10/04/2015

International Higher Education | 78

O elo perdido no desenvolvimento da competência intercultural: a capacidade organizacional de entrega da universidade

Jeanine Gregersen-Hermans
Diretora de Recrutamento de Estudantes na University of Hull no Reino Unido. Está em preparação de seu doutorado no Centro para Interancionalização do Ensino Superior na Universita Catolica, Milão Itália. E-mail: j.gregersen@hull.ac.uks
Alguém pode afirmar com segurança que a internacionalização é uma realidade estabelecida na maioria das universidades da Europa continental e que tem se tornado parte integral de estratégias institucionais para o ensino e a pesquisa. A maioria das universidades, de uma forma ou de outra, tem adotado uma dimensão internacional em suas estratégias, seja como núcleo para suas estratégias e completamente integrado na estratégia institucional geral, ou como pilar e linha de ação independente. 
 
O discurso acadêmico sobre das razões para internacionalização do ensino superior nos níveis supragovernamentais, governamentais e institucionais inclui comumente a conscientização cultural e o desenvolvimento da compreensão mútua. Por certo, a competência intercultural é uma razão tradicional que ao longo dos anos tem retido sua validade. Contudo, os valores subjacentes da “contribuição para um mundo melhor e mais pacífico têm mudado;” para o recrutamento e atração de talentos no contexto da sociedade do conhecimento; e da criação de “cidadãos globais” para o aumento de oportunidades de empregabilidade e “obtenção de conhecimento útil das profissões internacionalizadas da era pós-industrial.” O problema é que, além das declarações de que a “internacionalização está relacionada à diversidade de culturas” ou a “celebração da diferença cultural”, tais razões oferecem pouca clareza em como as instituições do ensino superior que ambicionam aumentar o aprendizado intercultural e o desenvolvimento da competência têm progredido nesse sentido.
 
A mudança de enfoque em resultados e avaliação: um passo à frente
Embora mudanças possam ser observadas no discurso da internacionalização - dos resultados em termos de tais atividades de internacionalização até os resultados de tais atividades relacionadas ao desenvolvimento da competência intercultural e como tudo isso é avaliado – a dúvida que surge é se alguém poderia afirmar com segurança se as universidades conseguiriam realmente entregar e aumentar a competência intercultural de seus graduados. Recentemente, Hawanini, professor na INSEAD, levantou graves preocupações sobre se a transformação relacionada a universidades verdadeiramente globais está realmente acontecendo. Embora considerada como bem sucedida em sua missão de internacionalização, as instituições poderão falhar na entrega de resultados relacionados a riqueza da experiência internacional e aprendizagem do estudante.   O processo da internacionalização pode falhar devido aos fundamentos institucionais em um contexto doméstico, inércia organizacional e barreiras institucionais. Esta analise deixa claro que qualquer abordagem para a internacionalização não deverá apenas levar em consideração os desenvolvimentos no ambiente externo nacional ou internacional. Fatores internos, tais como a cultura organizacional ou recursos internos disponíveis, são também fatores de influência. Um enfoque na capacidade organizacional de uma universidade de realmente entregar aos seus graduados a promessa de desenvolvimento de competência intercultural até agora parece ser um elo em falta nas estratégias das universidades da Europa continental no que tange à internacionalização, e recebe apenas atenção limitada na literatura acadêmica.
 
Capacidade organizacional: o elo em falta
Restrições na capacidade organizacional podem ser identificadas de acordo com três níveis na universidade: o nível institucional, o nível disciplinar acadêmico (conforme organizado em uma faculdade ou escola), e o nível do membro individual do corpo docente:
 
Nível institucional
Uma desconexão pode ser observada nas universidades da Europa continental entre as declarações estratégicas do desenvolvimento de competência intercultural e como os membros do corpo docente na realidade incluem este resultado de aprendizado em seus processos de ensino e em suas atividades diárias, caso existam. Isto é causado pela falta de conscientização do desenvolvimento de competência intercultural como um objetivo estratégico institucional; a falta de um vocabulário, objeto de um acordo comum sobre como a competência intercultural pode ser compreendida e desenvolvida; ou a falta de competência profissional para contribuir para o desenvolvimento da competência intercultural. Uma abordagem aceita de toda a universidade com relação ao desenvolvimento de competência intercultural para todos os estudantes é raramente encontrada. 
 
Como a diversidade é percebida em uma universidade e incluída na construção de atividades diárias depende da abordagem dada a diversidade em uma instituição especifica. Percepções no que tange a diversidade e o nível associado de competência intercultural institucional determina a relevância da competência intercultural e assim o enfoque das atividades de aprendizagem (o que); grupos alvos (para quem); e de que modo a avaliação e controle de qualidade são adaptados. Muitas universidades da Europa Continental perceberam que a inclusão do inglês como meio de instrução é uma das condições para alcançar seus objetivos de internacionalização com sucesso. Portanto, incluíram a competência da língua inglesa em seus requisitos de recursos humanos (RH) para seus corpos docentes e seus sistemas de garantia da qualidade. Requisitos integrados de RH relacionados à competência intercultural, avaliação do nível de competência intercultural dos membros do corpo docente – novos e /ou atuais e exigência de desenvolvimento de competência intercultural podem ser consideradas como raras exceções.
 
Apesar de evidências na literatura do contrário, a hipótese prevalente nas universidades é ainda de que a exposição à diversidade e os diferentes contextos internacionais levarão ao desenvolvimento da competência intercultural. Mesmo quando esse tipo de exposição leva a experiências pessoais transformativas, estas não são necessariamente interculturais. Ganhos em níveis de desenvolvimento de competência intercultural são em sua maioria auto-relatados, e os níveis percebidos são muitas vezes mais altos que os reais. Esta hipótese é mantida através da experiência pessoal dos membros do corpo docente, que passaram por períodos no exterior e ou que tem sido parte de uma comunidade acadêmica profissional internacional.
  
Nível disciplinar acadêmico
Uma disciplina e a comunidade de acadêmicos e estudantes que ela representa pode ser descrita como uma cultura que vai além das fronteiras culturais e nacionais. A epistemologia de uma disciplina referir-se-á à sua linguagem única, paradigmas e conceitos teóricos. A cultura de uma disciplina pode ser identificada por convenções disciplinares e como estas impactam a interação entre seus acadêmicos e o mundo exterior. Diferenças podem ser observadas entre um leque de disciplinas acadêmicas - línguas e linguística, as ciências sociais, economia, medicina e as ciências naturais – que também podem ser compreendidas como diferenças culturais. Uma cultura acadêmica forte pode levar a restrições para o desenvolvimento de competência intercultural. Competência intercultural, como habilidade transferível, será percebida como menos relevante para desempenhar com eficácia uma função dentro do contexto de uma disciplina acadêmica. Quando os estudantes “aderem” a uma disciplina acadêmica, eles são socializados no sentido de como as coisas são feitas dentro da disciplina, tanto através da aprendizagem formal como informal. Consequentemente, o impulso para desenvolver níveis avançados de competência para lidar com situações interculturais controversas e complexas está faltando.
 
Nível acadêmico individual
A área acadêmica é apanhada entre as demandas da disciplina e a ambição educacional de educar graduados para o mercado de trabalho globalizado. A integração da competência intercultural como um resultado de aprendizagem no ensino é percebida como algo que toma tempo valioso do enfoque na disciplina acadêmica.
               
As últimas décadas registraram a transformação de um ensino acadêmico centrado no professor em abordagens centradas mais no aluno. Para muitos acadêmicos, a mudança do papel do professor para o facilitador ainda é desconfortável. Agregar a habilidade de compreender diferenças culturais entre os estudantes e dentro de si mesmos, reconhecer incidentes interculturais e criar uma experiência de aprendizagem intercultural destes, demanda elevados níveis de competência intercultural de um acadêmico. Mesmo assim, tradicionalmente, estas habilidades não são parte da definição de uma universidade do perfil acadêmico. Este trabalho demanda habilidades didáticas e pedagógicas especificas sobre as quais um acadêmico poderá se sentir legitimamente inseguro.
 
Em suas aspirações de desenvolver graduados competentes interculturalmente, os líderes de universidades precisam enfocar não apenas os resultados. O trabalho institucional precisa ser feito no elo em falta: a capacidade organizacional da universidade de entregar os resultados desejados. Para aumentar o desenvolvimento da competência intercultural em seus graduados, as universidades devem enfocar o desenvolvimento e a implementação de resultados de aprendizagem específicos e genéricos de disciplina. Os líderes das universidades deverão apoiar o desenvolvimento do corpo docente e aumentar suas habilidades de facilitar salas de aula multiculturais e desenvolvimento de competência intercultural nos estudantes. Deverão também incluir a competência intercultural como um requisito básico em todas as especificações de trabalho e estruturas de RH. Para alcançar tal ambição, parece ser necessário um programa de mudança que atinja a toda universidade, com os recursos adequados e enfoque especifico no desenvolvimento de competência intercultural, no qual a instituição se envolva ativamente com seus participantes. Focar-se na habilidade organizacional de entregar resultados significa transformar a linha pontilhada entre rendimentos e resultados em uma linha sólida.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
Diretor da San Ives International Language Center
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