10/01/2014

International Higher Education

Novas missões e ambições para as universidades russas

Tatiana Kastouéva-Jean
Katsouéva-Jean é pesquisadora bolsista do Instituto Francês de Relações Internacionais, Paris. E-mail: jean@ifri.org
Alexander Utkin, RIA Novost
As universidades russas estão enfrentando muitos desafios novos. No nível doméstico, as autoridades russas lhes pedem que treinem profissionais altamente qualificados para a economia nacional, mas também que se tornem participantes importantes na pesquisa, no desenvolvimento e na inovação. Tradicionalmente, este papel era desempenhado pela Academia Russa de Ciências, que enfrentou dificuldades para se renovar e, com isso, perdeu legitimidade. No nível internacional, o presidente Vladimir Putin quer cinco universidades russas entre as 100 mais bem classificadas do mundo até 2020. Além dos dividendos econômicos que resultam dos esforços para atrair estudantes estrangeiros, contar com tais instituições de ponta é algo que deve melhorar a imagem da Rússia enquanto potência educacional e científica internacional. Apesar dos esforços (a Rússia participou do processo de Bolonha em 2003, por exemplo), a internacionalização do ensino superior russo continua fraca: em 2010, a Rússia recebeu 3,9% dos estudantes internacionais de todo o mundo, e a maioria destes veio dos países membros da Comunidade de Estados Independentes (ex-União Soviética). Há apenas duas universidades russas na Shanghai Academic Ranking of World Universities: a Universidade Estatal de Moscou, na 80ª posição, e a Universidade Estatal de São Petersburgo, na 100ª posição. A Rússia parece ter diante de si um longo caminho até a liderança internacional.
 
Condições iniciais difíceis
Nos anos 1990 e no início da década de 2000, as universidades russas passaram por um difícil período de transição, com recursos estatais insuficientes. Durante esse período de orçamento limitado, elas tiveram que desenvolver estratégias de sobrevivência: as universidades, incluindo os estabelecimentos públicos, ampliaram o pagamento por serviços educacionais (como resultado, 60% dos estudantes atualmente matriculados pagam taxas) e abriram franquias regionais e departamentos encarregados do ensino de disciplinas em grande demanda (principalmente direito, economia e administração). Os membros de um corpo docente mal pago e de idade avançada acumulavam cargos em múltiplos estabelecimentos e aulas particulares para dar conta das despesas. O crescimento no prestígio ligado aos diplomas e, simultaneamente, a democratização do ensino superior incentivaram a disseminação de práticas corruptas, plágio e até a compra direta de diplomas. Feitas raras exceções, a qualidade do treinamento se deteriorou.
 
Além deste desafiador legado, demografia dos estudantes é um fator preocupante para o futuro. Por causa da baixa taxa de natalidade nos anos 1990, o número de jovens com idade entre 14 e 19 anos caiu de 11 milhões em 2007 para 7,6 milhões em 2012. No curto e médio prazo, esta situação demográfica representa um desafio para as universidades. Fechamentos, reorganizações e fusões serão obviamente necessários para administrar o excesso de capacidade no ensino superior. Tais processos já estão encaminhados: entre 2008 e 2012, 88 estabelecimentos desapareceram e a população estudantil teve um encolhimento de 1.460.000 jovens. É claro que a concorrência entre as universidades pelos candidatos será acirrada nos próximos anos.
 
As coisas mudam...
Desde 2005, o governo buscou reverter as tendências negativas no setor e modernizar o sistema de ensino. O financiamento do Estado para o ensino superior aumentou de 119 bilhões de rublos em 2005 (US$ 4 bilhões) para 402,4 bilhões em 2011 (US$ 13 bilhões). Em outubro de 2012, o primeiro-ministro Dmitri Medvedev prometeu que o gasto com a educação será igual ao gasto com defesa já em 2020. Éa primeira vez na história russa que ensino e defesa recebem o mesmo peso entre as prioridades nacionais. Entretanto, o gasto médio por estudante continua extremamente baixo mesmo nas universidades de ponta (US$ 8 mil, comparáveis à média de US$ 14 mil nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico ou à média de US$ 30 mil nos Estados Unidos).
 
Três Iniciativas de Excelência foram lançadas para escolher as universidades mais promissoras. Foram criadas as novas categorias "Universidades Nacionais de Pesquisa" e "Universidades Federais" (criadas por fusões em certas regiões), representando 5% de todas as universidades russas. Estas receberam um volume significativo de recursos adicionais, e agora algumas contam com laboratórios e equipamentos modernos, capazes de dar inveja em muitas universidades ocidentais. Várias medidas foram adotadas para integrar ensino e pesquisa, para aproximar as universidades das empresas e para incentivá-las a criar startups e incubadoras de empresas. O governo russo se inspirou claramente no modelo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e da Universidade Stanford.
 
... mas não o bastante?
Alguns fatores deixaram de receber a devida atenção. Com isso, o sucesso das reformas corre risco. Primeiro, o capital humano das profissões de ensino e pesquisa precisa ser reconsiderado. Isto vai exigir um salário apropriado - no momento, isto é apenas uma promessa na maioria das universidades - e um aumento no prestígio social para atrair os professores mais talentosos. Isto deve substituir o recrutamento por cooptação; e algumas universidades, 90% dos professores são recrutados entre os ex-alunos. Cursos preparados de maneira automática, a compartimentalização entre as disciplinas e os antigos métodos de ensino devem ser mudados. A reputação científica de cada pesquisador deve ser tão importante quanto um salário apropriado. Recentemente, uma longa lista de escândalos envolvendo o plágio de dissertações demonstrou não apenas o grau de corrupção existente no sistema de ensino superior, mas também o baixo nível das atividades de pesquisa na Rússia. As barreiras entre pesquisa e ensino devem ser abolidas: os professores têm status e salário diferentes dos pesquisadores, e a carga horária de ensino é três ou quatro vezes maior do que no Ocidente.
 
Esta separação tradicional entre ensino e pesquisa é a segunda das armadilhas para a meta das missões nacionais e internacionais das universidades. Em 2010, as universidades correspondiam a apenas 15% do total de organismos nacionais de pesquisa, empregando 6,4% dos funcionários de pesquisa e desenvolvimento de toda a Rússia, enquanto sua parcela dos gastos nacionais em pesquisa e desenvolvimento representava 8,4% do total. Atualmente, nos países da OCDE, esta parcela é em média de 26,6%. É claro que as universidades têm muito a progredir.
 
Em terceiro lugar, o Estado busca estabelecer o modelo ideal de uma hora para a outra. Esta abordagem mecanicista não leva em consideração numerosos obstáculos: a duração dos processos naturais, as relações com uma série de fatores sócio-econômicos, o interesse dos envolvidos, a inércia do sistema e a resistência institucional. Isto pode incentivar uma implementação mecânica e superficial dos indicadores quantitativos dos programas de desenvolvimento para satisfazer o ministério e, assim, preservar o volume de financiamento estatal. O número de startups criadas pode ser impressionante, por exemplo, mas o valor produzido por estas costuma ser baixo, seus produtos são pouco competitivos e sua viabilidade em condições econômicas reais é questionável.
 
Em quarto lugar, apesar do status recém criado dos estabelecimentos autônomos, até as melhores universidades russas se veem limitadas pelo papel dominante e pelo controle absoluto exercido pelo ministério, que toma todas as decisões, desde o número de vagas "subsidiadas" (gratuitas) para os estudantes de cada região e especialização até os salários e a utilização dos recursos. Num momento em que ambiciosos programas de desenvolvimento não têm sido acompanhados por mecanismos adequados de implementação, existe o risco de a reforma do ensino russo encalhar no curto a médio prazo. Levando-se em consideração a dura concorrência estrangeira, as universidades russas correm o risco de serem relegadas permanentemente à periferia do espaço global de ensino.