27/01/2015

International Higher Education | 76

Mudanças sistemáticas na China

Qiang Zei e Chuanyi Wang
Qiang Zha é professor associado na Faculdade de Educação, York University, Toronto, Canadá. E-mail: qzha@edu.yorku.ca. Chuanyi Wang é pós-doutorando no Instituto de Educação, Universidade Tsinghua, Pequim, China.
O ensino superior chinês impressionou o mundo com seu ritmo incrível de expansão, desde o final da década de 1990. Enquanto isso, o sistema chinês tornou-se uma hierarquia íngreme, que atrai enormes preocupações sobre se o ensino superior ainda pode facilitar a mobilidade social. Por trás da cena, não é segredo que mais de 30 por cento dos graduados de instituições de baixo nível estão agora tendo dificuldades em encontrar emprego após a formatura, enquanto as universidades de alto prestígio são acusadas ​​de fomentar o “egoísta refinado” entre seus alunos. Na era pós-expansão, o sistema chinês claramente precisa abordar questões relativas à ampliação do caminho da mobilidade social (de forma perceptiva e prática) e aumentar a relevância da participação no ensino superior. As alterações estão de fato ocorrendo no ensino superior chinês.
 
Mudanças que ocorrem no sistema chinês
No topo da hierarquia, parece haver um movimento paradoxal no sentido da “recentralização”. O ensino superior chinês passou claramente por um processo de descentralização na década de 1990, em que cerca de 250 universidades que costumavam ser administradas pelos ministérios centrais passaram então para a jurisdição dos governos provinciais. Nesse ínterim, o setor local do ensino superior cresceu rapidamente, dominando a maior expansão da educação da China desde o final da década de 1990. Cerca de 500 novas universidades surgiram a partir da fusão e modernização de faculdades locais, enquanto surgiram ainda mais faculdades de formação profissional e instituições particulares. Consequentemente, as universidades nacionais representam agora uma parcela muito menor do sistema chinês – 6,6 por cento em termos de proporção de todas as instituições, e 8,7 por cento de todas as matrículas em 2010 (contra 32,8% e 43,9% em 1989) – enquanto o setor local compõe agora o volume absoluto do sistema, sendo responsável por 93,4 por cento e 91,2 por cento, respectivamente, em 2010. Essas mudanças, junto com planos da universidade de elite, como os Projetos 985 e 211, por sua vez, servem para hierarquizar ainda mais o sistema chinês.
 
A partir de 2004, o Ministério da Educação da China (MoE), lançou uma iniciativa de copatrocínio de um seleto grupo de universidades locais com os governos provinciais, particularmente nas províncias sem quaisquer universidades nacionais. As universidades locais selecionados neste esquema gozariam de status semelhante ao das universidades nacionais filiadas ao Ministério da Educação, com mais apoio (fundamentalmente em termos de recursos e planejamento estratégico) do ministério. Até o momento, existem 35 dessas universidades locais que foram “aprimoradas” para este status seminacional. Alguns outros ministérios centrais (por exemplo, o Ministério da Agricultura, o Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação, Ministério dos Transportes, Ministério da Cultura, Ministério de Recursos Hídricos, etc.) vêm seguindo o exemplo e gradualmente co-patrocinaram cerca de 100 universidades e faculdades com os governos provinciais. A maioria dessas universidades e faculdades foi originalmente administrada por esses ministérios centrais, e mais tarde descentralizada para o controle local. Agora, elas estão de alguma forma “recentralizadas”. Este movimento recolocou o tamanho agregado de universidades nacionais e seminacionais quase de volta ao nível de antes da descentralização.
 
As mudanças ocorreram também nos níveis mais baixos/locais. Centenas de universidades locais recém-fundadas surgiram em meio à expansão da matrícula. Inicialmente, elas seguiram as universidades veteranas com relação a suas ofertas curriculares e programas e desempenharam um papel importante de absorver o aumento da matrícula, juntamente com os setores de rápido crescimento de escolas de formação profissional superior e instituições privadas. No entanto, elas logo experimentaram um momento difícil. A fim de assegurar a qualidade de suas ofertas curriculares e programas, o Ministério da Educação colocou essas novas universidades no âmbito de um regime de avaliação periódica e basicamente as aferiu pelas universidades plenamente desenvolvidas. Isso não apenas aplica enorme pressão sobre elas, mas também as coloca em uma competição sem esperança, com suas colegas com uma história muito mais longa. Pior ainda, essa competição rapidamente se estendeu para os seus diplomados no mercado de trabalho. Seus graduados, muitas vezes perdiam dos colegas das universidades mais antigas sobre reputação institucional e qualidade de programa e até mesmo para os de faculdade vocacionais superiores e instituições particulares, sobre a relevância de suas concentrações de programa e habilidades aprendidas. Como resultado, muitas das universidades novas buscam agora transformar suas ofertas curriculares e programa e fazem questão de se rotularem de Fachhochschule – universidades de ciências aplicadas.
 
Para facilitar essa transformação, o Ministério da Educação iniciou um projeto em 2013 que tem como objetivo introduzir a estrutura institucional de universidades do tipo aplicadas, de origem europeia, no sistema chinês e apoiou a criação de uma aliança nacional de tais instituições. Tendo em conta que o tipo de instituição é novo para os formuladores de políticas e profissionais de ensino superior na China, esta aliança serve como centro de atividade para se inspirar na experiência europeia e explorar suas boas posições em solo chinês. Seus participantes cresceram rapidamente para mais de 150 universidades locais. Este tipo de “ações coletivas” foi observado ainda mais cedo no nível local. Por exemplo, na província de Anhui, na China central, 16 universidades (de um total de 33 da província) formaram um consórcio semelhante em 2008, ajudando umas às outras com ideias atraentes, experiências e funções da Fachhochschule alemã em suas próprias operações. Agora um consenso foi formado entre essas universidades recém-fundadas no nível local – que eles precisam seguir um caminho alternativo para as universidades convencionais e focar em ofertas curriculares e programas em áreas aplicadas. Eles veem este caminho como a solução para lidar com sua deficiência em termos de competitividade na atração de estudantes e preparar a sua empregabilidade.
 
Surge na China um setor de universidade aplicada
Parece que a China está mudando para um sistema de ensino superior binário que se estende até o nível universitário, desde um unitário e estratificado atual, onde todas as instituições são governadas e medidas de acordo com um único conjunto de critérios. Embora seja agora prematuro, afirmar que um sistema binário já tomou forma no ensino superior chinês, há mais evidência que suporte tal especulação. O Ministério da Educação determina que novas universidades tenham direito a candidatar-se a oferta de cursos avançados, após oito anos operando cursos de graduação. Agora, algumas dezenas de tais universidades estão começando a oferecer programas de mestrado – com clara relevância para as necessidades locais – e até programas de doutorado profissional. Ultimamente, o Ministério da Educação lançou um projeto piloto, por um determinado período de 2012 a 2017, que permite a novas universidades oferecerem programas de graduação, mestrado e doutorado, mesmo antes de completarem os anos mínimos de operação de programas como de graduação –  desde que possam provar que seus avançados programas de graduação estejam explicitamente voltados para atender às necessidades específicas do desenvolvimento local, regional e nacional. Mais recentemente, um vice-ministro do Ministério da Educação divulgou em 22 de março de 2014 que a China vai adotar em breve a seleção de faixa dupla de participantes universitários, um para universidades com foco acadêmico, e outro para as instituições do tipo aplicado. Ele revelou ainda que o Ministério da Educação estava preparado para converter cerca de 600 universidades locais para as de ciências aplicadas.
 
Assim, é provável que o ensino superior chinês venha a ter dois setores paralelos e distintos. Um compreenderá as universidades nacionais, seminacionais, e as universidades locais incluídas no Projeto 211, assim como algumas dezenas de universidades locais tradicionais. Elas não são mais de 500 no total e fornecem uma ampla gama de programas nas disciplinas e profissões estabelecidas e cada vez mais em artes liberais e educação geral. São acadêmicas e “cosmopolitas” em suas perspectivas e, como tal, apoiam o seu corpo docente para conduzir a pesquisa intensiva e treinar a próxima geração de pesquisadores. Instituições menos seletivas serão compostas das novas universidades, escolas de formação profissional superior e instituições privadas.  É uma tarefa gigantesca, incorporar perto de 2.000 universidades e faculdades, que são locais e com ensino e serviço orientados. Se elas realizam qualquer pesquisa, isso existe como pesquisa aplicada. A limitada mobilidade ascendente, no âmbito desta última, é agora possível. Uma certa proporção de formados na faculdade pode continuar a estudar nas universidades locais participando de um concurso.
 
Com uma faixa etária da população chinesa encolhendo, espera-se que essa mobilidade seja ampliada e melhorada na próxima década. No entanto, a partir de 2008, todas as universidades dos projetos 985 e 211 não estão autorizadas a receber graduados de faculdades através da articulação deste arranjo.
 
Essa mudança ajuda a diversificar a interpretação da qualidade da educação superior e contribui para a sua relevância, ao mesmo tempo melhorar a equidade, fornecendo caminhos alternativos. Isto é de particular importância em um sistema como o da China, que tem uma forte tradição de meritocracia e elitismo na educação superior, que enfatiza uma dimensão única para avaliar o mérito e tende a dividir verticalmente todas as instituições de ensino superior. Por outro lado, resta provar se a mesma tradição de meritocracia e elitismo poderia finalmente conduzir mudanças na direção acadêmica (isto é, tendência acadêmica).  Apesar de tudo, no entanto, a partir do início de 1950 até o início de 1980, quando o ensino superior chinês foi “sovietizado”, as universidades politécnicas receberam de fato o alto status no sistema.