27/01/2015

International Higher Education | 77

Mobilidade global de estudantes: o cenário em mutação

Philip G. Altbach e David Engberg
Philip G. Altbach professor pesquisador e diretor do Centro para o Ensino Superior Internacional no Boston College. E-mail: altbach@bc.edu. David Engberg é diretor executivo da Global Opportunities Group, uma empresa de consultoria. E-mail: dave@g-o-group.com. Este artigo foi publicado no New Statesman, Londres.
A mobilidade de estudantes é o coração da globalização do ensino superior.   Embora o enorme número de cursos abertos online (MOOCs) sigla em inglês para “massive open online courses” Programas de Extensão de Campi, centros de educação possam ser amplamente conhecidos e informados, os estudantes que cruzam as fronteiras para estudar permanecem como o elemento de internacionalização mais importante e único. Mais de 4.3 milhões de estudantes participaram de programas no exterior em 2011, representado além do dobro do número da década anterior. Em sua grande maioria para obtenção de um diploma do ensino superior, embora muitos permaneçam por um semestre, ou um ano de experiência no exterior. O fluxo de estudantes internacionais está mais direcionado do sul para o norte, e principalmente da Ásia para as principais instituições acadêmicas falantes do idioma inglês do Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália, embora elevados números também estudem na França, Alemanha e outros países.
 
Contrariamente à sabedoria popular, a maioria desses estudantes são responsáveis pelos os próprios custos —assumem o custo integral de suas trajetórias educacionais —muitas vezes trazendo para os países anfitriões e suas universidades elevadas somas. Ao mesmo tempo, custam às suas famílias e às balanças de pagamento de seus países valores elevados. Programas de estudos no exterior representam hoje um grande negócio, para o Reino Unido e para os Estados Unidos, cada um arrecadando cerca de US$24 bilhões ao ano. A mobilidade internacional é uma despesa substancial para os países de envio, principalmente para os estudantes e suas famílias e até certo ponto para os governos. Por que estudar no exterior? As razões são múltiplas e incluem a obtenção de conhecimento e credenciais não disponíveis em casa, a obtenção de prestigio de uma formação no exterior, o ganho de acesso em outros países, quando as portas podem estar fechadas no país de origem, e, obviamente emigração. Por exemplo, cerca de 80 por cento dos estudantes estrangeiros em processo de doutorado nos Estados Unidos, advindos da China e Índia, não retornam ao país de origem imediatamente após a colação de grau. 
 
Tendências contemporâneas
Há um número de tendências discerníveis no mundo da mobilidade global de estudantes. Entre elas estão:
             A comercialização da mobilidade internacional: os países anfitriões cada vez mais veem os estudantes internacionais como geradores de receita. O Reino Unido e a Austrália têm sido bastantes agressivos a esse respeito, cobrando de estudantes estrangeiros taxas mais elevadas que aquelas dos estudantes locais, (exceto no caso do Reino Unido para os dos países de Bolonha) na esperança de arrecadação de receita para os sistemas de ensino superior sem dinheiro. Pelo menos dois estados americanos, Nova York e Washington, e muitas universidades têm identificado os estudantes estrangeiros como geradores de divisas. Parlamentares em Washington propuseram um aumento de 20 por cento nas taxas de matricula para estudantes internacionais. Em duas bem conceituadas universidades do centro oeste americano, os estudantes internacionais pagam taxas além da matricula.
             A expansão da mobilidade dos estudantes de graduação: tradicionalmente, a maioria dos estudantes estudando no exterior era de pós graduação ou estudantes profissionais. Estes ainda constituem a grande maioria, mas a maior área de crescimento ainda está entre os estudantes de graduação. Nos Estados Unidos, as matriculas de estudantes de graduação ultrapassaram as de pós graduação pela primeira vez em 2011, e essa disparidade continua crescendo. 
             O compromisso constante da Europa com a mobilidade estudantil. A União Europeia se destaca globalmente como uma região, onde a mobilidade dos estudantes e do docente é uma alta prioridade para os políticos. Evidência disso é o recém programa da União Europeia "Erasmus+", com um orçamento de €14.7 bilhões, que tem como objetivo oferecer oportunidades para mais de 4 milhões de europeus para estudarem, serem treinados, ganharem experiência e se voluntariarem no exterior entre o período de 2014–2020. Contudo há imensas diferenças por toda Europa em termos de políticas em nível nacional, mecanismos de ajuda e resultados práticos das iniciativas da mobilidade estudantil. Tais discrepâncias por toda região têm sido exacerbadas pela crise econômica de anos recentes, que tem apresentado desafios difíceis para muitos países europeus que tentam expandir e até mesmo manter oportunidades de mobilidade do ensino superior para seus cidadãos.
             Padrões geográficos mais diversos de mobilidade: Enquanto a mobilidade global permanece principalmente como um fenômeno do Sul para o Norte, os fluxos têm se tornado mais variados e complexos. Vários países de envio também têm se tornado nações anfitriãs. Um exemplo é a Malásia, que hospeda aproximadamente 58,000 estudantes internacionais e tem se posicionado como um “centro de educação” Enquanto que ao mesmo tempo 54,000 malaios estudam no exterior. Singapura e Hong também são centros educacionais. O Egito hospeda estudantes de outros lugares do mundo islâmico. A China, o maior país de envio, também hospeda 77,000 estudantes internacionais uma porção substancial destes aproveitam as bolsas de estudo do governo para estudarem gratuitamente.
 
Programa nacional de bolsas
Nossa pesquisa recente, patrocinada pelo British Council e o Deutsche Akademische Austauchdienst (Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão), examina as bolsas de estudos patrocinadas pelo governo, bolsas de mobilidade externa em 11 países — Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, Cazaquistão, México, Paquistão, Rússia, Arábia Saudita e Vietnam. Entre os principais questionamentos estão incluídos: Por que são estabelecidas? Como são administradas e subsidiadas? Quem participa? E que impacto têm? Os resultados preliminares revelam similaridades e diferenças nas abordagens.
 
Em termos de escala, o Brasil, a Arábia Saudita, e a China têm assumido os maiores compromissos. O programa Ciência sem Fronteiras do Brasil, lançado em 2011, tem como objetivo enviar um total de 101,00 estudantes de graduação e de pós graduação ao exterior para formação integral ou parcial, até 2015.
 
O Programa de Bolsas do Rei Abdullah da Arábia Saudita é até mais ambicioso. O programa oferece bolsas de estudo de formação integral para mais de 164,000 estudantes, a maioria dos quais estuda nos Estados Unidos. Financiado até 2020.
 
Desde de 2007, a China estabeleceu programas de bolsas de estudos de bacharelado, mestrado e doutorado que enviaram aproximadamente 11.000 estudantes ao exterior a cada ano. Não foram estabelecidas datas de encerramento para esses programas, sugerindo que as mesmas pudessem diminuir a validade dos esquemas do Brasil e da Arábia Saudita.  
 
Em cada um dos países remanescentes, estamos estudando os totais das bolsas de mobilidade que se equiparam a cerca de 1,000 por ano. A Índia foi a única exceção. Apesar de matricular mais de 20 milhões de estudantes e de representar o terceiro maior sistema de ensino superior do mundo, atrás da China e dos Estados Unidos, o governo financia apenas um programa que envia ao exterior 30 estudantes advindos de grupos sub representados a cada ano, em busca de programas de mestrado e doutorado.  
 
Quando analisamos os motivos pelos quais os países estabelecem programas de bolsas de estudo no exterior, motivações similares emergiram. A mais comum foi o interesse em desenvolver capacitações em campos importantes, na maioria deles em ciências e tecnologias relacionados que não estavam disponibilizados ou eram de qualidade inferior nas próprias universidades dos países. Esta motivação não era surpreendente, já que em graus diferentes, todos os países em nosso estudo lutam para melhorar o crescimento econômico e a competitividade global.
 
Outro objetivo partilhado são as melhorias da infraestrutura do governo e da educação. A Indonésia   e o Vietnam, por exemplo subsidiam através de bolsas que enviam a programas de doutorado educadores universitários atuais e prováveis; em ambos os países poucos acadêmicos são doutorados. O programa SPIRIT da Indonésia concede subsidio governamental para funcionários públicos em 11 agências nacionais, com o objetivo de melhorar regulamentos civis e recursos humanos. As novas bolsas de estudo de mestrado e doutorado da China foram desenvolvidas como um esforço para aumentar a colaboração com as universidades no exterior, contribuir para melhorias no ensino e na pesquisa e encorajar a reforma administrativa. Em cada país, as bolsas de estudo do governo são também consideradas como uma forma de apoiar estudantes excepcionais, melhorar as suas perspectivas de carreira, e suas habilidades de comunicação, especialmente na língua inglesa.
 
Quem estão recebendo estas bolsas de estudo do governo? Nossa pesquisa não coletou os dados demográficos que permitiriam um exame refinado da participação por sexo, idade, etnia, ou o status socioeconômico. Em geral, contudo, a participação se correlaciona proximamente com os objetivos do programa. Na China, por exemplo, os candidatos a bolsas de estudo, de quem se espera ajudar na construção de universidades de elite, devem estar matriculados nas melhores instituições chinesas. Apenas funcionários do governo na Indonésia poderão se candidatar para os programas de bolsas de estudos, motivados no sentido de promover a reforma civil. Por outro lado, percebemos que os critérios de admissão são geralmente claros, não discriminatórios e com base em mérito.
 
A formas com que os programas de bolsas são administrados diferem entre e dentro dos países. Em alguns casos, são administrados pelo ministério da educação. Em outros, são organizados em conjunto entre um órgão governamental e a universidade ou uma organização como o British Council, que é afiliada com um governo estrangeiro. Um modelo mais recente e popular, especialmente para programas grandes, está sujeito a uma organização sem fins lucrativos afiliada ao governo. Por exemplo, no caso do Cazaquistão, antes de 2005, o Ministério de Educação e Ciência administrava o programa Bolashak, o principal programa de mobilidade externa, mas contratou agencias de outros países para ajudar a identificar as instituições anfitriãs e preparar os bolsistas para suas experiências de estudo. Na sequência de uma auditoria que revelou ineficiências nesta abordagem, o Centro para os Programas Internacionais, uma empresa de sociedade por ações cazaque foi fundada e controla as operações diárias. 
 
Nossa pesquisa revelou que os governos predominantemente financiam eles próprios as bolsas de mobilidade externa. O Egito e Paquistão são duas exceções. Ambos os países subsidiam um número de pequena escala de concessões, principalmente para dar suporte a estudantes de pós graduação, mas muitas vezes em parceria com governos estrangeiros ou organizações que   garantem os custos parciais ou integrais das bolsas de estudo.
 
Embora as bolsas de mobilidade externa patrocinadas pelo governo sustentam apenas uma pequena proporção dos estudantes internacionais do mundo, por outro lado, constituem uma fonte substancial de fundos. Na tentativa de maximizar seus investimentos e limitar a fuga de cérebros, muitos países agora requerem que os bolsistas retornem ao país de origem para trabalhar quando concluem o programa de estudos no exterior. A China, Indonésia, Cazaquistão, Rússia, e Vietnam, entre outros têm instituído requisitos de retorno ao trabalho, com grandes penalidades pela quebra das regras contratuais. 
 
Com centenas, as vezes milhares de cidadãos bem instruídos que retornam para casa a cada ano, as bolsas de mobilidade externa estão claramente representando um impacto nos países que as subsidiam. Mesmo assim, a avaliação do impacto é difícil de ser mensurado — em parte pelo fato de alguns países apenas terem estabelecido procedimentos formais para mensurar os resultados que vão além de contarem os ex participantes dos programas educacionais.
 
Mesmo assim, o fato do número desses programas estar aumentando, sugere que os países acreditam que os impactos dos mesmos excedam os seus custos. Quanto mais não seja, os programas representam uma maneira adequada para os países com oportunidades educacionais locais limitadas ou inferiores para investir em áreas de necessidade de conhecimento crítico; promover a reforma institucional; melhorar as comunicações e conexões com as pessoas e organizações no exterior; e dar suporte aos seus estudantes mais brilhantes e melhores. Também poderão ser simbolicamente importantes, representando o esforço de abertura de um país (publicamente financiado) para se engajar com as comunidades do conhecimento e do ensino superior. Isso poderá ser visto como um aspecto de pequena escala, mas mesmo assim crucial para estratégias de desenvolvimento nacional hoje.
 
Conclusão
Hoje, as bolsas de mobilidade externa são um aspecto comum crescente do cenário complexo da globalização em expansão. Embora os benefícios das bolsas de estudo no exterior virem diretamente para indivíduos, o bem coletivo, o aumento no número de nações que as utilizam, implicam que são também vistas como um investimento positivo no bem público. 
 
Nossa pesquisa indica, em geral, que os esquemas de mobilidade externa realmente produzem benefícios positivos em níveis múltiplos: individual, institucional e nacional. As experiências dos países que estudamos também demonstraram que se faz necessária uma análise honesta e cuidadosa para que se tomem as decisões inteligentes relacionadas aos objetivos e resultados, precursores importantes para a função e forma de um programa e que a administração eficaz para incluir a atenção relacionada às questões do retorno e reentrada é fundamental para o sucesso efetivo do programa.
 
Em resumo, um conjunto de fatores complexos, únicos para cada país devem ser considerados no desenvolvimento de um programa de sucesso para atingir seus objetivos pretendidos.
 
Este texto foi traduzido e revisado sob a coordenação de
Sergio Azevedo Pereira
Diretor da San Ives International Language Center
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