11/03/2014

International Higher Education

Novas reformas no ensino superior do Quênia

Ishmael I. Mumene
Mumene é professor assistente de pedagogia da Universidade do Norte do Arizona, em Flagstaff, Arizona. E-mail: Ishmael.Mumene@nau.edu
Na era da massificação, garantir a qualidade no ensino é um formidável desafio para as políticas públicas. A lei do ensino superior aprovada recentemente no Quênia - a Ata das Universidades 2012 - busca tornar o setor mais equilibrado na fiscalização da qualidade das universidades públicas, que funcionam como entidades autorreguladas, e as universidades particulares, que são sujeitas ao rigoroso controle regulatório. A nova lei é um reconhecimento de que embora as universidades privadas tenham amadurecido, as públicas começaram a apresentar sinais de decadência e idade. Atualmente, o país conta com cerca de 23 universidades públicas completas com um total de mais de 197 mil estudantes matriculados e 28 universidades privadas, 15 universidades chartered e 13 com Cartas de Autoridade Interina, com mais de 37 mil estudantes matriculados.
 
Embora o país tenha adotado as máximas neoliberais da privatização e marketização como estratégias para o desenvolvimento das universidades nos anos 1990, a lei do ensino superior anterior foi incapaz de acompanhar os novos desafios do desenvolvimento das universidades públicas e particulares na era posterior ao domínio do Estado. Numa estratégia de três frentes, a nova lei busca garantir a paridade e três áreas ligadas à qualidade: supervisão regulatória, admissão de estudantes e despolitização da governança.
 
Credenciamento
Para garantir a supervisão regulatória de todas as universidades, a nova lei estipula a criação da Comissão para o Ensino Universitário, cujo mandato cobre tanto as universidades públicas quanto as particulares. Até então, exigia-se apenas das universidades privadas que obtivessem concessões da Comissão do Ensino Superior depois de atenderem a condições rigorosas em termos de instalações físicas, funcionários e recursos de aprendizado. Consequentemente, conforme a qualidade melhorou nas universidades particulares, nas públicas houve uma deterioração. Enquanto o crescimento das universidades particulares era regulado, as universidades públicas abriam campi falsos em todo o país para sustentar seu orçamento. Uma universidade pública com capacidade para 30 mil estudantes tem cerca de 60 mil matriculados.
 
Agora exige-se de todas as universidades que solicitem a obtenção de concessões da Comissão para o Ensino Universitário até julho de 2013. Como parte dos rigorosos requisitos para a concessão, eles precisam atingir uma determinada proporção entre alunos e instrutores, que varia de acordo com o curso; garantir que os instrutores tenham a combinação certa de qualificações de mestrado e doutorado; oferecer laboratórios de ponta para os cursos técnicos e científicos; melhorar as bibliotecas; e racionalizar o desenvolvimento de seus campi satélites. A não observação destes índices de qualidade teve consequências desastrosas para as universidades públicas. A Faculdade de Direito da Universidade de Nairobi teve seu credenciamento revogado pelo Conselho de Ensino do Direito, enquanto o da Universidade Moi teve seu status alterado para pendente. Em comparação, todas as faculdades de direito das universidades privadas têm credenciamento pleno. De maneira semelhante, a Instituição dos Engenheiros do Quênia se recusou a aceitar os formandos das faculdades de engenharia da Universidade Kenyatta e da Universidade Masinde Muliro de Ciência e Tecnologia. Da mesma forma, a Associação de Técnicos de Laboratório Médico do Quênia se recusou a aceitar os formandos em tecnologia médica da Universidade Kenyatta. Em todos os casos essas entidades profissionais não puderam atestar a veracidade do currículo e das instalações das instituições.
 
Admissões
Até o momento, as universidades públicas - por meio da Comissão Conjunta de Admissões - admitiram todos os estudantes patrocinados pelo governo. Estes são os melhores alunos do ensino médio que atendem aos critérios da Comissão Conjunta de Admissões e pagam uma taxa de ensino bastante subsidiada que chega a US$ 400 por ano, comparados aos US$ 2.000 pagos pelos estudantes patrocinados por particulares nas universidades públicas e aos US$ 4.000 pagos pelos estudantes das universidades privadas. Presos nas universidades públicas, muitos estudantes patrocinados pelo governo que não conseguem ser aceitos em programas concorridos - como medicina, engenharia e direito - acabam buscando outros cursos. Em comparação, aqueles com nota de admissão mais baixa e os meios de fazê-lo podem procurar os cursos mais populares como candidatos patrocinados por particulares nas universidades públicas ou privadas. Os ricos têm escolha, mas os pobres não. Um sistema criado para ajudar aqueles em situação de desvantagem acabou por castigá-los.
 
A nova lei acaba com a Comissão Conjunta de Admissões e cria o Serviço Central de Vagas das Universidades e Faculdades do Quênia para cuidar das admissões em todas as universidades, públicas e privadas. Este Serviço Central de Vagas também vai trabalhar com o Conselho de Empréstimos para o Ensino Superior para escolher os estudantes que receberão bolsas e empréstimos, além de oferecer serviços de orientação de carreira para todos os estudantes. O efeito disto é dar aos estudantes em desvantagem opções adicionais de cursos e instituições, ao mesmo tempo aumentando a diversidade dos estudantes em todas as universidades e cursos.
 
Despolitização da governança
A relativa vantagem da qual as universidades estatais desfrutaram - em termos da supervisão regulatória mínima, do financiamento aos estudantes e das admissões - decorre da influência política exercida por elas. De acordo com a lei extinta, cada universidade operava de acordo com sua própria ata parlamentar reconhecendo como chanceler da universidade o chefe de Estado ou seu nomeado. O chanceler nomeava os membros do conselho da universidade e também o vice-chanceler (o diretor-executivo). Com associações políticas desse tipo, o governo podia conduzir as universidades em direções específicas, independentemente do impacto na qualidade acadêmica, enquanto as universidades podiam extrair grandes concessões do Estado. Assim, os vice-chanceleres das universidades públicas eram automaticamente membros do conselho da Comissão para o Ensino Superior, que regulava apenas as universidades particulares. Ocasionalmente, o governo buscou aumentar as matrículas nas universidades do Estado para além de sua capacidade conforme a demanda pelo ensino universitário cresceu vertiginosamente.
 
A Ata das Universidades de 2012 extingue as atas individuais das universidades, encerra o modelo do chefe de Estado como chanceler das universidades públicas, e elimina a participação dos vice-chanceleres das universidades públicas no conselho da nova Comissão para o Ensino Universitário. Os ex-alunos e os senados das universidades passarão a nomear o chanceler, um líder da comunidade de grande integridade moral conforme o estipulado na constituição. Os vice-chanceleres serão nomeados pelos conselhos das universidades, após uma busca competitiva no mercado. O objetivo é despolitizar a administração das universidades, ao mesmo tempo reforçando a governança compartilhada como forma de melhorar a garantia de qualidade.
 
O problema da qualidade
Aumentar as opções de escolha dos estudantes e reconfigurar a governança podem ser partes fáceis da reestruturação, mas ainda não se sabe se a nova lei vai melhorar radicalmente a qualidade do ensino superior no Quênia. Enquanto a demanda pelo ensino universitário permanecer insaciável e o governo continuar a ser um dos atores principais na definição da pauta da universidade, é difícil imaginar que os efeitos do mercado não deixarão cicatrizes nas universidades. O governo aumentou o número de universidades públicas de 8 para 23 em 6 meses de outubro de 2012 a março de 2013, por exemplo. Além disso, os 47 novos governos municipais, eleitos em março de 2013, estão contemplando cada qual a possibilidade de abrir uma universidade, independentemente da crítica escassez de mão de obra que afeta as universidades já existentes. É importante notar também que, com exceção da Universidade Strathmore e da Universidade Internacional dos Estados Unidos, todas as universidades particulares imitaram as universidades públicas na criação de campi satélites em todo o país, medida que foi muito ridicularizada e enfrentou a falta de recursos, mas trouxe um aumento da renda. A Universidade Monte Quênia, a maior das instituições particulares, chegou até a ultrapassar as públicas na corrida dos campi satélites, lançando campi transnacionais no Sudão do Sul e Ruanda.