28/11/2013

International Higher Education

O legado do ensino superior venezuelano sob Chávez

Em vez de anunciar políticas que pudessem ser aplicadas a todas as universidades, o falecido líder criou novas instituições para atender às necessidades da revolução, e não da sociedade

Orlando Albornoz
Albornoz é professor da Universidad Central de Venezuela, Caracas. E-mail: oalborno@reacciun.ve
Universidad Central de Venezuela
Hugo Chávez, que não se encontra mais entre nós, esteve no poder por um período prolongado, 1999-2013, e tentou implementar muitas mudanças no ensino superior. Mas ele não conseguiu se contrapor totalmente à política para o setor que já vinha em andamento. Em 1830 as universidades foram nacionalizadas. Entretanto, em 1953 o setor privado recebeu permissão para participar do mercado acadêmico. Em 1958 uma revolução democrática assumiu o poder, e o sistema universitário foi expandido e modernizado. É claro que a Revolução Bolivariana de Chávez tinha a intenção de mudar tudo isso. Mas o tempo dele se esgotou e, em 2013, o sistema de ensino superior continua quase igual àquele herdado por Chávez em 1999. Embora a estrutura e a organização do ensino superior não tenham mudado, em 1999 as universidades públicas tinham 510.917 estudantes e, em 2011, esse número chegava a 1.132.306; o setor privado tinha 299.664 estudantes em 1999 e 555.198 em 2011. Mas o crescimento das instituições estatais perdeu força nos últimos três anos.
 
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Embora o sistema de ensino superior venezuelano não tenha começado com Chávez nem chegado ao fim com sua morte, o líder bolivariano deixou seu legado. Inaugurou duas universidades que são atualmente as maiores do país – possibilitando que milhares de estudantes tivessem acesso a um ensino antes restrito. Em parte, por virem da parcela mais pobre da população e carecerem da qualificação necessária, as expectativas desses estudantes ao ingressarem no ensino superior eram mais baixas. Assim, seria arriscado conceder diplomas profissionais que abrissem o mercado de trabalho para eles, ainda que no funcionalismo público [sic. "Thus, it would be a risk to earn professional degrees that would open the labor market to them, even if it was state employment", no original]. Esta expansão segue o modelo cubano de municipalización das universidades, com o controle total do Estado, neste caso eliminando o papel das universidades autônomas. Chávez só pensava nas universidades nos termos das metas da revolução. Assim, criou essas instituições com base numa abordagem doutrinária marxista, impedindo que se tornem seções de conhecimento variado.
 
Modernização: 1958
Em 1958, o sistema venezuelano de ensino superior definiu características modernas de autonomia, governança democrática, profissionalização dos funcionários acadêmicos, com a criação de muitas instituições diversas, a participação de uma parcela maior da população (não apenas com o papel dominante da classe mais alta) e uma maior permeabilidade das universidades às demandas sociais. O sistema de ensino superior teve forte expansão em todo o país. Em 1990, o país deu início a um plano geral para identificar e financiar a pesquisa científica, e os estudos de pós-graduação começaram a ser inaugurados em várias instituições estatais. Nessas quatro décadas, o sistema teve sucesso e foi capaz de formar líderes políticos e profissionais em todas as posições – indicando a criação de uma nova classe social e a legitimação da classe média. Entretanto, o sistema era ineficiente: não foi possível criar vagas nas universidades para acompanhar o crescimento da demanda. Apesar do treinamento positivo, os profissionais não puderam avançar e criar universidades de pesquisa num momento em que estas eram criadas em toda a América Latina.
 
O sistema de ensino superior
Chávez herdou um ensino superior que tinha como base o sistema diversificado e bem estabelecido, com universidades e outras instituições cobrindo as necessidades da sociedade, e os setores público e privado prestando um serviço de qualidade à população. Mas também foram introduzidos graves erros. Em 1975, o Estado inaugurou um programa amplo que oferecia bolsas de estudos aos universitários para que fossem ao exterior, na tentativa de acelerar o treinamento dos recursos humanos. Milhares de estudantes venezuelanos foram mandados à Europa e aos Estados Unidos, sendo que nem todos retornaram com seus diplomas profissionais. Isso foi feito em lugar daquilo que era de fato necessário: reforçar a qualidade das universidades e trazer do exterior os funcionários acadêmicos necessários. Chávez cometeu um erro parecido quando enviou milhares de estudantes a Cuba.
 
Entretanto, Chávez manteve o sistema de ensino superior inalterado, apesar de toda a retórica a respeito de sua revolução ideológica e política. Ele lançou políticas para expandir o acesso e tentou implementar na íntegra o modelo cubano de universidade – com o controle absoluto do Estado. Sob o controle do seu governo, as universidades se converteram em instituições dedicadas ao treinamento de profissionais com base na revolução, e não os profissionais necessários ao mercado – militarizadas e administradas de acordo com linhas de pensamento estritamente doutrinárias. Nesse esquema de gestão, as universidades deveriam ser administradas não por membros do corpo docente e discente, e sim com a participação de funcionários administrativos e trabalhadores manuais.
 
Em vez de anunciar políticas que pudessem ser aplicadas a todas as universidades, Chávez criou novas instituições para atender às necessidades da revolução, e não da sociedade. Permitiu o funcionamento do sistema convencional, mas introduziu nele seu próprio grupo.
 
Qualidade e futuro
O sistema venezuelano de ensino superior demonstra a incapacidade de promover avanços na qualidade – a meta de muitos países e instituições. Alguns dados apresentados pelas classificações universitárias de Xangai e da Times Higher Education mostram que as universidades venezuelanas estão sendo ultrapassadas por suas equivalentes na maioria dos países da região. A revolução tentou apenas criar sua própria visão socialista, isolada do fluxo internacional do conhecimento, que é obtido por meio da globalização e da internacionalização.
 
Quanto ao futuro, o sistema de ensino superior depende da situação política e econômica. Se os sucessores de Chávez forem capazes de se manter no poder, a regulação será acelerada e o Estado logo assumirá o controle total do ensino superior. Entretanto, o fato é que os anos de conforto financeiro do governo durante a época de Chávez chegaram ao fim. A Venezuela está prestes a entrar num período de encolhimento, que deve causar conflitos nas universidades. É claro que essa sociedade parece funcionar bem quando os recursos financeiros estão disponíveis sem restrição – isso vale para o sistema acadêmico. Há bastante espaço para reformas capazes de devolver as universidades ao rumo certo.
 
Limites ao intelecto venezuelano
Os feitos de Chávez no ensino superior foram modestos no seu desempenho e muito exagerados pela propaganda do governo. Entretanto, é grave o estrago feito nas universidades autônomas e no desenvolvimento acadêmico da Venezuela. Com a falta de apoio popular e as concepções equivocadas a respeito do papel do ensino superior na sociedade, o já falecido líder trouxe mudanças para o setor durante seus 15 anos de governo – expandir o acesso dos estudantes ao ensino e limitar o intelecto venezuelano.