvida, a Universidade de Chicago agradece ao povo de Hong Kong por tornar um curso de administração extremamente rentável num projeto ainda mais lucrativo.
 
Há o risco de Hong Kong concluir que tais subsídios são insustentáveis, como ocorreu em Cingapura. Talvez o governo deva esperar alguns anos antes de celebrar o sucesso. Como disse um funcionário do governo de Cingapura: “Se uma faculdade de renome for incapaz de convencer os estudantes a pagar suas taxas de ensino, talvez isso indique que esse renome não é assim tão atraente”.
 
A joia da coroa do exotismo acadêmico na Ásia é o campus da Universidade Nacional de Cingapura - Yale, que deve ser inaugurado em breve. Será que o ambiente será rico o bastante - em recursos americanos e malaios e em estudantes asiáticos - para que esta se mantenha funcionando? Até o momento, nenhum dos fechamentos parece estar ligado a questões que preocupem o corpo docente de Yale: como lecionar no espírito da liberdade de questionamento num lugar em que críticas ao governo podem levar à prisão (e o mesmo vale para o homossexualismo, além de outros comportamentos aceitos nas universidades americanas).
 
Em algum momento, as universidades americanas que se aventuram em estados autoritários terão de enquadrar suas ambições dentro do conjunto de valores dos países anfitriões. O presidente da Universidade de Nova York, John Sexton, fez a respeito do campus de sua universidade em Xangai um comentário difícil de esquecer: “Não vejo problema em distinguir entre o direito à liberdade acadêmica e o direito à expressão política”.
 
Não é preciso dizer isso aos alunos do Centro Hopkins-Nanjing, que imaginaram poder publicar uma revista com um artigo a respeito de manifestações estudantis, como seria normal fazer na Universidade Johns Hopkins ou em qualquer outra universidade americana. O artigo foi censurado, e a revista foi jogada no limbo.
 
John Sexton está enganado. Tudo pode ser político, não apenas as artes liberais, mas também a prática profissional da administração ou do direito. Para uma universidade na qual os estudantes esperam estudar todo o tipo de tema social, abrir mão do direito de expressão politica equivale a abrir mão da busca pela verdade.