27/01/2015

International Higher Education | 77

Longa estrada à frente: a modernização das universidades chinesas

Yang Rui
Professor e diretor no Comparative Education Research Center, Universidade de Hong Kong. E-mail: yangrui@hku.hk
Introdução: perspectiva histórica de questões contemporâneas

Adam Nelson, Coordenador
Professor de Política Educacional e História na University of Wisconsin-Madison. E-mail: anelson@education.wisc.edu

Na primavera de 2013, a WUN Rede Mundial de Universidades, sigla em inglês para World wide Universities Network elaborou um relatório para ajudar aos líderes da universidade a refletir sobre o futuro do ensino superior. A rede perguntou: Qual será o cenário do ensino superior internacional para a próxima geração? Que desafios e oportunidades as universidades têm pela frente, especialmente as universidades de pesquisa “global”? Em resposta, convoquei um grupo de historiadores proeminentes ao redor do mundo para considerarem de que maneira as universidades no passado responderam a grandes mudanças históricas. Em especial, solicitei que cada um escrevesse um breve ensaio, identificando “um momento chave” na internacionalização do ensino superior: o momento em que as universidades responderam às novas circunstâncias históricas, através da reorientação de suas relações com o mundo mais amplo. O que se segue são três ensaios do relatório. O relatório integral pode ser encontrado em:  http://www.insidehighered.com//blogs/globalhighered/universities-2030-learning-past-anticipate-future#sthash.kLZr18j2.dpbs  assim como em http://globalhighered.wordpress.com/

As universidades atuais são exclusivamente de origem e características europeias, espalhando-se em todo o mundo sob as condições do imperialismo e do colonialismo como resultado do aumento da história humana ocidental moderna. Assim, as universidades nas sociedades não ocidentais aceitaram os valores ocidentais subjacentes que podem não refletir com precisão a sua própria cultura e tradições. Para as sociedades não ocidentais, indigenizar o modelo ocidental tem sido uma tarefa árdua para o seu desenvolvimento de universidades modernas.
 
Com raízes culturais e heranças de ensino superior muito diferentes, a tentativa da China de integrar ideias chineses e ocidentais de uma universidade é particularmente ilustrativa. Embora a China seja uma civilização antiga com tradições extraordinariamente ricas de ensino superior, as universidades modernas são um conceito importado para a China. O antigo sistema de educação chinês foi estabelecido durante o período Yu (2257-2208 a.C.), e as primeiras instituições de ensino superior da China surgiu na dinastia Zhou ocidental (1046-771 a.C.). A famosa Academia Jixia foi estabelecida 20 anos antes da Academia de Platão, na Grécia.
 
A lógica do sistema chinês
Educação superior chinesa foi desenvolvida de acordo com sua própria lógica. De um modo geral, é focada no conhecimento da sociedade humana, em vez do conhecimento das ciências naturais. Ela geralmente ignorou o conhecimento sobre o resto do mundo e confinou a disseminação do conhecimento ao nível provincial. O foco central da China foi a utilidade política, definida pelas classes dominantes e, assim, começou seu sistema de ensino superior com uma relação fundamentalmente diferente entre o estado e o ensino superior. Enquanto que as universidades do mundo ocidental às vezes (talvez muitas vezes) entraram em confronto com o poder do estado, as instituições de ensino superior na China eram servas fiéis do imperador e da aristocracia.
 
Os exames imperiais e as academias foram elementos fundamentais do antigo ensino superior chinês. Projetado para o recrutamento de burocratas para garantir a nomeação com base no mérito dos funcionários do governo, os exames imperiais dominaram o ensino superior chinês até 1905. As academias, que atingiram o seu pico durante a dinastia Song do Sul (1127-1279), foram integradas ao sistema de ensino do governo Yuan a Qing (1271-1911). Sob a dinastia Qing (1644-1911), seu objetivo mudou para preparar os alunos para os exames imperiais. Autonomia e independência acadêmica – valores acadêmicos definitivos de universidades europeias, pelo menos pela metade do século 19 – estavam ausentes na tradição chinesa.
 
Impacto ocidental
Com a difusão internacional do modelo europeu de universidade após as Guerras do Ópio (1839-1842, 1856-1860), as instituições de ensino superior da China poderiam ter tomado a iniciativa de assimilar a cultura ocidental, ciência e tecnologia. Em vez disso, a maioria continuou a treinar estudiosos com um conhecimento enciclopédico de valores confucionistas, mas pouco conhecimento do mundo exterior. Mesmo depois de os modelos ocidentais de ensino superior terem demonstrado os seus pontos fortes, a comunicação da China com o Ocidente foi em grande parte (e intencionalmente) restringida em uma tentativa de preservar a cultura tradicional e proteger a autoridade aristocrática.
 
Só aos poucos, no final século XIX e início do século XX, foi que o isolacionismo acadêmico deu lugar a uma nova era, na qual a China começou a ter experiências com as universidades de estilo ocidental. O objetivo central do moderno ensino superior da China tem sido combinar elementos chineses e ocidentais, para “indigenizar” modelos ocidentais, e reunir aspectos de ambas as heranças filosóficas. No entanto, essas raízes culturais muito diferentes levaram a contínuos conflitos entre ideias tradicionais chinesas e novas ideias ocidentais de universidade – e da “modernidade” em si.
 
O final da década de 1970 marcou um momento chave para a internacionalização do ensino superior na China – quando o país procurou deliberadamente romper com o passado e abraçar um novo futuro. A estratégia de Deng Xiaoping de “tatear em busca de pedras para atravessar o rio” procurou minimizar diferenças ideológicas entre a China e o Ocidente. Como resultado, os valores tradicionais do ensino superior foram frequentemente minimizados em favor da contribuição do ensino superior para o crescimento econômico. Na década de 1980, a China tinha incorporado uma série de reformas realizadas a partir de modelos estrangeiros – incluindo a descentralização e a mercantilização – sem explorar os fundamentos ideológicos dessas abordagens.  A enfática determinação da China de separar o avançado conhecimento dos países capitalistas ocidentais do que ainda eram vistas como “ideias decadentes” e um “modo de vida burguês” tinha conotações da fórmula concebida nos primeiros esforços de modernização de Deng (Xiao Ping): “aprendizado chinês como conteúdo, técnicas ocidentais por sua utilidade”.
 
Desde a década de 1990, as políticas de ensino superior da China têm enfatizado a busca de universidades de classe mundial. O Programa de Reforma da Educação e Desenvolvimento na China (1993), a Lei da Educação da República Popular da China (1995), o Projeto 211 (iniciado em 1995), o projeto 985 (iniciado em 1998), e a dramática expansão chinesa do ensino superior a partir de 1999 refletem um desejo ardente de se “envolver” com o Ocidente. Este desejo reflete mudanças maiores na sociedade chinesa, quando a China reforma sua economia para adotar os princípios do mercado. Um desejo de universidades internacionalmente competitivas fornece o impulso para melhores instituições da China seguirem o exemplo de universidades europeias e norte-americanas e abraçar normas “internacionais”. No entanto, a noção de status de classe mundial é imitativa, e não indígena. Em busca da posição “internacional”, as melhores universidades chinesas se comparam com Oxford e Yale, mas se esquecem da longa história dessas instituições – muito menos da sua própria.
 
Desafios contemporâneos
Hoje, as universidades chinesas rotineiramente olham para as principais congêneres da elite ocidental (frequentemente americanas) à procura de padrões, inovações políticas e soluções para seus próprios problemas de desenvolvimento. Este é particularmente o caso das universidades de maior prestígio. Por exemplo, as reformas de pessoal na Universidade de Pequim, em meados da década de 2000, foram copiadas inteiramente depois de observada a experiência americana. Os reformadores citaram quase exclusivamente Harvard e Stanford para legitimar suas medidas de política. Mas o enxerto de políticas americanas em estruturas universitárias chinesas muitas vezes ignorou diferenças culturais importantes. A adoção por atacado de planos dos EUA não foi apropriada – na verdade, não foi possível – em uma cultura com valores culturais e tradições educacionais visivelmente diferentes.
 
A mais recente iniciativa política da China é a Reforma da Educação de Médio e Longo Prazo e o Plano de Desenvolvimento (2010-2020), aprovado em maio de 2010. A política tem como prioridade a inovação técnica e a preparação, mas, a exemplo de seus predecessores, ele carece do que é necessário para uma China que surge de novo: ou seja, uma visão para tornar a preparação cultural uma prioridade igual para garantir o suave futuro global da China. Ainda confinada a uma mentalidade envolvida, a política do Estado continua a enfatizar o desenvolvimento econômico, como o principal ponto de referência em todas as partes da iniciativa – mais uma vez, deixando questões complexas da cultura e valores de lado.
 
As universidades modernas são instituições em camadas, com o aparato técnico na superfície, mas com os valores culturais no núcleo. Repetidas tentativas da China para importar modelos de universidades ocidentais ocorreram principalmente no nível do equipamento técnico. Com base nos valores fundamentais do modelo ocidental, como a liberdade acadêmica e autonomia institucional, estas raramente foram compreendidas, e muito menos realizadas. No presente grande salto à frente no ensino superior chinês, o que falta é a atenção aos valores culturais e institucionais. Se as universidades chinesas não puderem integrar com sucesso os valores chineses e ocidentais, a promessa da universidade moderna na China será limitada. A questão da cultura é parte de um processo muito mais amplo e complexo de buscar uma alternativa à globalização ocidental. Para serem verdadeiramente “de classe mundial”, as universidades chinesas devem encontrar uma forma adequada – pode-se mesmo dizer, inequivocamente, chinesa – de equilibrar ideias nativas e ocidentais de universidade.