25/04/2012

International Higher Education

O que o mundo empresarial espera do ensino superior: uma análise da Índia

Daniel C. Levy
Professor emérito da Universidade Estadual de Nova York, Albany. E-mail: dlevy@albany.edu
International Higher Education publica ocasionalmente artigos do Program for Research on Private Higher Education (PROPHE), Albany. Ver http://www.albany.edu/
International Higher EducationEm novembro de 2011, a Federação de Câmaras do Comércio e da Indústria da Índia (FICCI, na sigla em inglês), que se proclama "a voz da indústria por mudanças nas políticas públicas", organizou uma ampla conferência para tratar do futuro do ensino superior na Índia. O principal tema, embora não o único, foram os interesses das empresas indianas e o ensino superior privado. A FICCI apresentou os pontos de vista básicos do mundo empresarial sobre aquela que seria uma pauta apropriada para as políticas que tratam do futuro do ensino superior na Índia.
 
As principais opiniões da FICCI são marcadamente próximas daquelas vistas num seminário de ensino superior voltado para o empresariado e realizado nas Filipinas um ano antes. É provável que o ponto de vista da FICCI represente a opinião do setor empresarial de muitos países em desenvolvimento. Este ponto de vista pode ser descrito em termos gerais como liberal e modernizador – aspectos sobrepostos daquilo que é muitas vezes rotulado como neoliberal. Isso se traduz numa pauta de crescimento, atenção prioritária ao ensino superior particular, modernização acadêmica e regulação limitada do governo.
 
Crescimento
A comunidade empresarial demonstra um entusiasmo comparável ao da opinião pública em relação à expansão do ensino superior na Índia de maneira rápida e expressiva. De fato, a expansão observada foi imensa, com um total de 14,6 milhões de estudantes. Mas ainda produz como resultado uma taxa bruta de participação de apenas 13,8%, um aumento em relação aos 10% registrados em 2000 mas ainda muito abaixo da taxa chinesa, por exemplo. A FICCI diz aprovar a meta do governo de chegar a 30% até 2020, algo que enfatiza a grande discrepância entre a demanda futura e a oferta atual – sem rotular esta demanda como excessiva nem classificar o cumprimento da meta como uma concessão a pressões políticas que podem ser prejudiciais do ponto de vista econômico ou acadêmico.
 
Ao contrário, a FICCI considera que um imenso crescimento adicional é necessário para a economia do conhecimento, o desenvolvimento nacional e os interesses empresariais. Tal crescimento deve incluir principalmente uma expansão sólida do ensino e da pesquisa de alta qualidade no nível de pós-graduação. A FICCI lamenta os numerosos déficits de tamanho no sistema de ensino superior – como as necessidades infraestruturais e, acima de tudo, membros suficientes do corpo docente treinados para atender ao número atual de matriculados.
 
O setor privado
Embora a posição pró-crescimento da FICCI abranja ambos os setores do ensino superior, sua atenção é dedicada principalmente ao particular. Em meio a números diferentes, parece que 30% seria uma estimativa correta para a parcela das matrículas que cabe ao setor privado. É claro que, em países como Índia e China, a capacidade do ensino superior particular de manter a participação ou expandi-la moderadamente é notável levando-se o crescimento sem precedentes do setor público.
 
A variação observada nos números do ensino superior privado é resultado de múltiplos fatores, incluindo a ausência de um plano centralizado para o setor, sua rápida expansão, a enorme diversidade de tipos de instituições bem como uma sobreposição de categorias usadas para rotular as instituições. Instituições tidas como universidades, institutos profissionais, grupos empresariais (por exemplo o Manipal Education Group), instituições particulares que não recebem auxílio, iniciativas de ensino a distância e uma diversidade de parcerias internacionais são formas de ensino superior que têm um componente de ES privado. As condições mais dramáticas no crescimento do setor privado jazem nos campos de aplicação profissional, como Engenharia e Administração. A maioria das instituições tidas como universidades é particular. A participação em parcerias internacionais é mais comum no ensino superior particular do que no público. O setor privado que não recebe auxílio – que sobrevive sem os subsídios do governo – apresentou um grande crescimento proporcional.
 
A FICCI aprova e promove a explosão de vários tipos de instituições no ensino superior particular. Ela se declara explicitamente a favor tanto do crescimento das instituições existentes quanto do estabelecimento de novas instituições e variedades. A FICCI celebra em especial a disseminação das "universidades privadas estaduais", criadas pelos legislativos estaduais da Índia. A celebração decorre de sua autonomia e flexibilidade relativamente altas. A FICCI mostra-se entusiasmada a respeito da proporção de crescimento: 94% das universidades privadas estaduais foram criadas nos últimos cinco anos.
 
Modernização acadêmica
O que as empresas desejam do ensino superior afeta ambos setores – o público e o privado: mais qualidade acadêmica, relevância para o mercado de trabalho e internacionalização estão entre os principais exemplos. Entretanto, as empresas falam em nome de mudanças dentro do setor público que podem ser encaradas como uma privatização parcial. Parte dessa agenda deriva daquilo que as empresas têm a ganhar com o ensino superior particular e, portanto, de questões intersetoriais. A FICCI defende, por exemplo, uma maior igualdade de oportunidades por meio do avanço para um modelo de financiamento estudantil, enquanto que o dinheiro do governo destinado ao ensino superior tem sido dirigido principalmente a instituições, basicamente as públicas.
 
A FICCI manifesta sua preocupação com a baixa qualidade acadêmica de muitas das instituições particulares, muitas vezes descritas como "esponjas de demanda". É a preocupação que caracteriza a opinião a respeito da impressionante explosão do número de instituições de ES, que passaram de 11.146 em 2001 para 31.324. Por outro lado, a maior parte das atenções da FICCI está voltada ao topo do ensino superior privado, que poderia ser descrito como uma "quase-elite". A comunidade empresarial foi sem dúvida contagiada pelo entusiasmo global que envolve a possibilidade de a Índia ir além e construir universidades de nível mundial. Essas seriam mais amplas do que os institutos de nível mundial já existentes no país, e seriam tanto privadas quanto públicas.
 
Regulação
A FICCI esforça-se para deixar claro que o empresariado não é contra a regulação do governo. Os problemas reais da baixa qualidade e das fraudes são alvos legítimos para normas disciplinadoras do poder público. Estruturas reguladoras que promovam a transparência e ajudem os estudantes são bem-vindas. Ansioso para proteger e promover o ensino superior particular, o empresariado não quer permitir que algumas maçãs podres prejudiquem o status e a legitimidade desse setor no ensino superior indiano como um todo.
 
Mas o ponto central da posição da FICCI em relação à regulação governamental é que ela seja limitada. A lamentável realidade é uma "miríade de reguladores e regulamentos". Os regulamentos prejudicam a autonomia necessária às instituições para que criem seus próprios rumos e governem a si mesmas com coerência. O ensino superior privado é portanto regulado em demasia, mas insuficientemente administrado. Com base nas críticas elementares que o empresariado costuma fazer diante da regulação governamental do setor privado, a FICCI afirma que a "regulação de inputs" é excessiva; a exigência da construção de laboratórios de informática, por exemplo, entra em conflito com a realidade de que os estudantes usam seus próprios laptops. A regulação de inputs retarda o crescimento, a diversificação e a inovação no setor privado.
 
Possivelmente por razões políticas, a FICCI às vezes expressa suas queixas nos termos de uma excessiva regulação governamental do ensino superior como um todo na Índia. Mas os proprietários de muitas instituições particulares acreditam que o governo age com hostilidade em relação ao setor privado, tomando-o como alvo. Um bom exemplo disso pode ser encontrado na lei de Práticas Injustas apresentada ao Parlamento. A FICCI também espera do governo que suspenda suas restrições regulatórias aos provedores estrangeiros (lei proposta em 2007 e ainda não aprovada) e aos provedores que almejam o lucro. O empresariado enxerga ambas as restrições como elementos que prejudicam o crescimento, o investimento privado e a concorrência.
 
capa da edição impressa nº 5 | abril de 2012