28/08/2012

International Higher Education

Os desafios da construção de uma universidade de nível mundial: lições da Eslovênia

Philip G. Altbach
Altbach é professor da Cátedra Monan e diretor do Center for International Higher Education (CIHE) do Boston College. E-mail: altbach@bc.edu
Na Eslovênia, país pequeno no meio da Europa Central, com população de 2 milhões, o ensino superior é levado a sério. O país tem respeitáveis 67% dos jovens no ensino superior. Suas três universidades têm matriculados 81.617 estudantes – dois terços na Universidade de Liubliana. O gasto público com o ensino superior é da ordem de aproximadamente 1,25%, nada mau para o contexto europeu, e bastante acima dos vizinhos da antiga Iugoslávia e dos Bálcãs. As universidades eslovenas são claramente as melhores da região. O contexto do ensino superior na Eslovênia e as aspirações do setor têm relevância não apenas para outros países de pequenas populações como também para universidades com um padrão tradicional de governança e administração acadêmica da Europa continental.
 
O contexto
A Eslovênia é comprometida com uma filosofia igualitária no ensino superior. Todas as universidades públicas têm missão de pesquisa, e o ensino é gratuito para os estudantes de graduação em período integral. Há uma universidade particular, menor. No fim do ensino secundário, os alunos que obtiverem boas notas em um exame são, na maioria dos casos, admitidos automaticamente numa universidade. Aqueles que não atendem aos critérios estipulados podem com frequência matricular-se em programas noturnos ou de meio período, para os quais são cobradas mensalidades – obtendo assim o mesmo diploma que os alunos regulares. O padrão de estudos em "dois trilhos", com variações nos critérios de cobrança de mensalidade e admissão – agora comum em alguns países europeus, bem como na China e em outros lugares – distorce a admissão de alunos e a carga de ensino dos professores, criando também outros problemas. As mensalidades também são cobradas pelos estudos para doutoramento.
 
Assim como ocorre em muitas universidades da Europa Continental, os reitores são escolhidos pelos funcionários acadêmicos, com a participação adicional dos estudantes (que controlam 20% dos votos). Eles servem mandatos de 4 anos e podem ser reeleitos. Da mesma maneira, diretores de unidade também são eleitos, e existe um forte ethos de autonomia em todo o sistema acadêmico. Os grupos de interesse no campus – incluindo associações estudantis autônomas e bem financiadas e grupos que representam os interesses dos professores – são poderosos.
 
Um Programa Nacional de Ensino Superior para a Eslovênia, elaborado em 2011 e aprovado recentemente pelo Parlamento, relaciona uma série de iniciativas de reforma no ensino e na pesquisa até 2020. Tais fatores têm como objetivo melhorar a infraestrutura e a produção de pesquisa da Eslovênia, bem como impulsionar a internacionalização e, até certo ponto, a diversificação do sistema de ensino superior – embora a lista de inovações seja extensa, e os parâmetros para sua implementação sejam vagos. O problema está nos detalhes, é claro, e a implementação de mudanças significativas no sistema esloveno, movidas por consenso, será provavelmente um desafio, principalmente porque o ensino superior atrai bastante interesse por parte do público.
 
Nível mundial para a Eslovênia?
Como seria uma universidade de nível mundial no contexto esloveno? É claro que nenhuma universidade da Eslovênia pode ter como objetivo concorrer com Berkeley ou Oxford. O país não poderia financiar uma Berkeley e não dispõe de uma base populacional capaz de sustentar uma Oxford. Mas ao menos uma das instituições eslovenas, sem dúvida a Universidade de Liubliana, poderia tornar-se uma universidade competitiva em algumas áreas acadêmicas, ganhando visibilidade internacional. Enquanto país dependente dos próprios recursos humanos, localizado num ponto estratégico da Europa, o Programa Nacional para o Ensino Superior de 2011 faz sentido, por mais que não pareça ir longe o bastante na alavancagem e direcionamento de recursos humanos e financeiros.
 
A estratégia representa uma ruptura com a mentalidade anterior. Ao menos, nela é reconhecida a necessidade de a Eslovênia se esforçar mais no ensino superior. A visão tradicional parecia ser a de uma satisfação generalizada com um ambiente acadêmico considerado bom, mas não excelente. Supondo que em algum momento a Eslovênia vai querer seu espaço na "primeira divisão" acadêmica, quais seriam as exigências para realizar as possibilidades existentes e garantir um lugar na economia global do conhecimento europeia?
 
As perspectivas
Os rumos que levam à excelência acadêmica variam de acordo com as circunstâncias nacionais e institucionais, mas é fácil identificar algumas das realidades eslovenas que criam obstáculos à melhoria – desafios que são partilhados por muitos países e instituições. Por mais que a possibilidade de melhoras significativas se faça objetivamente presente, questões de política e governança representam travas consideráveis. Os fatores a seguir vão, ao menos em parte, determinar o futuro acadêmico da Eslovênia.
 
Governança. Como ocorre em muitas universidades europeias, os principais líderes acadêmicos da Eslovênia são eleitos para mandatos de quatro anos. Os reitores, por exemplo, são eleitos pela comunidade acadêmica – incluindo os funcionários acadêmicos e os estudantes, que têm 20% dos votos. Tipicamente, reitores e diretores governam pelo consenso e raramente se mostram dispostos a exercer uma liderança que possa levar à criação de uma forte oposição na comunidade acadêmica. Isso significa que as universidades raramente contam com uma liderança interna forte, dotada da opção de tomar decisões que possam criar dissensões e controvérsias. O alto escalão administrativo eleito não poderá implementar as decisões sérias que são inevitavelmente necessárias para a construção da excelência acadêmica.
 
Financiamento. Os estudantes de graduação em período integral não pagam mensalidades na Eslovênia, embora sejam cobradas taxas pelo estudo em meio período e por alguns programas de pós-graduação. Assim, as universidades costumam depender do financiamento direto do governo. Em sistemas maciços de ensino superior, o financiamento público nunca consegue oferecer ao mesmo tempo a facilidade de acesso e a excelência; o custo é simplesmente alto demais. Para que a Eslovênia atinja uma excelência de nível mundial, será preciso encontrar recursos adicionais para sustentar uma cara universidade de pesquisas, e é irreal esperar que o Estado financie todas as despesas. É provável que a única alternativa seja cobrar mensalidades de todos os estudantes – oferecendo, é claro, assistência adequada aos que não possam arcar com tal custo, por meio de bolsas de estudo. Ao mesmo tempo, o Estado terá de reforçar o financiamento e garantir que os recursos exigidos estejam disponíveis no longo prazo. Uma renda adicional pode ser obtida por meio do aprofundamento da cooperação com a indústria e outras agências. As universidades excelentes só podem prosperar com o financiamento sustentado.
 
Diferenciação acadêmica. As três universidades públicas da Eslovênia são universidades de pesquisa que seguem um modelo semelhante de financiamento. Mesmo num país pequeno, é preciso diferenciar entre as missões acadêmicas das universidades. A Eslovênia pode arcar com o custo de uma universidade de pesquisa intensiva, a Universidade de Liubliana. As outras instituições, mais novas e muito menores, devem se concentrar no ensino em nível de graduação. Os recursos humanos e financeiros devem ser cuidadosamente concentrados. É claro que a decisão de afastar as universidades existentes do seu papel atual ou de limitar consideravelmente seu envolvimento em determinadas atividades será recebida com polêmica, bem como as iniciativas para garantir que a pesquisa e o ensino de doutorado sejam limitados no futuro.
 
Direcionamento. A determinação das políticas e rumos acadêmicos mais gerais não pode ser deixada a cargo somente da comunidade acadêmica. O “plano de navegação” geral das políticas para o ensino superior no país só pode ser desenvolvido e implementado pelo governo. Por mais necessária que seja a consulta aos envolvidos, principalmente aos próprios acadêmicos, decisões difíceis serão inevitavelmente tomadas por pessoas de fora. A supervisão adicional e contínua das políticas universitárias é necessária para manter o sistema nos eixos. Isso pode ser particularmente difícil na sociedade eslovena, movida pelo consenso, na qual o ensino superior costuma ser uma preocupação política.
 
Excelência seletiva. Poucas universidades podem arcar com o custo de oferecer nível mundial em todas as especialidades. Para um país pequeno, será necessária seleção cuidadosa para determinar campos e disciplinas em que o nível mundial pode realmente ser alcançado e aqueles que deveriam ser “apenas excelentes”. Com base nas necessidades do país, suas realidades econômicas e os interesses e qualidades atuais de sua academia, um número limitado de setores – incluindo campos interdisciplinares e de ponta – pode ser escolhido para concentração. Fundos com destino específico e outros recursos podem ser oferecidos.
 
Internacionalização. Existe um limite que separa o cumprimento das obrigações nacionais da participação nas "divisões principais" do ensino internacional. Se a Universidade de Liubliana quiser atingir o status de nível mundial, ela deve se concentrar no aprofundamento da sua internacionalização. Isso inclui a oferta de mais programas acadêmicos em inglês; o reforço de suas bolsas de intercâmbio; a tentativa de oferecer uma liderança forte para a Europa Central e Oriental e os países da antiga União Soviética; e, até certo ponto, o envolvimento com a América do Norte e a Ásia emergente. A Eslovênia é um local excelente para a pesquisa em temas relativos à Europa Central, e a universidade pode aprimorar suas qualidades interdisciplinares na compreensão dos desafios e possibilidades da antiga Iugoslávia e da região.
 
Entretanto, o equilíbrio entre as necessidades e preocupações nacionais e a internacionalização não é fácil de alcançar. Nos países pequenos em particular, as universidades encontram-se no centro da vida intelectual, sendo também instituições centrais para a manutenção e o reforço da cultura e do idioma do país. Ao mesmo tempo, estão entre as instituições mais internacionalizadas do país, e é grande a pressão pelo seu crescente envolvimento com o restante do mundo. No caso da Eslovênia, tais forças são particularmente complexas, já que envolvem a pauta de Bolonha, o trabalho com os Bálcãs e, até certo ponto, uma pauta internacional mais ampla.
 
O futuro
A Eslovênia, país de pequenas dimensões, posição geográfica favorável no centro da Europa e dono de uma boa infraestrutura acadêmica, tem o potencial de alcançar a excelência. Já conta com aquela que é provavelmente a melhor universidade da região. A obtenção da excelência de nível mundial é um desafio, mas tal padrão de qualidade não é inatingível. Para um país que depende de seus recursos humanos, o desenvolvimento das universidades é um passo lógico.  Se Cingapura tornou-se um hub do conhecimento, por que a Eslovênia não poderia fazer o mesmo?